DISCOS
Monkey
Journey to the West
· 19 Set 2008 · 08:00 ·
Monkey
Journey to the West
2008
XL / Popstock


Sítios oficiais:
- Monkey
- XL
- Popstock
Monkey
Journey to the West
2008
XL / Popstock


Sítios oficiais:
- Monkey
- XL
- Popstock
A adaptação teatral de uma obra chinesa faz com que Damon Albarn e Jamie Hewlett voltem a trazer às webzines muita “pinta” visual e um “disco” que só o é entre aspas.
Compreende-se que um casal orgulhoso do primeiro filho acumule naturalmente vontade de trazer ao mundo um segundo, do mesmo modo que uma colaboração excelentemente executada estimula outras tantas. Sabe-se também que já se encontram praticamente esgotados todos os elogios e superlativos devidos a Damon Albarn e Jamie Hewlett pela inventividade, transgressão e coolness conjugadas na sagrada entidade multimédia que são os Gorillaz, criação à medida do tal compositor dos Blur e do criador da banda-desenhada Tank Girl (que parece muito mais conseguida no papel do que no celulóide). Além de ser conhecido pela arrogância, Damon Albarn representa, desde o início da década, uma incógnita criativa sempre prestes a estoirar em direcções imprevisíveis. Relembremos, por exemplo, a aventura Mali Music, o romantismo de armário de Democrazy ou a rotação étnica de 360 graus sofrida pelos Blur no belíssimo Think Tank (peça-chave determinante na ruptura com o guitarrista de sempre Graham Coxon). Por esta altura, Damon Albarn encarará com maior à vontade a criação de um universo musical baseado nas linguagens de um país distante em relação ao Reino Unido.

Quis a nostalgia (e uma estranha fixação por macacos) que Damon Albarn e Jamie Hewlett voltassem a essa espécie animal com a direcção de Monkey: Journey to the West, que, antes de ser um souvenir, foi uma peça teatral adaptada a partir de um romance homónimo chinês do século XVI escrito por Wu Cheng’en. Acreditando no que as publicações da especialidade referem, Monkey: Journey to the West terá sido, nas apresentações em Manchester e Londres, um espectáculo sem rival à altura em termos de entretenimento e festim visual (para o qual também contribuiu o encenador chinês Chen Shi-zheng). Quem assistiu à cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, ao lado dos quais Monkey foi promovido em Inglaterra, sabe até que ponto podem ir os chineses quando respeita a encenações eficazmente megalómanas (aquela corrida suspensa até à tocha…). Os que jogaram Toki (clone símio do clássico Ghouls n’ Goblins) nas máquinas ou Usagi Yojimbo (o coelhos-samurai amigo das Tartarugas Ninja) no ZX Spectrum ou no Commodore 64 conhecem o essencial sobre a toada narrativa desta peça: um macaco parte à conquista do Ocidente e simultaneamente à descoberta de si mesmo e das suas capacidades. Podia ser a história do defesa-central Bruno Alves caso lhe preparassem uma merenda de bananas e guia de marcha para ir jogar no LA Galaxy.

A história do disco, contudo, não apresenta as qualidades do espectáculo original: em jeito de digressão pela música tradicional da China, conforme filtrada por um Damon Albarn incapaz de recusar a infusão pop e os níveis de produção actuais, procura-se condensar em Monkey: Journey to the West parte significante das composições incluídas na peça e outras tantas inspiradas pelo mesmo tema. Inevitavelmente, quem não conheceu o privilégio de ver Monkeyem palco, sente-se distante, não sem deixar de ter direito à mesma dose XXL de momentos épicos (“Battle In Heaven” recorda a chacina do Kronos Quartet), clímaxes orquestrais apropriados a rituais iniciáticos de um macaco e todo um rol de faixas reservadas a numerosos coros Mandarim e cânticos eloquentes. Monkey: Journey to the West é um compêndio com relativa graça, quando isolado do conjunto maior.

Damon Albarn andará provavelmente convencido de que é o Phillip Glass da geração que observou de perto o duelo entre a Sega e a Nintendo. Albarn concentrou num empreendimento ambicioso e territorialmente específico as mesmas energias aventureiras e lúdicas que normalmente dedica aos Gorillaz (é talvez por isso que o macaco visto na contra-capa muito se parece com um 2D envelhecido). Assim, é fácil presumir que a utilidade de Monkey: Journey to the West varie conforme quem escuta: os que testemunharam a peça podem trazer para casa uma lembrança, os outros podem apenas contentar-se com um extenso exercício para a imaginação. Eu já não sou capaz de largar a imagem de um Bruno Alves a comer bananas, entre uma e outra lição Budista.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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