Dependendo dos hemisférios, para uns será um disco de Verão, para outros um disco quente para dias invernosos. E se resta à sensibilidade individual acolhe-lo como um disco de sabores tropicais mais ou menos essencial, difícil será ignorar a candura perfumada deste doce fruto neozelandês em busca do melhor de dois – ou vários – mundos.

Este singular colectivo maori não será o único na demanda pela soul exótica, e a sua premente necessidade de inclusão das linguagens jazz e reggae na sua exigente matriz; agora já serão dos poucos a poderem-se gabar da proficiência de uma fórmula caseira. Uma equação aperfeiçoada com o tempo passado em palco num constante processo de escrita e rescrita. Uma desenvoltura criativa e descomprometida, livre para desenvolver uma linguagem própria. Um amadurecer do carácter sonoro apenas possível criando, recriando e improvisando temas, sabendo acima de tudo explorar a dinâmica colectiva enquanto o prazer de tocar transborda sobre pequenas mas interessadas multidões.

Procurar grandes variações ou inovações desde os primeiros ensaios ao vivo como Fat Freedy’s (Live at the Matterhorn 2001), os passos solitários de Joe Dukie e DJ Fitchie (Mignight Mauraders 2002) e os discos de originais, poderá não ser um exercício analítico muito recompensador porque se há espírito de autor vincado capaz de recompensar o melómano vezes sem conta esse será o dos Fat Freedy’s Drop.

O debutante Based On a True Story (2005) assentava no principio de rescrita em estúdio de um tirocínio tirado em palco, confinando um sem número de improvisos live num formato pop limitado aos minutos de um disco sem perder a essência. Quatro anos depois, Dr. Boondigga & The Big BW não se afasta particularmente da metodologia usada no disco de estreia, e não se vislumbrando diferenças de maior, é na singularidade da escrita, na sinergia colectiva e no sincretismo sonoro que assenta o virtuosismo desta música. É na capacidade de renovação do espírito sem alienarem o carácter com que se deram a conhecer.

Dr. Boondigga & The Big BW, talvez mais soul na forma como procura na matriz afro-americana o último reduto onde o amor singelo se encontra com as vontades do todo poderoso, alarga o intervencionismo ocasionalmente para fora do baralho sonoro que já tínhamos por adquirido. Exemplo disso é a invulgar ode ao convivo na cozinha (de «The Nod») onde o jazz de Nova Orleães comunga promiscuamente com a soul e o dub, a festividade de um transe quase tribal repleto de instrumentos de sopro em busca da divindade aborígene («Shiverman»), o minimalismo instrumental que a magnífica voz de Dallas Tamaira compensa com uma invulgar luminosidade («Big BW») ou o intrigante e intenso medley entre o blues e a soul, com uma inesperada intervenção de bossa-nova pelo meio («The Camel»).

Mesmo que os restantes temas não nos faça apagar da memória a intensidade progressiva de uma pop/ soul fascinada pelos ensinamentos dos mestres de Kingston ou as iluminadas tipologias com génese nas margens do Mississipi - com obvia intercessão das linguagens electrónicas -, não se deixará de ter um sentimento de encantamento enquanto se revela diante de nós uma rara integridade sonora que soube amadurecer ainda mais nestes últimos quatro anos. Dr. Boondigga & The Big BW é um disco fascinante – quer seja Verão por aqui e Inverno no fim do mundo – produzido sem qualquer intenção de ser muito diferente do que aquilo que realmente é.