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Festival Optimus Alive!11
Passeio Marítimo de Algés, Lisboa
06-09/07/2011


Existe algo de muito belo e reconfortante no slogan da Optimus: de que é que precisas? Soa como se um pai, ao olhar carinhosamente para o seu filho, estivesse disposto a dar a sua vida para que o progénito cumpra o desígnio de todos os seres humanos, que é ser feliz. É suave e relaxante. Faz renascer a esperança em tempos de tamanha crise. É como se nos estendessem a mão e nos sussurrassem ao ouvido: "vai acabar tudo bem". Pois bem, cara Optimus. Isto é a lista daquilo que eu preciso. Preciso de dinheiro, naturalmente. Não muito - o suficiente para viver confortavelmente. Preciso de encontrar o amor da minha vida, e ser correspondido nesse mesmo amor. Preciso que os Smiths se reúnam. Mas precisava, acima de tudo precisava, de um fotógrafo que me acompanhasse no teu festival. Só que isso não aconteceu, e por isso não me sinto tão reconfortado quanto poderia estar. Mas eu sei que a culpa não é tua. A culpa só é tua quando no teu festival os telemóveis a ti ligados não têm rede, que nem é um problema que se possa dizer original. Não que eu tenha amigos a quem ligar, mas gosto de ver a barrinha cheia no canto esquerdo do ecrã no meu Nokia. Resolve lá isso um destes anos, por favor.

1º dia

A hora é a mesma de sempre; três da tarde, sinal para a corrida dos cem metros fanboy. Muitos jovens armados com cartazes e t-shirts do Viva La Vida ganharam. Perdeu a humanidade. Claro que tendo em conta a enchente que se iria verificar à noite até se percebe, mas na altura tal não me ocorreu. O que me ocorreu foi apenas isto: devo dar uma hipótese à programação nacional, ou devo dirigir-me já para o secundário esperar uma banda que não conheço? Enquanto me decidia, aproveitei para dar um pulo até ao coreto onde os Homens da Luta faziam os primeiros ensaios. Aplaudo desde já o excelente gosto do camarada Falâncio, armado com uma t-shirt de Misfits. Só que a espera adivinhava-se algo longa, e assim se decide ir dar uma volta pelo recinto. Muitas miúdas e miúdos betos, alguns casais com os filhos pela mão. Sol abrasador. A constatação de que uma imperial aqui dentro custa os olhos da cara (e nós já o sabemos, mas ficamos sempre chocados, é uma reacção instintiva). E assim se passa o tempo até darmos por nós na tenda número três, à espera do início do showcase da Amor Fúria em vez de ir ver quem raio são os The Naked And Famous. Que se dá finalmente às 17h, com O Verão Azul.

Relembremos o propósito da Amor Fúria: «...voluntaria-se na defesa da cultura em Portugal, especificando o seu raio de acção na valorização e promoção da cultura pope moderna». Após cinco minutos deste duo menino-menina de nome bonito e nostálgico, fica uma questão: quem raio vos pediu para o fazerem? Se por momentos ainda se pensa possuírem o mesmo sentido pop dos Aquaparque - ao saltarem de um trecho melódico para outro - logo nos apercebemos de que pura e simplesmente não têm a mesma classe desse igualmente duo. Não só são absurdamente chatos como ainda são dotados de uma infantilidade ao ponto da náusea que tira qualquer um do sério. E terá de ficar igualmente registado a tentativa do pobre, pobre menino em ter estilo enquanto roda uns botões. Não é toda a gente que o consegue, companheiro... mau demais para que tivesse sequer vontade de picar o restante showcase. E a julgar pelo público que se viu dentro da tenda no restante da tarde, não fui o único. Como é mais do que óbvio, estou a ser tremendamente injusto - tanto os Asterisco Cardinal Bomba Caveira, juntamente com os Salto no final da noite, pareceram estar a rasgar como se quer. Ao menos tinham guitarras. Mas dizer que o aperitivo não deixou um amargo de boca para a restante refeição seria uma inverdade. Antes ser um enorme filho da puta do que um mentiroso.

