DISCOS
The Necks
Silverwater
· 20 Jan 2010 · 21:26 ·
The Necks
Silverwater
2009
ReR


Sítios oficiais:
- The Necks
The Necks
Silverwater
2009
ReR


Sítios oficiais:
- The Necks
O mar de ideias improvisado pelos Necks fica perto da medalha de ouro numa carreira que transcende os 20 anos e a dezena de discos.
Quem lê algumas linhas acerca dos Necks pode muitas vezes ser enganado pelos lugares comuns colados ao trio australiano. Isto porque quando o escrutínio recai sobre discos tantas vezes ocupados por uma só faixa de sessenta e poucos minutos, essa duração basta para alimentar a noção vaga dos Necks como um trio de jazz tântrico, disciplinado e subtil na sua progressão, unidade ruminante e, no pior dos casos, chata.

Ora, mesmo que tais dados não sejam totalmente falsos, a diversidade de facetas assumidas pelos Necks, ao longo de mais de 20 anos, impede a formação de um padrão fácil. Reparamos, por exemplo, em como a atmosfera de Aether difere da profusão rítmica do mais recente Drive By, e sobra pouco atrevimento para definir certezas a partir de um só álbum. Ou seja, a identidade dos Necks flui sem nunca esbarrar num dogma interno, e ainda serve para informar outras bandas nos seus momentos mais inspirados (os Menomena de Under an hour podiam ser os Necks de Chemist inflamados pela garra de Portland).

Inconformado com quaisquer certezas, o novo Silverwater (composto por uma só faixa de 67 minutos, lá está) garante-nos que os Necks permanecem verdadeiramente livres e bem capazes de fazer crer que este décimo-quinto álbum transporta a vontade do primeiro. Assim é o glorioso Silverwater: um animal de dinâmica sinuosa, que, numa sucessão alucinante de movimentos, deixa uma ponta solta como alimento para o próximo animal que ocupar o covil.

É como se os Necks jogassem às damas com os diferentes instrumentos dispostos no tabuleiro: o contra-baixo noir come a percussão imponente de Tony Buck, que, por sua vez, tinha comido o anklung (pau de chuva indonésio), que já havia devorado o madrugador órgão Hammond (presença inicial e final do circulo completo). Nada parece deslocado ou artificioso, à medida que os Necks cozinham mais um ovo cheio que obriga a uma escuta ininterrupta para surtir total efeito. E o “total efeito”, no caso dos Necks, fica perigosamente perto de ser um milagre.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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