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Tropa Macaca / Fish & Sheep
Teatro Passos Manuel, Porto
04/11/2005


A música marginal portuguesa atravessa um momento muitíssimo interessante e único. Durante 2005, têm sido múltiplos os sinais de que uma pequena revolução se está a processar ao nível do underground, com bandas, espaços (Galeria ZDB à cabeça, Passos Manuel e outros logo a seguir), editoras (sem vergonhas do CD-R ou do mp3) e gente interessada a acenar as duas mãos numa sonora manifestação de existência criativa.

O namedropping é inevitável e serve para destacar um conjunto de artistas singulares: Frango, CAVEIRA, dAnCE DAMage (e bandas conexas, como os Tropa Macaca e Símio Superior), Gala Drop, Loosers, An Octopus in the Bathtub, Fish & Sheep e outros menos visíveis vão desenhando uma curiosa paisagem de música exploratória feita em Portugal, sem tentações copistas. É tudo ainda fresco e esse sentimento de novidade e urgência contamina positivamente os actores da comunidade.

A noite de sexta-feira foi sintomática do sentimento de comunidade que se começa a gerar: Tropa Macaca e Fish & Sheep assinalaram o lançamento do split Para o Inferno Com Eles, com edição da louvável e novíssima Lovers&Lollypops. O local do concerto foi o Passos Manuel, dono da programação musical mais corajosa do Porto. Estavam reunidos os ingredientes certos para uma celebração e assim foi, apesar de continuar a serem quase sempre as mesmas caras na audiência.

© Ana Sofia Marques

De um lado do palco, André “Símio Superior” Abel (também dAnCE DAMage) fitava Ju-undo, esperando calmamente o início do concerto dos portuenses Tropa Macaca. Momento sintomático: dir-se-ia que o par de namorados transporta para a música a intuição própria da "vida que têm juntos" (palavras deles). Os dois músicos dialogam através de maquinaria múltipla – teclados, uma guitarra eléctrica, pedais de efeitos, instrumentos aparentemente preparados pela banda – pousada em duas mesas.

Ju-undo cumpriu as funções rítmicas, por vezes demasiado monótonas, produzindo ritmos que se comiam uns aos outros, em jeito de música de dança ou evocação tribal esquizofrénicas; ao lado, André Abel introduzia melodia, gerando momentos interessantes como uma curta passagem estelar lo-fi num órgão, ou abstracção sónica na guitarra eléctrica que nunca chegou a excitar verdadeiramente. Se as premissas podiam evocar uns Excepter, falta ainda aos Tropa Macaca a maturação que lhes permita ser mais do que um projecto simpático e genuíno.

© Ana Sofia Marques

Uma bateria, uma guitarra e um microfone que só uma vez foi utilizado foi tudo quanto bastou para os Fish & Sheep explicarem porque é que são a mais interessante banda nacional a integrar o ruído e a improvisação como partes fundamentais da sua estética, que, apesar da liberdade conceptual do projecto, se revela coerente e idiossincrática, apesar da tenra idade do grupo (têm pouco mais que um ano).

Afonso Simões (Phoebus) é um baterista notável, capaz de passar rapidamente do free (jazz? rock?) ao rock mais extremo (louvada seja a pedaleira dupla) num discurso fluído e totalmente livre. Do outro lado do palco, Jorge Martins (também dos Frango) funde-se com a massa sonora multi-texturada que gera a partir da guitarra eléctrica: contorce-se, é "projectado" para a frente e para trás, reage fisicamente perante cada caminho sinuoso que o som toma, rejeita a formalidade clínica de muitos "artistas noise". É um dos músicos mais expressivos para se ver em cima de um palco.

Na primeira peça, o melhor momento do concerto, um riff eterno de Jorge Martins remetia para o proto-punk de uns Stooges conspurcados por mil fontes de ruído. Da guitarra saem vários riffs que se cruzam num céu de fuzz; na bateria, raras vezes uma frase rítmica é repetida. Noutros momentos, mais perto do final, Jorge Martins explora o drone e o space rock, mas de forma mais desconstruída do que nos Frango.

Apesar da distância em relação ao público, o que prejudicou a imersão na "experiência" Fish & Sheep, o duo mostrou porque é que há razões para acreditar num bom futuro para a música mais radical portuguesa. O presente está aí e é óptimo.


Pedro Rios
pedrosantosrios@gmail.com
04/11/2005