Broken Social Scene © Luís Bento |
Morrissey
Steven Patrick Morrissey nunca foi boa pessoa. Mas, por outro lado, deu sempre tanto ao mundo e ajudou tantas vidas que isso parece desculpar quase tudo. É um dos maiores poetas vivos, uma das melhores vozes da música pop de sempre, e tem a arrogância e a hipocrisia para prová-lo. Alimenta-se dos fãs, dos fãs que o adoram intensamente, e transforma aquilo que para o comum dos mortais é uma fraqueza - a solidão - numa das suas maiores forças. Ao crescer, devia ser alguém com pouca auto-estima, mas alguém que conseguiu dar a volta a isso. Quando faz, algures durante o concerto, um comentário auto-depreciativo, não é como se não tivesse noção de que todas aquelas pessoas estão ali para o ver. Não é como se não soubesse que o adoram como adoram pouca gente. É apenas um resquício disso. É exactamente o mesmo que Jon Stewart exclamar, em plena apresentação dos óscares, “I’m such a loser.”
Morrissey canta a dor e o sofrimento e a solidão e o não ser amado, mas tem uma banda com t-shirts a dizer “Morrissey”. É esta a dicotomia que atravessa toda a sua obra: a linha ténue entre a falta e o excesso de amor-próprio. Então, quando pede, num português pobre, “Paredes de Coura, ajuda-me”, não está mesmo a pedir ajuda. Não precisa de ajuda para nada. É, para muita gente, o mais perto que existe de Deus, e sabe jogar da melhor forma com isso. Entra ao som de “How Soon Is Now?” e, apesar da guitarra de Johnny Marr ser inimitável, a banda não se safa mal a tocar os temas dos Smiths. E são esses os temas que fizeram de Morrissey o que ele é, por muito bons que sejam alguns dos seus discos a solo - e alguns são mesmo bons - ou as suas canções, serão sempre relegados para segundo plano. O que é e não é uma pena.
A banda soa muito mais confortável e melhor a tocar os temas do último fôlego criativo do artista, que fizeram a maior parte do concerto, aquele que começou em 2004 com You Are The Quarry, como é óbvio, mais do que naqueles em que não sabe bem o que fazer, como os dos Smiths. Foi nesta altura que entrou definitivamente na idade adulta, entretanto fez 45 anos e passou de cantor das mágoas da juventude para crooner ao nível de Las Vegas, como exemplificado em Live At Earl’s Court. Claro que isto pode ter acontecido antes. O escritor Will Self, em 1995, deu a um perfil de Morrissey no The Observer o nome de “The king of bedsit angst grows up”. Mas estava a falar com um trintão e não com um quarentão. Morrissey parece ter ganho, nestes últimos anos, um charme e um carisma que não tinha antes, para além da sua voz ter melhorado, ficado ainda mais adulta. O que é estranho, visto que, quer se queira quer não, esta ter ficado para a História da pop com os Smiths.
Temos anónimos a tocar temas dos Smiths, não soam mal, porque quem os cantava está ali, mas não é bem a mesma coisa. Nunca poderia ser. Não têm nome porque o único nome que interessa é o de Morrissey, e é desta forma que o artista alimenta o culto. Mas também joga com isso, dizendo, quando apresenta a banda, que não tem nome. A passagem de nerd para superestrela não é um fenómeno anormal na pop, de Elvis Costello a David Byrne, de Rivers Cuomo a Kanye West, mas todos estes conseguem, lá do alto, manter algo que os remete para os tempos de juventude, para a adolescência estranha de fãs obsessivos de algo. Mas também, nada é normal em Morrissey. Há um solo de trompete mariachi algo livre em “The First of the Gang to Die”, o que é estranho, visto o gosto que Morrissey sempre teve, dos Smiths à carreira a solo, em usar sintetizadores que não devem muito ao bom gosto em vez dos instrumentos a sério, mas soa bem. E a sua voz também (se bem que ainda haja algumas desafinações ao vivo).