Em vez de me juntar à já boa casa que se via no palco secundário decidi espreitar o principal pela primeira vez, o que se veio a revelar uma escolha insensata tendo em conta o escaldão que apanhei. Tudo em nome do rock n´roll, certo? E falemos de rock n´roll, mais concretamente daquele que os Twilight Singers fazem. Sobem ao palco um pouco antes das 18h para dar a conhecer a sua marca pop/rock muito radio-friendly, mas não em mau - e considerando que iam partilhar o palco com os donos desse rótulo, até não estavam absolutamente nada desfasados. Falta, contudo, a Greg Dulli (ex-Afghan Whigs, para quem não sabe) e restantes um pouco mais de risco se se quiserem distanciar do restante joio. Assim, embora não sendo uma banda com más canções, são apenas uma cujos discos se oferecem a mães em crise de meia-idade que se sintam dispostas a voltar ao rock, aquelas que estiveram presentes no concerto dos Clash em 1981 e que hoje só têm olhos para o Adam Lambert. "On The Corner" tem um solo que puxa à air guitar, facto. Mas foi praticamente a única vez em que deles se sentiu estarem a aventurar-se perante uma plateia, digamos, menos virada para esse tal de roquenrow. Não faltando sequer uma alusão a Another Brick In The Wall (mas da parte um, que já não é tão cliché). E, claro, o concerto ia sendo igualmente interrompido nos ecrãs quando o realizador apontava para um determinado local no meio do público e de imediato uma dezena de braços se erguia. Estão a dizer adeus a quem, foda-se?

Entro no concerto dos Mona com baixas expectativas - o disco homónimo de estreia soou banal e dele apenas "Shooting The Moon" se distanciava enquanto malha a reter - mas, como em tudo na vida, errei ao fazê-lo. Não só porque antes disso os Avi Buffalo, cujo concerto perdi, andaram a distribuir bebida e comida pelo pessoal das primeiras filas, num gesto de convivência salutar (a sério, fiquei com pena de não os ter visto, pareciam ser uns autênticos bros), também porque deram um concerto enorme. Ao vivo o que em disco soou chato transformava-se num enorme sing-along, com o vocalista Nick Brown a mostrar uma boa presença em palco e uma voz incrível. E conquistou desde logo o meu coração quando decide insultar o grupo hipster sentado mesmo em frente ao palco. Isso é como mandar a vossa mãe para o caralho! Abençoado sejas, Nick Brown. Tens toda a razão do mundo: isto é um festival de rock, meu Deus. Levantem o traseiro do chão. Puseram muita gente a gritar ao longo de todo o espectáculo, mas é precisamente em "Shooting The Moon" que atingem a sua apoteose rock. Ficou a certeza de um grande momento do Alive, e a de que há que dar uma segunda oportunidade ao disco. Rapidamente.

E depois houve James Blake. Não se *ouviu* James Blake como se desejaria - é notório que precisa de uma sala muito muito muito mais intimista para o género de música que faz -, o silêncio que permeia as suas canções sendo interrompido pelo barulho dos outros palcos. Mas era James Blake, e começa como começa o seu enorme LP de estreia: com "Unluck". Apesar de ir agradecendo ao público com algum entusiasmo, percebe-se que é tão tímido como o disco pressupõe ser a sua voz. Aparenta uma mistura de receio e joie-de-vivre, caminha pé ante pé através do dubstep e da soul que lhe deram uma estrada onde desenvolver canções belíssimas. Como "I Never Learnt To Share", onde faz com que sintamos uma enorme pena dele (My brother and my sister don´t speak to me...) e que vai crescendo até desaguar nos graves que tão bem conhece do estilo nascido na Londres urbana. E não pode faltar, no seu set, "Lindisfarne", uma "CMYK" a relembrar que ele, Blake, nasceu no lado mais dançável da música, a belíssima versão de "Limit To Your Love" - que deixou muitos casais agarradinhos - e, naturalmente, "The Wilhelm Scream", a canção do pai que ninguém conhecia e que hoje há-de ter chegado a todos os cantos do mundo. James Blake mereceu cada aplauso, só não mereceu o espaço que lhe deram. Talvez se fechassem os lados à tenda...

