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Pitchfork Music Festival Paris
Grande halle de la Villette, Paris
28-29/11/2011



Na sua primeira deslocação a território europeu, o Pitchfork Music Festival aterrou em Paris no belíssimo Grande halle de la Villette e apresentou, ao longo de dois dias, um cartaz tão interessante como diversificado que incluía autores de alguns dos melhores discos de 2011. Com lotação esgotada há já algum tempo, o Grande halle de la Villette foi-se enchendo ao longo da tarde (os concertos iniciavam-se bem cedo) com a fauna do costume – e com aquela sempre apreciável quantidade de petites filles vestidas a preceito. Com o infeliz cancelamento dos dinamarqueses Iceage – fica para outra altura levar com o punk rasgadinho dos putos – a organização do festival viu-se obrigada a encontrar um substituto para abrir a tarde de sexta-feira, e o certame propriamente dito. E assim foi: Enquanto chegavam os primeiros festivaleiros, tocou uma banda francesa da qual não restará grande memória. Seja lá qualquer for o nome deles, mal deu para aquecer.

Já com os canadianos Fucked Up deu para aquecer e muito – como é, de resto, habitual. Pode não se gostar da voz do furacão Damian Abraham – demasiado gritada para muito boa gente - mas não há como não adorar aquela avalanche de guitarras açucaradas, toda aquela atitude, todo o estardalhaço hardcore. O único problema foi mesmo a curta duração do concerto. Pouco depois o ambiente mudava radicalmente: os Real Estate apresentavam Days e um indie rock de guitarras bem limpinho, com bonitas imperfeições, cheio de sol e levemente letárgico (elogio). Em Days as canções seguem todas o mesmo caminho, de mão dada e em concerto é a mesma coisa: canções como “Kinder Blumen” ou “It´s Real” fazem-se de simples riffs de guitarra, vozes melífluas e respeitinho pelo indie rock clássico. Os mesmos Real Estate que assinam em 2011 um dos melhores discos do ano, mostraram em Paris que ao vivo a coisa seguia o mesmo caminho. Percebeu-se logo ali que o concerto deles tinha tudo para ser um dos melhores do festival.

O mesmo não se pode dizer do concerto de Washed Out. Já se sabe que em disco Ernest Greene faz das suas e entrega boas canções ao mundo da chillwave (sobretudo no EP Life of Leisure), mas ao vivo, mesmo com banda, tudo parece desvanecer-se. Na maior parte do tempo, é um grande aborrecimento. E nem mesmo indo a Life of Leisure sacar trunfos Ernest Greene consegue ganhar o jogo: o artista é um bom artista mas ainda não percebeu como fazer na altura de subir a palco. Ernest Greene podia aprender com os Wild Beasts que trouxeram a Paris o mais recente Smother e com enorme enorme sucesso. Os Wild Beasts não são só das melhores coisas a sair da Inglaterra nos últimos tempos: são também deu para perceber instantaneamente, uma das melhores bandas ao vivo da actualidade. Os magníficos – e quase antagónicos - registos vocais ajudam, mas não só: é aquela percussão cronometrada, as guitarras deslizantes, é a pormenorização textural a que se candidatam a cada canção. Tudo é feito com conta, peso e medida – todas as canções são pesadas numa balança. Ver os Wild Beasts trazerem a palco canções majestosas como como “Reach A Bit Further” ou “Loop the Loop” (aquele último minuto é absolutamente mágico) foi um prazer para todos os sentidos – e mais algum que esteja para ser descoberto. Ficou mesmo o desejo de um concerto em nome próprio, ali ou noutro sítio qualquer.


