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Wrekmeister Harmonies / Candura
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
14-/02/2019


Era previsível, antes de seguirmos rumo ao Bairro Alto, que a Galeria Zé dos Bois se iria compor de discípulos do heavy metal, mais ou menos identificados, para receber uma vez mais em Portugal os Wrekmeister Harmonies, projecto do afável JR Robinson. Escutamos por alto The Alone Rush (2018) e encontramos ali o mesmo peso que nos atrai a todos os subgéneros metálicos, talvez mais "erudito" (não que o restante seja para estúpidos), mais trabalhado, mais ciente que o peso do volume nada faz contra o peso da desolação. Assim foi, mesmo que a casa não estivesse cheia.

Os Wrekmeister Harmonies, em palco apenas dois - o próprio Robinson e Esther Shaw -, começaram a tocar quando muitos estavam ainda a tentar refazer-se de um bom pesadelo chamado Candura (já lá vamos). Luz acesa, quase como num soundcheck; talvez a mesma se fosse apagando ao longo da noite, se não se apagasse primeiro o coração. De súbito, somos confrontados com uma certa noção de familiaridade: a voz do norte-americano, cavernosa, gótica, como a de um outro que tanto amamos e que também nos conta histórias terríveis. Nick Cave, pois claro.

Piadas ébrias à parte, há nesta folk noir dos Wrekmeister Harmonies a sensação de que o mundo desabou sobre o juízo final. Feedback? Têm. Uma multi-instrumentista que passa do violino às teclas, e das teclas ao grito? Têm. Letras bonitas para alumiar o São Valentim? Têm: sobre cegueira, sobre sangue, sobre a escuridão - e como descobriríamos a luz sem entrar primeiro na escuridão? Um encore ruidoso pôs fim a um espectáculo cativante e garantiu-lhes, pelo menos, um novo fã - que nem sequer os conhecia assim tanto antes de entrar na sala.

E se esse fã não conhecia os Wrekmeister Harmonies, muito menos conhecia os Candura. Aliás, seriam poucos a conhecê-los, mas até houve quem tivesse vindo de propósito apenas e só para os ver. E porquê? Porque os Candura, dupla anónima que vai beber à estética black metal e que em palco se aventura pelo lado mais experimental do ruído, não têm só um dos melhores nomes de sempre: têm a capacidade de nos prender e arrastar para dentro dos esgotos, de nos levar em direcção ao abismo para sofrer na eternidade, de nos puxar - através da agonia da voz, através dos drones pesados, através do negrume - para um local onde "anjo de candura" designa não os cães de Deus mas os revolucionários que O querem degolar. Em palco, houve uma guitarra e uma mola - não das que se usam na roupa ao sol, bem entendido - a serem tocadas com um arco, houve um sorriso largo no rosto que quem viu e ouviu tamanho desespero, houve uma saída abrupta que deu lugar a um final apenas com white noise e quatro ou cinco notas ao piano. Isto foi o primeiro concerto dos Candura, diziam-nos. Imaginem quando carburarem a sério.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
19/02/2019