Morrissey está ali, em palco, magnificamente vestido, com uma presença inigualável, e alimenta-se e vive do amor que todas aquelas pessoas têm por ele. Porque um fã de Morrissey não é um fã de outro artista qualquer. É um fã dedicado, que conhece tudo, que vive e respira cada palavra, cada forma de verbalizar uma stiuação, um sentimento, um pensamento. Há, ali, fãs que estão pelos Smiths, mas também há, surpreendemente, uma camada jovem - sub-20 - que conhece de cor todos os temas de The Ringleader of the Tormentors, seja do single que passava em alta rotação nos ecrãs do Metro de Lisboa “You Have Killed Me” ou de “The Youngest was the Most Loved”, com o seu refrão de crianças a cantar “There is no such thing in life as normal”. E não há aqui nada de normal. Uma boa banda, uma voz maior do que a vida, e, sobretudo, uma presença fenomenal daquele que é o mais perto de Deus que alguma vez estas pessoas terão. E as pessoas entregam-se fortemente ao todo-poderoso que pode fazer o que quiser. Que faz o que quer.
Parece estar bem disposto. Faz comentários sobre o mundial de futebol, mas diz que Portugal não ganhou. Até parece importar-se com o público. Mas não. A meio de “Panic”, dos Smiths, a última canção, antes de pedir para enforcarem o DJ, Morrissey, um ateu, diz “Bye bye, god bless you” e sai do palco. Antes consegue, através de gestos, pedir à banda para parar de tocar. Entra no seu Mercedes e não volta mais. O público, que se tinha entregue totalmente, fica um pouco desiludido, mas este é o herói de toda a gente, é alguém que pode fazer o que quiser. E faz.
Morrissey © Luís Bento |
Fischerspooner
Tiveram um êxito enorme em “Emerge”, um dos singles-chave do movimento electroclash. Só que, em 2006, ninguém quer saber disso. O electroclash provou-se um fenómeno extremamente limitado e datado e com muito pouca validade. Mas eles continuam por aí. Começam com uma versão dos Wire, “The 15th”, que funciona bem porque, basicamente, é uma óptima canção e nem eles a conseguem estragar. O resto é um espectáculo extremamente bem pensado e ensaiado, com uma forte componente visual, bailarinas e muita festa, mas com música enfadonha e aborrecida. Ninguém se lembra de nenhum tema dos Fischerspooner para além de “Emerge”, e há uma razão para isso. É a única canção memorável deles, e mesmo assim torna-se muito aborrecida à terceira ou quarta audição. Casey Spooner, vestido de uma forma inenarrável, deixa-a a meio, dizendo que é um artista e não pode tocar aquilo que as pessoas querem ouvir. Estaria a fazer troça de Morrissey? Não interessa, tem alguma piada, mas não muita. E, quando fecha o concerto com a versão completa desse tema, as pessoas continuam a rir-se da piada que são os Fischerspooner, mas pouco mais. Eles não se levam muito a sério, nem devemos nós levá-los muito a sério.
16/08
The Eagles of Death Metal
Depois dos portugueses Vicious Five, com os quais já foram gastas muitas linhas nesta casa, sobe ao palco a nova banda de Josh Homme (ex-Kyuss, Queens of the Stone Age). Só que sobe ao palco sem ele, só com o carisma e a enorme presença em palco de Jesse Hughes. São típicos grunhos americanos, da América profunda, camionistas de bombas de gasolina que se fartam de mandar piropos às miúdas e outras coisas que essa gente faz. Só que têm piada a fazê-lo.As letras são feitas de monossílabos, como todo o rock’n’roll deve ser, e a música é quase sempre igual: bateria a partir, riffs rápidos e muita cerveja. Há uma versão competente de “Brown Sugar”, dos Rolling Stones e há suor e muitas dedicatórias às senhoras. Um óptimo divertimento.
The Gang of Four
E eis que os estudantes de artes marxistas do pós-punk se encontram, anos e anos depois, velhos. Daqueles velhos que tinham antes uma banda e passaram os anos que demoraram a voltar a reunir-se a não fazer nada de especial. Vestem-se exactamente assim, como velhos sem estilo que querem parecer jovens. Mas, por detrás de todo o ridículo da idade que querem esconder, ainda conseguem soar estupidamente melhor que todas as bandas que, hoje em dia, os pilham sem vergonha. “Estupidamente melhor” também pode querer dizer “estupidamente alto”, já que o som da guitarra era ensurdecedor e o som do baixo também.