Dos Blondie não sobrou muito para contar, até porque Blake me obrigou a chegar atrasado. Apenas isto: aos 66 anos, Debbie Harry continua a ser uma senhora muito respeitável no que toca aos atributos físicos. Gozem à vontade, a mulher é uma GILF. Só que o que aí mantém perde noutro lado, e neste caso foi na forma de estar em palco. Já não se empolga tanto quando o punk moda funk da sua banda de sempre vai ecoando pelo recinto, completo com bola de espelhos, e canta uma versão menos conseguida do hino dos Beastie Boys, "Fight For Your Right", e outra algo sofrível da imensa "Heart Of Glass". "One Way Or Another", rock n´roll acelerado como sempre, ainda salva a pouca meia-hora, tendo-se perdido êxitos como "Atomic" ou "Call Me" (bem, consegui ouvi-las no aquecimento, às duas da tarde). Mas é triste chegar à conclusão natural de que estão velhos. Ficarão para sempre os discos, claro.

Assim se chega aos Coldplay. Indiscutíveis cabeças de cartaz do único dia do evento que esgotou, odiados por muitos, amados por muitos mais. Os britânicos ainda demorariam para entrar, tempo suficiente para eu odiar com todas as fibras do meu ser uma pêga que não parava de troçar do cabelo do rapaz que lhe estava a tapar a visão, o que me levou a um daqueles momentos bros before hoes em que eu senti a necessidade de fazer o mesmo. Isto até no PA se ouvir "99 Problems", e eu não quis que o Jay-Z tivesse dó de mim. Mal as luzes se apagam, os Coldplay têm direito à ovação da praxe, e de imediato Chris Martin se senta ao piano para, em dueto com o fogo-de-artifício que ia sendo lançado, apresentar um dos vários novos temas que tem cantado ao vivo. Este era "Hurts Like Heaven", docinho pop mexido que deixou de imediato o público (se não o estivesse já) rendido aos encantos do marido da Gwyneth Paltrow. Mais o ficou quando de imediato inicia a fantástica "Yellow", o primeiro de muitos coros - à minha volta, todos sabiam a letra. Eu inclusive me surpreendi porque sabia a letra e não ouvia a canção há vários anos. De clássico para clássico, "In My Place" tem direito a confettis, balões gigantes, jogos de luzes - tudo o que faz um concerto pop apelativo à maioria do público, e até àqueles que iam do contra e saíram rendidos, porque admitamo-lo, toda a gente gosta destas mariquices. Dane-se a credibilidade, os Coldplay são grandes. "Violet Hill" é uma belíssima canção e momento, assim como "God Put A Smile Upon Your Face" numa versão mais pesada. Com um carisma que enche não só o palco mas todo o recinto, Martin dedica uma canção nova aos Blondie, "Us Against The World", que diz ser igualmente dedicada ao povo português (ou não, o malandro, que admite logo que frases dessas é só espectáculo). E, momento de magia antes do encore, o luxo pop de "Viva La Vida", que deverá ter arrecadado o maior número de gritos da noite. Findo o percurso principal, abandonam o palco como é tradição e deixam o público à espera (escreve aí que eles estão a fazer fita, diz-me o senhor simpático que me viu a tirar notas) de "Clocks", da bonita "Fix You" e da já-não-tão-nova "Every Teardrop Is A Waterfall", com mais fogo-de-artifício a condimentar a paisagem. Enorme concerto. Belas canções. Banda incrível ao vivo. E como que a querer comprová-lo, à saída do recinto ouve-se Patrick Wolf a cantar "Yellow". Maior prova de aprovação não há.Aquilo que eu retiro do segundo dia de festival é a aquisição de um conhecimento valiosíssimo: na sala destinada à imprensa, a comida e bebida são à descrição. O que é, naturalmente, um choque e um momento de felicidade sem paralelo para alguém tão imberbe nestas lides e tão facilmente impressionável como a minha pessoa. Não só porque me permite ter um espaço em condições onde possa descansar as pernas em vez de me sentar no meio do chão e impedir a passagem dos restantes - já lá iremos -, como também me proporciona momentos de alcoolizada alegria em que me vejo a trocar idiotices absolutas de meia-noite com escribas com infinitamente mais talento do que eu. Por isso, permitam-me retractar o que disse no primeiro dia; a cerveja não é tão cara quanto isso, cinco euros por uma pita shoarma não é proibitivo e as pessoas que atendem nas barracas têm de fazer, como é óbvio, pela sua vida. Estamos em crise, sabem?

