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Festival Vilar de Mouros 2005
Vilar de Mouros
29-31/07/2005


O Festival Vilar de Mouros – talvez pela sua idade avançada – continua a fazer-se valer de um sentido apurado de nostalgia que marca e de que forma a constituição do seu cartaz e ao mesmo tempo serve os festivaleiros que geralmente se deslocam à aldeia minhota. Aí, em perfeita harmonia, a convivência é feita de música, natureza e substancias mais ou menos naturais, e bastava um passeio pela zona residencial improvisada, pela pequena aldeia ou pelo recinto para se perceber isso mesmo. Mas não só: percebia-se igualmente que a quantidade de festivaleiros que rumaram até Vilar de Mouros não era a mesma de outros tempos – as assistências diárias do festival pareceram sempre ficar aquém das expectativas, e até a tenda de artesanato parecia mais despida do que aquilo que se poderia supor. Mas a história dos festivais não se faz dos ausentes.

Ecos do passado, preservativos gigantes e uma explosão de Blues – O 2º dia

Depois de uma noite onde – diz-se – as condições meteorológicas, a música e a cor das roupas combinaram na perfeição, a segunda noite do festival recebia uma mostra de rock menos pesado, com alguns casos de idade avançada e outros que nem por isso. Mas vamos directamente ao que interessa, os Echo & The Bunnymen, liderados por Ian McCulloch. E a verdade é que o vocalista dos autores de discos como Ocean Rain e Crocodiles continua em forma, e o mesmo se pode dizer dos restantes membros da banda. É certo e sabido que os Echo & The Bunnymen têm disco novo com data marcada para Setembro, mas como não podia deixar de ser, no regresso ao local onde tocaram no longínquo ano de 1982, foram dos grandes êxitos da banda que se fez o concerto. “Lips Like Sugar”, do disco homónimo de 1987, conta uma história de beijos açucarados ao luar: “She floats like a swan / grace on the water / lips like sugar / lips like sugar / just when you think you've caught her / she glides across the water / she calls for you tonight / to share this moonlight”. Ian McCulloch fumava, muito e quase sem parar. Perfilaram-se também canções como “The Rescue” (Crocodiles, 1980) e “The Killing Moon” (Ocean Rain, 1984), mas haveria ainda espaço e tempo para uma curiosa passagem por “Walk on the Wild Side” de Lou Reed e por uma canção nova. Além de matar saudades, o concerto dos Echo & The Bunnymen – que terminou com alguns problemas de som, o que fez com que recebessem uma forte e entusiasmada salva de palmas - pareceu servir como uma espécie matar saudades do passado e, ao mesmo tempo, de aperitivo para o disco que se segue. Até porque a carreira da banda de Ian McCulloch merece todo o respeito do mundo. Velhos... velhos são os trapos.

Nos intervalos entre as actuações, preservativos gigantes e com vários sabores corriam para abraçar pessoas e homens em andas desenhavam coreografias e corriam pela relva. Mas há mais: há quem faça demonstrações de Yoga para promover automóveis. De resto, em cada canto, e ao segundo dia, era já possível observar camisolas dos Led Zeppelin envergadas pelos festivaleiros, e camisolas, bandeiras, e outro tipo de material nas habituais tendas de artesanato e artes várias. Havia igualmente uma forte presença do idioma espanhol, pois os nossos vizinhos ibéricos costumam dar um saltinho a Vilar de Mouros. Depois há quem se fique só pela cerveja e por substâncias fumáveis, há quem opte por relaxar ao som dos blues clássicos que eram cuspidos pelas colunas do palco, e há quem se apresse em direcção ao palco quando os Blues Explosion dão sinais de vida pela primeira vez – afinal de contas preparava-se a exibição dos blues modernos. Como não podia deixar de ser, a banda de Jon Spencer continua a ser um comboio a alta velocidade, furioso, urgente, sem manias e sem tiques, directo e frontal. Continuam com Damage como seu filho mais recente, e “Burn it Off” e “Mars, Arizona” são duas das bombas que daí se disparam. Mas como todos os filhos são filhos de Deus aos olhos de Jon Spencer, o passado não foi esquecido e os Blues Explosion deram um grande concerto. Mais... deram a sova toda.