Entertainment! é o disco principal da obra deles, e é com isso que conseguem converter os fãs. Sempre foram música negra tocada por brancos ineptos, e ainda são, só que fazem-no com uma pinta que pouca gente desde os Stones fez. Há, durante todo o concerto, um microondas em palco, que é posteriormente utilizado pelo vocalista Jon King (nunca teve grande voz e agora ainda é pior) para servir de instrumento de percussão, algo que não faz grande sentido nem do ponto de vista visual nem do ponto de vista musical, mas não é propriamente mau.
As linhas de baixo de Dave Allen e as guitarras de Andy Gill continuam a ser umas das melhores experiências musicais de sempre, o funk visto por brancos que não era suposto serem bons a fazer aquilo mas acabaram por ser, misturado com o punk e com a política. São velhos, sim, estão velhos, também, mas tomara todas as reuniões ser assim e todos os imitadores soar assim.
Yeah Yeah Yeahs
Nos três anos que passaram desde a edição de Fever to Tell e do primeiro concerto entre Paredes de Coura, os Yeah Yeah Yeahs ficaram ainda mais famosos no mundo inteiro e em Portugal e descobriram, para além das guitarras acústicas, as baladas melosas, transformando-as em êxitos que se podem ouvir em qualquer loja de roupa de qualquer cidade europeia. Ao vivo, são sempre uma óptima banda, com a líder natural que é Karen O e os músicos extremamente competentes que são Nick Zinner e, especialmente, o baterista Brian Howe, que faz com que até os ritmos mais complexos pareçam fáceis de tocar.
Karen O é uma mulher histérica, totalmente exagerada, que adora gritar e saltar de um lado para o outro. Mas não é chata a fazê-lo, acaba até por ser adorável, na sua infantilidade chic (na setlist há coraçõezinhos e estrelinhas). Salta de um lado para o outro e grita muito e bebe água e cospe a água para cima dela própria e enfia o microfone na boca e salta ainda mais. E não se esquece de cantar. Está tudo no ponto, e há um guitarrista ajudante, Imaad Wasif, para ajudar o trio original. Não há a produção magnífica de David Andrew Sitek em palco, mas para compensar isso há um espectáculo extremamente bem sucedido, com canções de Fever to Tell e Show Your Bones. Não há grandes paragens entre os temas, “Maps” é introduzida como uma “Yeah Yeah Yeahs love song” e Karen O dedica-a ao amor de cada um dos três homens que a acompanham e depois ao seu amor, o público português. Da guitarra estratosférica à frase “wait, they don’t love you like I love you”, tudo está disposto para o máximo efeito emocional. Não é à toa que é um dos melhores singles dos anos 2000, e que a sua companheira, “The Other Side of Mt. Heart Attack” dos Liars de Angus Andrew, para quem a canção foi escrita, seja também uma das melhores canções desta década. Há algo de realmente comovente que transparece das duas canções provavelmente mais formatadas das duas bandas. A guitarra estridente de “Y Control” é disparada e não tocada, algo incompreensível tendo em conta que temos um músico extra em palco. E o sorriso de Karen O no final de “Turn Into”, tal como no seu vídeo, é uma visão deliciosa e uma das melhores do festival.
Os Yeah Yeah Yeahs são uma óptima banda, não só por terem um óptimo baterista, um óptimo guitarrista, um óptimo produtor e uma óptima líder, mas também por saberem bem o que fazer com isso. Há melodias e canções memoráveis e belíssimas, e até os momentos mais descontrolados são bem estruturados e pensados para funcionarem da melhor forma. É música com pés e cabeça.
