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Aerosmith
MEO Arena, Lisboa
26-/06/2017


Estás velho, miúdo. Os teus olhos estão negros, toldados pelo cansaço que te atormenta dia após dia. A tua barriga cresce para a frente e para os lados, cobre o cinto que te segura as calças e alimenta a tua vergonha. As pessoas na MEO Arena confundem-te com o marido da tua própria mãe, quiçá porque és alto e tens uma barba escandalosamente comprida para o que é habitual, ou porque aos 57 anos ela manteve a mesma aparência que aos 20 - e toda a gente que conheces o salienta... E estás velho porque te sentes velho, ao contrário dos Aerosmith, que são realmente velhos mas que se apresentam em palco com a mesma frescura de há quase cinquenta anos, quando começaram uma vida de rock n' roll e de tudo o que lhe é subsequente: os êxitos, a fama, os abusos e as mulheres e filhos (i)legítimos. Olhas para o corpo do Steven Tyler e vês os abdominais que gostarias de ter não naquela mas nesta idade...

Porra, estás velho! Mas os Aerosmith não estão, não parecem estar, mesmo que esta seja a digressão de despedida, de reforma; ao longo de quase duas horas de concerto, Tyler e Perry - as figuras maiores da banda norte-americana, e nem valerá a pena dizer o contrário - mostram-se numa forma invejável, tanto a nível vocal como técnico, como se estivessem a fazer isto pela primeira vez ou como se ainda tivessem prazer em fazer isto. O vocalista é a estrela, claro: saracoteia, agita-se, grita, arrota (sim!), leva ao delírio os milhares - ou, mais concretamente, as milhares de pessoas que encheram o recinto numa bela tarde-noite de segunda-feira.

Leva ao delírio, entre algumas aspas. Porque, francamente, a grande maioria das pessoas que aqui marcou presença tinha apenas um objectivo em mente: captar, com os seus smartphones, todos os segundos das duas baladas que os Aerosmith tocaram esta noite, "I Don't Want To Miss A Thing" ("aquela do filme") e "Cryin'". Tanto uma como outra possibilitaram o escorreganço, não em dezenas de litros de azeite, mas num leito formado por um intenso muco vaginal que se infiltrou nas paredes da MEO Arena como um cio perpétuo. Não, ninguém veio cá para o rock - mas também invejas isso, não é, velhadas? Quem te dera escrever uma puta de uma balada e ter todas as mulheres a sonhar contigo...

Antes disso, houve realmente rock: houve Steven Tyler e Joe Perry a entrar à socapa pelo corredor apropriadamente instalado pelo golden circle, houve "Livin' On The Edge" em grande comunhão com o público, houve "Love In An Elevator". O guitarrista, que não se esqueceu que tem costela portuguesa («it's good to be back to the fatherland... my fatherland», disse), esteve praticamente imparável; técnica mestra, solos atrás das costas, joelho apoiado no chão e perna esticada para a fotografia, camisa desabotoada... Tudo o que, dantes, fazia uma estrela e agora faz uma relíquia. Não que isso importe alguma coisa. No fundo, este concerto dos Aerosmith foi apenas para eles próprios; afirmarem, no fundo dos seus corações, que continuam vivos e jovens. Terapia somente.

Uma terapia que também passa pela sua música - quem diria que "Dream On" soaria tão bem passados todos estes anos, ela que faz todo o sentido numa digressão de despedida? Ou que "Walk This Way" proporcionaria, mesmo a fechar, um dos grandes momentos de êxtase dançante por parte do público da MEO Arena? Poucos, talvez. Porque isto de se ser veterano não significa propriamente que se continuem a dar bons concertos; we're looking at you, Rolling Stones. Mas os Aerosmith, que nunca foram canónicos como tantas outras bandas do seu período, conseguiram-no. A velhice deve ser apenas um estado de espírito.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
27/06/2017