Um presente ao sol, a eterna voz dos Led Zeppelin e o fechar da cortina

- O 4º e último dia Musicalmente, o último dia de Vilar de Mouros começou cedo e bem. Não com o palco secundário, entenda-se, mas com a actuação dos britânicos Wedding Present - o veículo musical de David Gedge - no palco principal. Logo nos momentos iniciais do concerto que nasceu do sol, os Wedding Present apresentaram a estrondosa “Interstate 5”, uma faixa retirada do último disco de originais da banda, Take Fountain, editado em 2005, com o selo da Manifesto. “Interstate 5” é uma canção impressionante de guitarras que rugem, de mini-crescendos ruidosos e percussão a acompanhar. Mas desse mesmo Take Fountain seriam apresentadas ainda canções como a poppish “I'm From Further North Than You”, anunciada como tendo bastante sucesso no Reino Unido mas pouco ou nenhum em Portugal. Na verdade, a quantidade de pessoas em frente do palco para assistir ao concerto dos britânicos era muito pouca, mas foi sempre assim em todos os dias. Regressaram a 1987 para apresentar “My Favourite Dress”, uma canção que faz parte do disco George Best, mas ficou provado que o que os Wedding Present precisam é um concerto em nome próprio, numa sala onde se possam juntar os fãs de longa data e os admiradores mais recentes.

Depois do acidente Andy Barlow e dos cumpridores Porcupine Tree no rock de pendor progressivo, o momento que “todos” esperavam: a voz dos Led Zeppelin de regresso a Vilar de Mouros depois de um concerto no festival em 2000. De Corunha a Caminha viajou uma excursão de espanhóis para ver Robert Plant, e vieram dar mais força no dia em que, apesar de uma assistência escassa de 5 mil pessoas, as camisolas de Led Zeppelin eram mais do que muitas. Importa antes de mais registar que ao fim de tantos anos de carreira a solo Robert Plant conseguiu o seu registo mais perfeito: Mighty Rearranger. Para tal não será inocente o facto de Robert Plant se encontrar presentemente rodeado por uma banda de grandes músicos, os Strange Sensation, de John Baggott (que trabalhou com os Massive Attack e Portishead), Clive Deamer (Portishead e Roni Size), Skin Tyson, Justin Adams e Billy Fuller. O concerto começou com música gravada, com a versão quase drum ‘n’ bass de “Shine It All Around” que surge em Mighty Rearranger como faixa secreta lá bem para o final do disco. O incenso do palco e o cheiro que daí provinha proporcionaram um ambiente que se queria místico, de experiência quase Zen. E que melhor forma de começar essa viagem do que uma versão de “No Quarter” - mais próxima da reunião Page e Plant do que do seu original – e as suas linhas hipnóticas? O caminho continua por uma versão desarmante de “That’s The Way” e com a prova que Robert Plant se sente cada vez mais à vontade com o legado dos Led Zeppelin e que, inclusive, se aventura a trabalhar nas faixas adicionando-lhes alguns elementos - acima de tudo - world music que têm marcado os seus últimos discos.

E a prova dessa escolha de Robert Plant é “Another Tribe” (uma das faixas de Mighty Rearranger apresentadas em concerto), canção que, como o próprio nome indica, exibe elementos de outras tribos. “Tin Pan Valley”, uma das faixas mais surpreendentes do último disco, quase ia espalhando confusão por entre a plateia: é que depois da muito bem aplicada electrónica que abre o disco, a percussão abre espaço a um riff hard as hard can be que ameaça sempre alvoroço. Aí, Robert Plant funde o seu gritar quase mítico com esse tal riff quase maquiavélico. Quando se pensa por exemplo no concerto que Robert Plant deu no coliseu do Porto há uns anos atrás e se compara com a actuação de Vilar de Mouros 2005, uma das conclusões principais a tirar é que a quantidade de interpretações de canções dos Led Zeppelin aumentou consideravelmente. E foi com alguma surpresa que Robert Plant apresentou dois temas de Led Zeppelin em versões muito próprias: “Gallows Pole” (de novo mais parecida com a reunião Page e Plant do que com o original) e “When The Levee Breaks”. Já no encore, Robert Plant apresentou os Strange Sensation e regressou a Mighty Rearranger para apresentar “The Enchanter”. Mas para o final havia ainda de chegar uma surpresa ou nem por isso: “Whole Lotta Love” apareceu para o histerismo de muitos – choveu cerveja, ensaiaram-se danças tresloucadas e alinhou-se num sing along mesmo a calhar. E até houve espaço para o famoso berro em crescendo - mesmo antes do igualmente famoso riff de proporções épicas e a força da bateria um dia tocada pelo enorme John Bonham - de Robert Plant. E se as coisas forem sempre assim, Robert Plant tem e terá sempre espaço no nosso país para um concerto ou dois. Resta desejar que o regresso esteja para breve.

Com a actuação de Jorge Palma e os seus Demitidos – a boa noticia é que os Jim Dungo já não acompanham o senhor do “Bairro do Amor” – o festival Vilar de Mouros chegou ao fim. Atraiu gente pela nostalgia, e provavelmente terá deixado muitos com esse mesmo sentimento. Mas não há que ter receio pois o Festival Sudoeste está aí, Paredes de Coura está à espreita e - não é preciso ser lamechas ou demasiado saudosista - daqui a um ano voltamos todos ao mesmo.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
29/07/2005