2º dia

Não é difícil perceber o que andaram a ouvir os Crocodiles: Spacemen 3, Suicide e Jesus & Mary Chain, em doses certas, tão certas quanto "Neon Jesus" ser uma bela canção para abrir as hostilidades, pouco passava das 17h. Vão entrando em palco um após o outro e de imediato conquistam o já respeitável público que se encontrava na tenda com o seu rock n´roll dançável, ritmos repetitivos, canções com refrões orelhudos - um efusivo fã na primeira fila teve inclusive direito a dedicatória. Se algo se tem a apontar, que se encontra de certa forma presente nos seus discos, é a falta de feedback que crie aquele misticismo em torno das canções arraçadas de noise pop dos seus dois discos, um mero problema técnico que não prejudicou o bom concerto que deram.

E desta depressão que me anima (já que Sleep Forever é um álbum sobre a morte) passo para o hedonismo da dança. A Enchufada tomou conta do terceiro palco para mostrar ao mundo o que de melhor se faz no campo da electrónica dançável, tendo à cabeça os enormes Buraka Som Sistema e o seu amigo Diplo, para além de muitos outros. E fale-se de pelo menos dois: Da Chick, cujo concerto de parcos vinte minutos há-de ter deixado um enorme amargo de boca em quem teve "só" uma hora nos mesmos palcos para conquistar um público. Funk, hip-hop, dancehall, tudo na voz de uma miúda de quem me dizem ser radicada em Lisboa, que corre incansável de um lado a outro sempre a dançar, acompanhada de dois DJs que lhe vão dando o material com que apelar a uma tenda bem cheia, fazendo lembrar por vezes a carismática Ninja, dos Go! Team, mas muito mais exuberante. E de seguida Diamond Bass, ou Joel Ildefonso, DJ que aposta na bass music (dancehall, algum dubstep, house e, claro, o novo single dos Buraka) para levar gente a mexer-se; não teve contudo sorte alguma já que o espaço esvaziou a seguir à Chick e poucos foram os que o fizeram. Mas também é verdade que à tardinha ainda não há muita vontade para se dançar. Isso é depois dos concertos e das imperiais.

Ainda fascinado com a sala anteriormente referida (sou uma puta demasiado fácil), por lá fico durante mais umas horas a conviver com pessoas simpáticas e bonitas e a tentar fazer com que a minha ânsia social desapareça, estando convencido de que não iria perder muitas mais coisas de interesse até à hora dos Primal Scream e dos Stooges e apanhando trechos dos My Chemical Romance. E, ao que parece, Seasick Steve decidiu lixar-me esse raciocínio dando um dos melhores concertos a que não assisti e ao qual alguns chamaram inclusive o melhor do festival. Por isso: foda-seeeeeee. Mas, tendo em conta a enormidade dos 2/3 de concerto a que assisti do grande Bobby Gillespie e do revisitar de Screamadelica a tristeza foi-se desde logo. Se "Movin´ On Up" leva logo a um coro considerável, e "Slip[Trip] Inside This House", juntamente com "Don´t Fight It, Feel It", põe muitos, velhos e novos, a dançar, é com a versão prolongada de "Higher Than The Sun" que se assiste a um dos grandes momentos do festival: poema escorrendo dub, malhão drogado que vinte anos depois continua a levar muita gente a um estado de espírito superior (dizia ele que queria que estivéssemos "higher than the sun"; eu não estava, mas fiquei). Nos ecrãs, claro, a carinha laroca sob fundo vermelho que é a capa do disco. Mas houve mais, antes de me ver obrigado a sair a correr para ir ver os Stooges (quis sair meia hora antes porque nenhum beto de merda se ia interpôr entre mim e o Iggy): a [inserir adjectivo indicativo de grandeza aqui, acho que já os queimei a todos] "Loaded" (we wanna be free to do what we wanna do...) e o hino à harmonia entre a raça humana de "Come Together", com braços no ar, corpos a dançar, e um mero instante em que tudo o que de mal vai no mundo havia sido erradicado - tristemente, não passou de um instante; a escumalha ainda se encontrava dentro no recinto.

