DISCOS
Nedelle
The Locksmith Cometh
· 20 Set 2007 · 08:00 ·
Nedelle
The Locksmith Cometh
2007
Tangram 7s


Sítios oficiais:
- Nedelle
- Tangram 7s
Nedelle
The Locksmith Cometh
2007
Tangram 7s


Sítios oficiais:
- Nedelle
- Tangram 7s
Songwriter acriançada alia-se ao ex-Deerhoof Chris Cohen em disco de canções que alegorizam universo excentricamente paralelo.
Nedelle Torrisi, ou apenas Nedelle, merece que lhe seja concedido um firme benefício da dúvida: depois de, aos 13 anos, ter aceite que dificilmente viria a ser estrela dos musicais da Broadway, vingou-se em dois discos gravados para a Kill Rock Stars, uma licenciatura em história do jazz (imperceptível na sua música) e, bem recentemente, na brilhante execução do violino que emprestou a “Save me, Save me”, momento de categórica pompa que até citava a luminosidade cinzenta da cidade do Porto num The Air Force que representa fasquia alta para os Xiu Xiu. Sendo que Jamie Stewart, mentor dos Xiu Xiu, retribui o favor com a guitarra por identificar cedida a este The Locksmith Cometh que, tematicamente, não podia encontrar-se a maior distância da deformação e rubor carnal dos discos da banda de Fabulous Muscles. Talvez se encontrem mais próximos os dois nomes na gestão excêntrica da escrita de canções e no apetite voraz por arranjos sinfónicos (através de secção de cordas e piano), que servem como massagens cardíacas a canções cuja simplicidade acústica não bastaria à sua sobrevivência. “I Hate a Mountain” pode até ser o “I Luv the Valley, OH!” (potentíssimo single de Xiu Xiu) de Nedelle se aceitarmos de antemão que o tema explora sem ironias aquela sensação de êxtase rodopiante que marca a emblemática cena de abertura de Música no Coração.

Nedelle transporta no coração os seus estimados. Se for retirada à equação o valor dos discos citados, The Locksmith Cometh pode até ser recebido como um equivalente mais modesto dos brilharetes lo-fi em que Phil Elvrum, desdobrado nos Microphones ou nos posteriores Mt. Eerie, conseguia reunir todo o talento da K Records, nem que fosse em apenas uma música de simbolismo comunal. Neste caso, é Nedelle Torrisi o planeta em torno do qual giram os amigos acumulados na Kill Rock Stars (vizinha da K), entre os quais Chris Cohen, o ex-Deerhoof entretanto entregue aos Curtains, que colabora mais assumidamente com a autora deste disco nos Cryptacize. Enfim, serve como prova do registo comunal o coro - tão verde como o prado - de “Friends & Ancestors”, no seu atribuir de nitidez a qualquer imagem formada a partir de um grupo de músicos amigos a roçar ombros e a apontar o nariz ao mesmo par de microfones suspensos, sem o aspecto parolo de uma gravação de tema para a próxima campanha humanista organizada por Bob Gendolf.

Para ser feito proveito da sua insustentável fragilidade, The Locksmith Cometh exige um pacto escrito com uma tinta que anteriormente já assinou pergaminhos referentes à escrita de canções de Regina Spektor e Adam Green: todos se dedicam à formação de universos cuja especificidade fantasiosa exige a adaptação que reclama um jacuzzi. Apesar de elaborado em torno da temperatura amena da guitarra acústica e voz de criança que aguarda a passagem de uma estrela cadente, The Locksmith Cometh tem sobre o seu tabuleiro de jogo carros em forma de maçã e caixas de correio romanticamente desesperadas por cartas por chegar. Falta-lhe várias vezes um “bocadinho assim” de pontaria nas estruturas que arquitecta para as suas canções, mas vale sobretudo pelo esboço de reino paralelo que faz desaparecer as preocupações rotineiras à sua volta.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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