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John Zorn´s Cobra
Casa da Música, Porto
30/10/2005


John Zorn, uma das figuras mais incontornáveis da música moderna (logo, é dispensável qualquer tipo de apresentação), foi rei na Casa da Música por um dia. Sim, porque o concerto às 22h00 não esteve isento de precedentes. Durante o dia, na sala 1, John Zorn conduziu, num workshop organizado pela Direcção de Educação e Investigação da Casa da Música, um ensemble all-star de músicos portugueses (onde constavam Carlos Bica, Carlos Zíngaro, Nuno Rebelo, Albrecht Loops, Gustavo Costa, entre outros) por entre improvisações coordenadas que seriam apresentadas à noite, na mesma sala 1. A Casa da Música assumiu então um papel quase pedagógico, de local de encontro de várias linguagens e de vários músicos sob a batuta de John Zorn, dando razão à máxima de Carl André: “um homem escala uma montanha porque ela ali está. Um artista faz uma obra de arte porque ela ali não está”.

E foi numa sala perto da lotação esgotada que John Zorn, ora sentado, ora em pé, mas sempre virado de costas para o público, conduziu os treze músicos ordenados em semicírculo – a fazer lembrar as grandes salas de ensaio/estúdios de ensembles – desafiando-os a funcionar como um amplo colectivo: dois músicos na bateria e outros dois na percussão, três guitarras, dois contra-baixos, um violino, dois músicos nas teclas e outro ainda no contratear. O “maestro” foi então dirigindo os músicos e gerindo os ambientes musicais recorrendo a placas coloridas e com diferentes letras, com gestos ou com o simples apontar do dedo que por vezes ia percorrendo o ensemble, obrigando-o a reproduzir, um por um e em grande velocidade, um som livre. Esse dedo, orientador de acção, chegou a percorrer o semicírculo várias vezes, trocando de direcção ou saltando aleatoriamente de músico, provocando expressões (musicais) via estímulo-resposta. O desejo podia manifestar-se até no tocar bateria com martelos de São João – tudo parecia fazer sentido ali, fosse qual fosse a sua origem.

Por vezes era dado total controlo a uma secção do ensemble, podendo a percussão tornar-se o centro das atenções, ou qualquer outra, havendo espaço para brilharetes individualistas. Nesse aspecto, o violino de Carlos Zíngaro, magnífico, mostrou ser um dos elementos fulcrais na exploração sonora. Ou Carlos Bica, longe da “solidão” criativa que é Single, o registo recentemente lançado com o selo Bor Land, inconfundível, no contra-baixo. Mais do que um concerto, a actuação do projecto Cobra de John Zorn foi uma experiência. Poucos se recordarão da música propriamente dita, pois a ênfase foi colocada numa comunhão que a transcende. Pois tal como disse um dia Robert Morris, “a simplicidade da forma não é necessariamente simplicidade de experiência”.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
30/10/2005