Yeah Yeah Yeahs © Luís Bento |
Bloc Party
Os Bloc Party lançaram Silent Alarm em 2005 e, basicamente, têm mais ou menos três canções. Têm a canção de amor, suave e discreta, com guitarras estratosféricas e palavras bonitas (“This Modern Love”, “Two More Years”, “So Here We Are”, “Blue Light”), o banger, a canção para partir tudo (“Banquet”, “Like Eating Glass”, “Pioneers”) e algo que fica no meio dos outros dois tipos (“Positive Tension”, “She’s Hearing Voices”). Não há grande variação, mas, se se estiver para aí virado, podem ser divertidos.
Kele Okereke, o vocalista/guitarrista, não tem grande voz. Mal consegue aguentá-la durante um concerto inteiro, e soa muito pior que em disco. Até o baixista canta melhor que ele. Mas isso não implica que não saibam dar um espectáculo. O público conhece todas as canções, especialmente “Banquet”, talvez o single menos irritante que já serviu de hino de campanhas da Vodafone. A banda está visivelmente excitada por estar ali, e Kele fala da chuva que caía o dia inteiro, com um sorriso estampado na cara por tocar para tanta gente que gosta da sua música. Os Bloc Party são uma banda de rock’n’roll à antiga, com inclinações para revivalismos do pós-punk, mas, mesmo soando sempre da mesma forma, soam a uma mistura das influências e nunca a uma cópia de algo. Soam a eles próprios.
É pena que não tenham mostrado, nos temas novos, os ritmos r’n’b e uma eclectização do seu som de que já falaram em entrevistas. Têm talento, mas continuam a precisar de algo que os distinga, algo que os faça serem maiores do que são. Há pormenores que existem em disco e adornam as canções, como as harmonias de vozes em “This Modern Love”, que falham, mas os Bloc Party não deixam de conseguir manter tudo vagamente interessante.
Bloc Party © Luís Bento |
We Are Scientists
Os We Are Scientists não são assim tão maus, se esquecermos a voz do vocalista. "My body is your body" é uma das piores letras de sempre, mas ao vivo até são rapazinhos simpáticos e com alguma piada. Falam de como os Bloc Party poderão roubar o tema que tocam que ainda não foi gravado, e que soa como "Maps" dos Yeah Yeah Yeahs, mas foram os Yeah Yeah Yeahs a roubar aquilo. São, sem dúvida, uma das bandas mais inócuas do revivalismo pós-punk nova-iorquino, mas não fazem mal a ninguém e ainda bem.
17/08
Cat People
Mais uma reciclagem oca e vazia do pós-punk dos anos 80. Desta vez vêm de Espanha e fazem-no de uma forma minimamente competente, se nos esquecermos do sotaque irritante e dos problemas de som. Há uma versão de “I wanna be adored”, dos Stone Roses, que é particularmente insiltuosa e alguns problemas de som.
Shout Out Louds
Pelo nome e pelo lugar de origem - Suécia -, os Shout Out Louds parecem uma banda de rock’n’roll banal e oco que se acha a salvação do mundo. Felizmente, não são nada disso. Há um coro de crianças antes da banda entrar em palco, e, ao primeiro tema, mostram o power-pop solarengo com moog e riffs competentes no qual são exímios. A voz do vocalista é extremamente parecida com a de Robert Smith dos Cure, mas dos Cure só tiraram as partes felizes e não o ambiente soturno e negro e deprimente, mostrando uma agradável surpresa com trompetes sintetizados que não funcionam muito bem mas com melodias bonitas de glockenspiel.
Maduros
Um dia, alguns amigos, veteranos do rock’n’roll português, decidiram juntar-se e gravar uma versão de Clash. Acharam que tinha funcionado bem e juntaram-se mais vezes. Todos músicos profissionais, e todos bons músicos profissionais, esqueceram-se de algo fulcral: da música. Estes quarentões viveram os tempos mais movimentados e desregrados do rock português, as drogas, a loucura, tudo. E puseram Zé Pedro, um mito do rock, o guitarrista dos Xutos & Pontapés, a cantar.
