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Wraygunn
Porto Rio, Porto
19/11/2004


Pose. Às vezes é tudo uma questão de pose, de atitude. No rock ‘n roll então, cada gesto, cada olhar, cada pormenor pode fazer a diferença entre um bom e um mau concerto. Não é novidade para ninguém, ou pelo menos não deveria ser: rock ‘n roll, em Portugal, vem de Coimbra e pouco mais. Não será por isso espanto algum que sempre que alguma das “instituições” conimbricenses seja anunciada em qualquer cartaz, flyer ou através do meio mais fiel de transmissão deste tipo de mensagens – o famoso boca-a-boca – meio mundo se desloque de armas e bagagens para a paragem designada, local último de festa e farra. Casa cheia no Porto Rio, brindada antes de mais com uma sequência de rock ‘n roll e blues - mesmo a calhar - que se infiltrava na perfeição na tela “álcool e fumo” naturalmente erguida pelos foliões - rock ‘n roll oblige.

Mais abaixo, mais para perto do rio, uma “sala” com um pequeno palco num dos cantos. Resultado lógico: o coro gospel que costuma abrilhantar as actuações dos Wraygunn não marcou presença. Os restantes membros da banda, esses, foram entrando pouco a pouco – a partir do momento em que Paulo Furtado entrou na sala todos os presentes tiveram a certeza que tudo, mas mesmo tudo, poderia acontecer. “There But For The Grace Of God Go I” abriu o concerto com sons arrastados de guitarra e com sensualidade da voz de Raquel Ralha – vestida a preceito com o vestido vermelho, preto e branco que parece ter sido feito à sua medida e imagem. Junte-se-lhes um baixo lento e fumarento e alguma percussão partida em alguns cacos e o resultado é nada mais, nada menos do que sexo. Mais percussão, baixo e guitarra em combate, os gritinhos quase operáticos em forma de “U” de Raquel Ralha e temos “Drunk or Stoned”, canção que oferece hipóteses viáveis na falta de uma vida interessante. Não há palmas, nem há coro, mas “Keep On Prayin’” mantém-se quase intacta. A viagem por Eclesiastes 1.11, o último registo dos Wraygunn, continua com a leviandade e velocidade de “How Long, How Long?” – a guitarra surge primeiro quase silenciosa, para depois espalhar o caos. Paulo Furtado salta entusiasticamente e cai de joelhos no chão para enfrentar a sua guitarra, em destemidos solos – nem as reduzidas dimensões do palco fizeram frente ao sempre audacioso Furtado e na verdade nada faria.

O álbum de estreia Soul Jam apareceu com a muito esperada “Lonely”, com “Going Down” e voltou a desaparecer para que surgissem sons mais recentes: “Sometimes I Miss You” faz-se de percussão acelerada, electrónicas várias e dos gritos nervosos de Raquel Ralha – abre-se o espaço para Paulo Furtado que conta a história com a calma de quem reza uma missa, com os nervos de quem acabou de virar costas a quem tem de enfiar um tiro três passos depois. Há mosh, há mosh. E até há coreografia das meninas que se passeavam junto do palco. Para fechar, a violência punk de “She’s A Speed Freak”, rasgada por uma guitarra quase funk, a pancadaria de “Juice” e a promessa em forma de canção: “All Night Long”. Paulo Furtado afirma, o público acredita. Acredita tanto que vê Paulo Furtado deitado no chão, em tronco nu a cantar e a manejar uma geringonça bizarra que produzia um som similar ao de dois seres em actividade sexual – o murmúrio do prazer. Ousou até continuar tais preliminares sexuais em cima de uma mesa. Resultado: caos e saída de palco. Os Wraygunn haviam de voltar uma vez para um encore onde se ouviu uma cover que nas palavras de Furtado, é tocada sempre muito mal. O refrão, pleno de oportunidade, explodia: “My Baby’s got drunk / She called me on the phone”. E só lá fora, envolvida pelo Rio Douro, é que a madrugada se apresentava gélida: o rock ‘n roll tirou, uma vez mais, a barriga – ou os ossos - de misérias.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
19/11/2004