Com Mondkopf foi tempo de ir jantar. Ou tentar, visto que as longas – muito longas – filas para o efeito levavam apenas a duas barraquinhas de – imagine-se – cachorros quentes e bagels. Nunca a expressão “à grande e à francesa” foi tão mal aplicada. Depois disso foi tempo de ver Aphex Twin, animalesco como sempre, varrer aquela enorme sala com doses a espaços violentas de electrónicas de mil e um feitios. Durante quase duas horas, Richard David James instalou o caos audiovisual para deleite, sobretudo, de quem há muito se havia deixado entregar ao domínio de substâncias mais ou menos legais. Em territórios bastante diferentes, mas igualmente electrónicos, Pantha du Prince, que é como quem diz Hendrik Weber, assinou uma actuação que andou entre o interessante e o fastidioso. Quando deu para apanhar as ambiências de Black Noise o interesse andou lá por cima, mas não foram raras as vezes em que Pantha du Prince se fechou em copas, entrando em divagações algo genéricas e estéreis. Com pena. A noite reservava ainda um concerto dos Cut Copy e sets de Four Tet e Erol Alkan. Diz que os primeiros tiveram problemas técnicos e que a coisa foi meia desastrosa, dos segundos não existem sequer relatos. Às vezes há que dormir, não?


Sobretudo porque sábado também era dia. E depois de perder Rosebuds e os Stornaway, soube muito bem ver um muito bem humorado Jens Lekman, com a ajuda de um baterista, trazer a palco a imaginação infindável de Night Falls Over Kortedala e do EP An Argument With Myself, de onde sacou uma belíssima interpretação da dançável – há até reggae – “An Argument With Myself”. Numa primeira parte o sueco manteve tudo entre a guitarra, voz e bateria, na segunda parte aderiu às máquinas e, aldrabando um nadinha, mostrou um som mais cheio o que, inevitavelmente, fez a poeira levantar do chão. E foi gostoso, naquele fim de tarde escolhido a dedo por Justin Vernon, ouvir Jens Lekman mostrar canção atrás de canção e até falar de Kirsten Dunst – como nós te entendemos, pá – e tudo o que existe entre a música e as miúdas.

Por falar em miúdas, com todo o respeitinho, a bela Lykke Li continuou a representar a armada sueca, e apresentou o negro e belo Wounded Rhymes de forma levemente despida mas invariavelmente impecável. Num belíssimo exercício de aproveitamento de recursos, com muita percussão, Lykke Li mostrou em canções como “I follow rivers” ou a imparável “Get some” como é que é possível trazer estranheza para canções pop aparentemente simples e sair disso ilesa e vitoriosa. O seu disco, caso bonito de exotismo sombrio, é um dos melhores de 2011 e a sua defesa em palco merece uma nota muito positiva. Da Suécia com amor, em Paris a tocar corações.

O que veio a seguir, a fechar, não era para corações moles. Ou era? Em modo full band, com a carne toda no assador (ao todo eram nove em palco, duas baterias, metais com força e tudo o resto), Bon Iver, ou seja Justin Vernon, trouxe todo o património emocional de Bon Iver e foi algo bonito de se ver. Épico, até. Um desafio constante para os sentidos. Há um gajo qualquer no Youtube – não há registo que seja poeta – que, acerca de “Perth”, erigiu a seguinte prosa: “I don´t only hear the music, I feel it…”. E está carregado de razão. E o melhor de tudo, é que todos podem sentir isto. É só abrir os braços. E foi assim que tudo começou, com “Perth”, com o doce balanço entre a delicadeza e o ruído, com uma canção que é em tudo maior do que aquilo que aparenta ser. Justin Vernon é um artesão das pequenas coisas tornadas grandes: chamam-lhe indie folk por aí mas chamem-lhe o que quiserem. Não deixem é de o chamar. Bon Iver andou sempre por lá, claro está, o que não impediu Justin Vernon de ir ao passado. Mas independentemente de noções espácio-temporais, o que Justin conseguiu ali na cidade das luzes foi iluminar aquela sala, onde parecia não haver mais espaço onde conter toda aquela música. É dele um dos melhores discos do ano – o melhor de todos dirão alguns – e é certamente dele, em várias cidades deste mundo, alguns dos melhores concertos do ano. É que o Pitchfork Music Festival Paris muito dificilmente poderia ter terminado de melhor forma.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
05/11/2011