Já por várias vezes disse que odeio o público português, e mais concretamente o de Lisboa. Na maior parte das vezes refiro-me aos hipsters que vão ver concertos rock à ZdB para ficarem de pé de braços cruzados e dizerem depois que são bué underground. Mas faço-o porque sinto que podiam fazer muito melhor no que toca a apreciar um concerto. Faço-o porque sofro de um excesso de romantismo que me leva a achar que os concertos de rock deviam ser momentos de anomia e não de apatia. Faço-o porque gosto de ser chato como o caralho. Mas eu perdi. Invariavelmente perdi. Não sei sequer muito bem por onde hei-de começar: se pela excelsa falta de respeito para com o seu semelhante (relembremos, aqui, as pessoas de merda que se sentam no chão e tapam o caminho a quem quer aproximar-se do palco ou afastar-se do mesmo), se pela indiferença completa a um dos maiores senhores, não, Deuses que a história do rock teve o prazer de apadrinhar, ou se pelo enorme insulto de lhe apontar dois lasers à cara durante o concerto, em jeito de troça. Pois bem, filhos da puta, escória maioritariamente adolescente, seres humanos que não merecem o oxigénio que respiram: eu estimo que vocês se fodam. Não, pensando melhor, não. Estimo que vocês morram. Afogados no próprio vómito, atropelados por um taxista enraivecido, esmagados pela queda de um prédio ou, melhor ainda, raptados por um qualquer cabrão sádico que vos viole repetidamente, que vos parta todo e qualquer osso que tenham (são cerca de duzentos, se não o sabem, otários), que vos corte as pálpebras com um corta-unhas e vos queime com a ponta de um cigarro em todos os nervos principais, e, se tal cabrão sádico não existir, eu ofereço-me para o cargo. Eu odeio-vos. Vocês enojam-me. O vosso cheiro agonia-me. No dia da grande revolução, hei-de cortar-vos o rosto com uma catana e usá-lo como espólio de guerra. Filhos da puta. Betos da linha cujo primeiro pentelho ou período nem sequer apareceu ainda. Nem se atrevam a replicar - eu até estou a ser bastante simpático. Se eu pudesse traduzir em palavras todo o meu ódio fervilhante por cada um de vós, toda a restante literatura seria obsoleta. Escumalha. Lixo. Excremento vivo. Não que o Iggy precise que eu o defenda perante um bando de atrasados mentais, com o devido respeito aos atrasados mentais - basta ouvir e conhecer a história por detrás de Metallic K.O.. E foi enorme. Foi enorme porque mesmo com 64 anos se exercita em palco com a mesma alegria de antes (aprende, Debbie Harry), porque levou alguns poucos que ainda lá estariam para o ver para cima do palco durante "Shake Appeal" enquanto mandava foder os seguranças e os festivais em geral, porque está acompanhado por gente como Mike Watt e Steve Mackay, porque "I Wanna Be Your Dog" é a melhor canção de amor da história da humanidade, porque tantas razões, mas TANTAS razões... ele próprio o afirma: o que nos dá é sangue. Vísceras. Caos. Rock n´fucking roll. Perante tal rebanho, o desabafo: "não sei como destruir este muro". Mas, como se de alguma forma os perdoasse - ou, conhecendo-o, como se de alguma forma os quisesse arreliar ainda mais, porque é disto que o monstro Pop se alimenta, regressa para um encore com três canções, vai apertando as mãos aos miúdos junto às grades que provavelmente nunca tinham ouvido falar dele. No final, nada mais apropriado para o que se passava à minha volta salvo uma ou outra excepção de idade mais avançada: "No Fun". Iggy e os seus Stooges deram o melhor concerto do festival para um mar de ninguém. Tirando os resistentes. E obrigado. Obrigado, foda-se.

Diz-se de Dave Grohl que é o homem mais simpático do rock n´roll. Pela forma como interage com a audiência, como apresenta as suas canções, como enche o palco com o seu carisma, sou levado a concordar. O problema é que o rock de Grohl e dos Foo Fighters é, também ele, demasiado simpático para que pudesse de alguma forma destronar Iggy no que concerne à palma de ouro da noite - ainda assim, bons riffs garageiros e boas malhas, como "The Pretender", e, naturalmente, "Best Of You", tal como "Everlong" no final. E foi simpático o suficiente para dar um concerto de mais de duas horas perante o mar de esterco que cá veio para o ver e só a ele. E nada mais. Aqui sou obrigado a ceder - não vi o concerto junto dessa multidão (bazei antes que vomitasse em cima de alguém, não que não o merecessem), tendo aproveitado o miradouro da press room para o fazer e onde rapei um frio desgraçado, não tendo por isso a first-hand experience de um espectáculo como eu gosto deles, como dizia. Objectivamente falando, os Foo Fighters poderão até ter dado um concerto melhor que o dos Coldplay na noite anterior. Isto, e eu quero que me continuem a pagar cervejas.