Havia gente que pensava que Tim era um dos piores vocalistas rock de todo o sempre. Nada mais errado, e basta olhar para o lado dele para descobrir isso. A sua voz rouca, de quem é velho, de quem já viveu muito, e, ainda por cima, de quem quer ensinar aos jovens como se vive, é inenarrável. A música, essa, a puxar pelo punk ou pelo hard-rock, é banalíssima, mas também não irrita. O grande problema são as letras. “Aproveita bem o poder da tua juventude”, “O bom que esta vida tem, não sabes, não queres aproveitar” ou “Descobre as tuas capacidades, usa-os para o teu próprio bem” são algumas das pérolas lançadas, pondo todos os festivaleiros a rir bem alto. Ele tem boas intenções, ou parece ter, e diz que a banda só se juntou por amor à música, mas não há nada que se salve ali. A versão de “Call Up”, dos Clash, é competente, se nos esquecermos do sotaque mau em inglês.
Os membros deste “colectivo fabuloso”, todos veteranos do rock, incluem gente respeitável que devia saber melhor. Alexandre Soares, Jorge Coelho, Pedro Gonçalves e o filho do baterista dos Xutos & Pontapés (todos, segundo Zé Pedro, com o apelido “Maduro”) foram todos postos ali. Zé Pedro diz que o público é “resistente ao rock’n’roll”, mas, se é alguma coisa, é forte e resistente aos Maduros. Só assim se explica o facto de as pessoas não se terem ido embora com a chuva, já que era impossível conter o riso cada vez que Zé Pedro abria a boca. È necessário respeitar os veteranos, sim, mas torna-se difícil e penoso se eles continuarem assim.
!!!
Os !!! eram a única banda repetida do ano passado. Ganharam um novo horário, um pouco mais tardio. Musicalmente, não devia haver razões para repetirem. Mas poucas bandas são capazes de tocar basicamente a mesma coisa durante uma hora e pouco e não só mantê-la interessante, mas também ter momentos altos dentro daquilo. “Me & Guiliani Down By The Schoolyard”, single de 2003 que passou para Louden Up Now, de 2004, marcou a mudança dos !!! de uma banda banal e até às vezes muito aborrecida para os reis do dance-punk-funk-porno-groove. E continua a ser a melhor canção deles e continua a resistir a todas as mudanças que lhe fazem ao vivo (a versão tocada mudou da de 2005, com um arranjo diferente), sendo também uma das melhores experiências sonoras que alguém pode sentir nesta década. Quando chega a meio, as guitarras descendentes, que remetem para os Sonic Youth, seguida por uma muralha de guitarras e gritos de Nic Offer, há algo de avassalador ali.
Nic Offer limita-se a dizer palavras de ordem e algumas letras, e de vez em quando balbuciar onomatopeias, em termos sonoros, mas é como animador das massas que funciona melhor. Salta, dança, mexe os braços e as pernas, põe o microfone na boca, e tem os melhores movimentos que alguém na sua posição pode ter. Vai ter com o público, põe a cara em frente às câmaras, faz tudo o que pode e não pode fazer. Num ano, os !!! arranjaram roupa melhor (pareciam hippies que viviam numa comuna no ano passado, este ano parecem ter dinheiro) e canções novas. Não que não soem iguais às outras, o que não é necessariamente mau. Mas há algo que também mudou. O percussionista que no ano passado de vez em quando também cantava num falsete muito fraco manteve a barba e passou a estar mais tempo na dianteira do palco. A banda também ganhou mais fãs e passou-se com os fãs mal-educados e encarados de Cramps e Bauhaus.
Talvez o sucessor de Louden Up Now seja o disco que este devia ter sido: mais conciso, mais avassalador, melhor no seu todo e não apenas em dois ou três temas. Até podem manter as mesmas linhas de baixo e as mesmas batidas durante uma hora. Já se viu que funciona em concerto. Precisam urgentemente de um disco enorme para concretizarem o seu enorme potencial. Para já, ficam com dois concertos absolutamente delirantes, com arranjos novos nos temas que são basicamente iguais entre si mas também muito diferentes.
