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Low
Lisboa Ao Vivo, Lisboa
29-/09/2018


Talvez não seja o silêncio aquilo que é de ouro, mas sim o sossego. Porque o silêncio nunca existe verdadeiramente; mesmo num vácuo, conseguimos descobrir, por entre o nervoso provocado por esse suposto silêncio, o som da nossa própria respiração, o bater dos nossos corações, o correr do nosso sangue por entre as veias. Em situações de sossego, os ouvidos recusam-se a sentirem-se feridos: descobrem todas essas respirações, todas as brisas, todas as vibrações das moléculas - e o corpo percebe-o e sossega-se.

É um pouco assim a música dos Low, desde I Could Live In Hope (1994) até Double Negative, lançado já este ano, e apresentando uma boa dose de distorção à qual provavelmente não estaríamos habituados - afinal de contas, praticamente inventámos um termo para descrever a música dos Low - slowcore. Canções lentas, como que crepitando numa casa de madeira, num bosque isolado. O sossego transformado em rock n' roll, ou vice-versa.

Foi a procura por esse mesmo sossego ou esse mesmo rock n' roll que levou algumas dezenas de pessoas até ao Lisboa Ao Vivo, para assistir de perto ao regresso dos Low a Portugal - regresso esse há muito aguardado. Se ao início tudo pareceu mais ou menos disforme, depressa se encontrou uma solução: sair da lateral esquerda e passar a ver, e a ouvir, no centro da sala e mais atrás. A acústica poderia ter-nos atraiçoado se não pensássemos rapidamente. E pudemos escutar, em todo o seu esplendor, toda a magia de "Plastic Cup": You could always count on your friends to get you high. Nomeadamente aqueles amigos que nos embebedam antes de um espectáculo algures, cientes de que a vida são dois dias e há coisas mais importantes que vender discos da Adele.

Será difícil achar um concerto dos Low absolutamente perfeito, a não ser que eles tocassem no supracitado vácuo, de forma a podermos escutar todas as nuances das suas canções da melhor forma possível. Em sala fechada ou em local aberto, vários outros sons se interpõem entre nós e a banda. Pelo que temos de imaginar essa perfeição, utilizar todos os sonhos à nossa disposição, pensar o infinito. A não ser que, bem, os filhos da mãe toquem "Do You Know How To Waltz?" (coisa que não vinham fazendo) e de imediato nos façam colocar as mãos na cabeça, balbuciar os poucos versos que compõem a canção, negar uma outra cerveja a nós oferecida porque o momento - perdão, o momento estava ali à nossa frente. O momento em que, se calhar, é possível arrastar a perfeição da imensidão dos sonhos para a finitude terrestre.

Há qualquer coisa nessa canção e nem se sabe que adjectivos utilizar para a descrever. E houve qualquer coisa quando a luz de palco desapareceu por breves instantes antes de os Low darem início às paisagens mais drone que a caracterizam. Menos coisas houve em "Spanish Translation", "Nothing But Heart", "Holy Ghost", "What Part Of Me" o encore com "Murderer" - mas houve coisas, sobretudo bonitas, a acontecer em almas que, se calhar, precisavam e precisam tanto dos Low como por vezes o corpo precisa de sossego. Não foi uma lavagem de qualquer espécie; foi só o tempo a parar.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
01/10/2018