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Eagles Of Death Metal
Coliseu de Lisboa
11-/09/2016


Chego pouco depois das 20h e sou confrontado com um forte dispositivo policial à porta do Coliseu de Lisboa. Rua tapada por carrinhas do corpo de intervenção. Agentes passeando-se com shotguns. Detectores de metais e apalpanços diversos para que nada passe. O estado-polícia no seu esplendor máximo, a fazer pandã com uma certa t-shirt de Death In June, envergada por quem não tinha consciência do quão irónica seria a escolha de indumentária para a noite de hoje. A culpa não era de um qualquer presidente ou do papa, mas sim de um filho da puta paranóico que teve o azar de se deparar, em Novembro passado, com um grupelho de filhos da puta ainda maiores.

O pior é que ambos os lados propagam a sua ideia específica e tenebrosa de "segurança", tanto uma como a outra passando pela supressão de liberdades. Jesse Hughes, o pateta alegre, acha que deveríamos todos andar com armas na mão. Os radicais do Daesh preferem Alá. No meio, sofrem aqueles que foram mandados parar pelo crime hediondo de conter uma lapiseira no bolso, com a qual iriam tirar notas para escrever esta mesma reportagem. E se isto vos parece mínimo, normal ou compreensível, então é porque não há mesmo solução - já vivemos dentro do fascismo e não iremos sair dele. Dêem-me um tiro na cabeça. Um tiro, por amor de Deus.

A tragédia do Bataclan e a de 11 de Setembro decidiram dar as mãos esta noite, naquele que foi certamente o concerto mais simbólico da digressão europeia dos Eagles Of Death Metal, também por ser o último. A Lisboa, Hughes trouxe um casaco vermelho com o nome de Bowie lá escrito, com o qual vai beijando umas "sortudas" na audiência, e o qual despe quando a banda arranca para "I Only Want You", primeiro tema do seu primeiro disco, Peace, Love & Deth Metal, de 2003. Está ganho, logo aí. Uma dúzia de jornalistas irão exultar a sua alegria e jovialidade esquecendo-se que este é o mesmo tipo que disse que o ataque ao Bataclan contou com a ajuda de funcionários muçulmanos. O público dançará, porque consciente ou inconscientemente acha que todos os muçulmanos merecem a morte.

Que se foda, não é? A alienação pesa. E Hughes, que é um tipo esperto, aproveita para contar umas histórias sobre os seus colegas de banda, enfia uma referência a Paris e pelo meio e salienta o quão bom é estar aqui junto de amigos, o seu público. Não duvido. Escusava era de o vender, que é só ao que isto sabe. A venda. A propaganda. A show-off. Mas os norte-americanos, como sabemos, há muito que aprenderam a vender o seu próprio sangue.

Resta a música, rock bruto e divertido que acaba a rebentar com o bombo da bateria, e que encontra o seu expoente máximo em "Cherry Cola" - dedicada às meninas, pois claro. Ainda houve tempo para uma versão de "Save A Prayer", dos Duran Duran, que colocou (quase) toda a gente a cantar. E houve, naturalmente, saudações e agradecimentos aos White Miles, duo que fez a primeira parte com recurso a uma jarda eléctrica absurda, e que deveriam voltar em nome próprio. Não há nada que mate o rock n' roll!, diz Hughes a dada altura. Esquece-se ele que o rock é liberdade. "Rock" não é ir cantar "I Love You All The Time" para junto das filas da frente com um segurança à perna a impedir que os fãs lhe tocassem.

Encore: "Moonage Daydream", fazendo honra ao casaco e pautada por um solo surpreendentemente bom, "I Wanna Be In L.A." tocada a pedido (desde que percebam que eu quero é estar aqui, diz ele), uma procura curta por algumas palhetas de guitarra que haviam sido mal atiradas pelos colegas e um casaco que lhe é oferecido, atirado do público (até espanta não ter pensado que se tratava de uma bomba). "I Want You So Hard", que contou com mais uma série de referências à cultura pop - neste mundo do rock n' roll Jesse Hughes deve ser o seu Seth MacFarlane -, viu-o em corrida em direcção ao camarote presidencial, antes de uma versão de "The Final Countdown" e "Speaking In Tongues" colocarem um ponto final num concerto musicalmente impecável. O pior é tudo o que está em seu redor. Mas visto que somos todos culpados e ninguém o assume, que se foda. Mesmo.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
13/09/2016