bodyspace.net


Vaiapraia e as Rainhas do Baile
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
07-/01/2017


Tinham passado uns dez, quinze minutos desde o fim do concerto de apresentação de 1755 e a expressão de Lucía Vives, uma das Rainhas do Baile de serviço - tendo dado uma perninha e os braços na bateria - dizia tudo: ainda estou completamente noutra. Compreensível, não só porque havia feito parte de um dos concertos mais intensos de que há memória, mas também porque o seu estado era semelhante ao de toda a gente que marcou presença na Galeria Zé dos Bois, nesta noite de sábado. Perguntem às muitas que povoaram a fila da frente, aos muitos localizados atrás, até mesmo aos que ficaram de fora, no pátio, no bar, ou na rua com vista para o aquário.

"Noutra", numa coisa impossível de descrever por palavras, uma daquelas raras ocasiões em que o chavão é mais que apropriado: devias ter lá estado. No palco, Rodrigo Araújo, vulgo Vaiapraia, que hoje é expoente máximo de uma cena parca em Portugal, o queercore - a fúria do punk aliada ao activismo e forma de se estar queer. Ainda que, no final (e mesmo durante) tenhamos ficado com a sensação de que isto não era um concerto punk rock típico, mesmo que para muitos dos presentes Vaiapraia seja o seu punk rock. Não: Vaiapraia, ou Rodrigo Araújo, subiu àquele palco (sem anúncio, entrando quando as Savage Ohms - kraut pesado no feminino - ainda estavam a terminar) como se fora uma verdadeira e intangível estrela pop, desfilando êxitos atrás de êxitos perante uma multidão beatlemaníaca.

Durante aquela hora, e durante as que se seguiram e continuam a seguir, não vimos a pessoa que conhecemos há anos e que poucos dias antes do concerto havíamos convidado para uma entrevista da forma mais corriqueira possível - com um "cumps" no Facebook. Fica-se com a ideia de que doravante teremos de assinar inúmeros contractos, ligar a dezenas de pessoas e prometer milhares de post scriptums só para ter a oportunidade de lhe dar um olá. E este é, muito provavelmente, o maior elogio que lhe poderemos fazer depois de tamanha noite febril, onde o grito de Vaiapraia se impunha sobre o instrumental das "suas" Rainhas, onde o amor e o humor genuínos de temas como "Coelhinho" (vou para o Rego sem o rego de ninguém deve ser dos melhores versões da música portuguesa), "Kate Winslet" ou "Augustín" (com o snippet cantado de "Ele E Ela" de Madalena Iglésias) ressoaram por todos os cantos da casa, onde o público correspondeu ao pogo em palco com o seu próprio, onde as deambulações de Vaiapraia pelo meio da maralha foram recebidas com todo o afecto do mundo. Fez-se história. Não é exagero dizê-lo. Ainda estamos todos noutra.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
09/01/2017