Quase fere a crueldade que se sente ao recorrente episódio de incompatibilidade que opõe banda invulgar e engenheiro de som pouco flexível. Todos já conhecem variantes daquela história em que o técnico responsável pela estabilidade do som brinda a conclusão de um concerto com um movimento displicente de ombros ou expressão de alivio estampada no rosto. A fava já calhou aos Animal Collective (bem recentemente isso era relatado em entrevista) e já terá certamente surpreendido os dentes destes Činč, que, à primeira escuta, alguém tomaria como ingénuos e inofensivos, conforme sugere a folk lúdica e estival do colectivo de Belgrado. Porém, os Činč são capazes de surpreender e evitar o cliché em mais do que um contexto.

Em Polyphonic Poetry, por exemplo, apropriam-se de poemas de Rabelais ou Baudelaire (entre outros), que entoam no seu Sérvio natal e em combinação com uma folk esponjosa que absorve a música dos Balcãs (“Majâ€� é montra disso) e a circularidade viciante de alguma Europop mais resistente ao desgaste temporal. A certa altura quase soam ao que poderiam os Belle & Sebastian compor se, num improvável dia, fossem convidados a elaborar bandas-sonoras para as curtas-metragens de animação polacas que o saudoso Sr. Vasco Granja promoveu pioneiramente noutros tempos. Quem conhece os Belle & Sebastian, sabe que “Scooby Driverâ€� do mal-estimado Storytelling podia ser o tema de abertura de uma série de animação, tal como aqui “Chuchotementsâ€� não destoaria como tema-genérico para um TV Rural apresentado por um personagem da Rua Sésamo. A adesão aos Činč, na sua forma bruta, depende essencialmente da margem que cada um pode estar disposto a ceder a uma banda que alterna a folk como se a quisesse adaptar a todo o tipo de formatos televisivos infanto-juvenis.

Por isso, após cumpridos três discos em nome próprio, entende-se a necessidade de alguém com uma identidade tão característica submeter-se a um desafio que reavalie a significância da sabedoria e tiques acumulados. O que no caso dos Činč significa conduzir até à prancha do barco pirata a fórmula infalível de uma folk que rodopia vistosa por força de guitarras acústicas esperançosas e as harmonias vocais obtidas por Dorde Ilić e Luka Stanisavljević. Levou essa demanda a que os Činč se juntassem ao entusiasta, patrão e anterior colaborador Yoshio Machida no projecto Walk With the Penguin que tem em Steal a Spoon for You o seu primeiro disco. Não é exactamente uma colher aquilo que os Činč roubaram para servir à reinvenção que se desejava para este disco, mas sim uma steel pan, o instrumento metálico e concavo que o japonês Yoshio Machida explora até aos limites do impalpável nos seus discos. Vem o steel pan acrescentar à esgrima amigável de palavras em Sérvio uma componente exótica que mais próxima soa dos clássicos da Nintendo quando ataca o vocoder sonolento e a IDM tornada valsa de “Mediterranean Saltâ€�.

Mesmo que nem sempre chegue a surtir a quantidade desejável de interesse, Steal a Spoon for You tece – às vezes, quase aleatoriamente – uma série de medalhas pop que podem agradar ao romântico de armário (ou aos fãs de John Tejada), como a todos os que sentirem bem numa fronteira incerta entre a Sérvia e o Japão mais alienados.