!!! © Luís Bento |
The Cramps
Os Cramps são uma banda de rock’n’roll com muitas promiscuidades com filmes de série b e toda uma estética de terror. São lendas vivas, os seus membros têm mais de 50 anos, mas neles não há mais do que sempre a mesma canção, tocada de forma competente e para fazer abanar trintões e quarentões roqueiros com cortes de cabelo feitos para acolher brilhantina.
O “humor” de Lux Interior soa extremamente ridículo, quando fala em usar roupa interior de mulher e diz que Deus odeia os Cramps para justificar a chuva (e quando põe o microfone na boca). È gente que já tem idade para ter juízo, mas insiste em não ter. Em alguns casos, o perpetuar da juventude é bonito e louvável, neste é apenas ridículo e estranho. Riffs no sítio, rock’n’roll básico e versões de quase todas as bandas que soam assim nos Estados Unidos (introduzidas sempre da mesma forma: “Esta é dos *inserir nome de banda*, do *inserir nome de estado norte-americano*”), sempre iguais.
A repetição funciona durante meia-hora, ou pouco mais, sendo o culto à volta dos Cramps completamente injustificável, a julgar por este concerto. Mas têm fãs fiéis e violentos que fazem tudo para estar mais perto da sua banda favorita, empurrando toda a gente que está à frente como se não existisse algo no mundo chamado “boa educação”.
The Cramps © Luís Bento |
Bauhaus
A responsabilidade da fundação uma comunidade universal baseada em indumentária assombrosamente pouco original não lhes parece afectar a actividade musical. Os Bauhaus regressaram ao mundo dos vivos e a preto e branco (e os ecrãs gigantes foram mais um instrumento ao serviço do seu espectáculo monumental). “Double Dare” foi o primeiro grande momento, quase a abrir, e a chuva intensifica-se mas a música está mais viva que nunca, voltando a um clímax com “She’s In Parties”. A chuva avança, o temor avança, há direito a uma versão dos Dead Can Dance, “Severance”. Aquele pós-punk distanciado é sempre o mesmo, mas a energia de Peter Murphy parece transformar em algo mais (talvez seja só ilusão, mas eles são grandes ilusionistas). Há uma ameaça de fim e o regresso com “Transmission” dos Joy Division - e a multidão aos pulos já se esqueceu da chuva. Para encerrar o espectáculo os Bauhaus guardam a sua melhor canção, que é curiosamente o seu primeiro single: “Bela Lugosi's Dead". Final de festival grandioso: o tal Lugosi morreu, mas afinal os góticos continuam bem vivos.
Bauhaus © Luís Bento |
Entre os concertos
Inexplicavelmente, uma colectânea dos maiores êxitos dos Offspring tocou várias vezes. Também canções de Jack Johnson. Excepções honrosas: um roadie de Morrissey tocou o riff de “Sex Beat” dos Gun Glub antes do concerto e os TV On The Radio passaram após os Yeah Yeah Yeahs.
O Festival Paredes de Coura 2006 benificiou, em contraste com o ano passado, de melhores apoios (melhor cerveja de sempre a preços aceitáveis num festival de verão em Portugal?) e infraestruturas, mas sofreu por uma perda de eclectismo no cartaz - há que dizer que em 2005 houve os Roots, uma banda de hip-hop mainstream, um gesto louvável num festival de rock’n’roll, mesmo que tenha sido uma banda de hip-hop para roquistas (tradução directa do inglês “rockist”) - e pela chuva. Não foi um mau festival, teve muitos pontos fortes - especialmente Broken Social Scene, Morrissey, Gang of Four, Yeah Yeah Yeahs e !!! -, mas também muitos pontos fracos, desde a inanidade inenarrável dos Warren Suicide do palco after-hours à indieferença de bandas como os White Rose Movement, os Madrugada ou os Cat People e de praticamente tudo o resto que se passou no palco afterhours. Talvez seja preciso arriscar mais, variar mais, mantendo os pontos fortes e os maiores chamarizes. Dessa forma, Paredes de Coura tornar-se-á realmente a alternativa que sempre disse ser e, até certo ponto, até é. Fez muito, mas podia fazer mais, e é essa a ideia com que se fica.