Mas se Grohl nunca colocou a coroa de Iggy em risco, já os Bloody Beetroots estiveram bastante perto de o fazer - e se o ex-Nirvana soubesse, não teria advogado a pureza do rock "sem computadores" (ou RSC, para os leitores habituais). Fazendo da electrónica agressiva o seu meio de comunicação, encheram o palco secundário às três da manhã para um espectáculo onde o hardcore se cruzava com a raiva de um beat 4/4, mistura de rave com rock n´roll, completo com mosh e todo o tipo de pancadaria da grossa. Não só: ainda decidem ir buscar Dennis Lyxzén, o vocalista dos míticos Refused, para os ajudar nesta empreitada. A versão de "New Noise" é bem capaz de fazer jus ao seu nome: isto é o punk do século XXI. Raramente saem dos píncaros, e quando o fazem, é só para um pequeno crescendo antes de explodirem em caos maximal. Coincidência ou talvez não, a festa era feita não por betos mas por espanhóis com ar de terem saído da selva urbana. Também eles os punks de hoje. Um concerto brutal que vale a pena contrapôr com o dos cabeças de cartaz. Não foi para meninos.A imagem que marca o terceiro dia deste festival é um enorme palco vazio durante horas a fio. A arena por onde iriam passar os cabeças-de-cartaz, 30 Seconds to Mars, de Jared "Fight Club" Leto, e Chemical Brothers, esteve em risco de fazer figura de obra embargada, ou seja, de não ser habitada por ninguém. Estas bandas lá haveriam de tocar, mas antes correu baba e ranho, houve desmaios e muita ansiedade por parte - principalmente - dos adolescentes fanáticos pelos 30 Seconds to Mars. Na conferência de imprensa que se seguiu ao concerto de Chemical Brothers, Álvaro Covões, da Everything is New, explicou que os três primeiros concertos de hoje (Klepht, Pretty Reckless e You Me at Six) foram cancelados devido a questões de segurança. Os técnicos responsáveis pelo material que é pendurado no palco chamaram a atenção para uma viga que não lhes dava confiança, e a organização chamou um grupo de engenheiros para darem a sua opinião. A decisão de cancelar esses concertos foi, assim, tomada para dar tempo aos técnicos para assegurarem a segurança dos artistas e do público. A estrutura acabou por ser reforçada por duas gruas, o que possibilitou que os cabeças-de-cartaz actuassem, embora com cerca de uma hora de atraso. Explicações dadas, como é da praxe, sinceramente estive um bocado alheado de tudo isto, que a acção nos palcos secundários - principalmente no Super Bock - chegava e sobrava para as encomendas.

3º dia

Quando cheguei ao recinto, no palco da Super Cerveja (também gosto de Sagres, atenção, mas ficava-me mal cuspir no copo em que bebi) já tocavam os brasileiros Massay. Apresentavam o seu EP de estreia (Tempo Reverso), cujas cópias iam distribuindo; informavam que em breve iriam lançar o primeiro LP; diziam que estavam muito contentes por actuar em Pórtugáu - tudo entre uma espécie de ressaca nu-metal para encher o saco da galera. As nove horas de avião que fizeram não foram lá muito bem empregues. Nem os cerca de vinte minutos que passei a ouvi-los, nomeadamente a tocar uma cover de "Killing in the Name", de Rage Against the Machine, com algum sotaque e caretas do guitarrista, que emulava os solos de Tom Morello.

Felizmente, esta viria a revelar-se a única pedra no sapato do alinhamento de bandas a que assisti nas horas seguintes. Antes de regressar ao palco Super Bock fiz uma perninha ao Optimus Clubbing, onde os londrinos Scanners aproveitaram a meia hora que lhes foi concedida como um futebolista que sai do banco para decidir o jogo. Guitarra, sintetizadores, uma voz que nos momentos mais graves fez lembrar P.J. Harvey e malhas que podiam rebentar no dancefloor. Embora este quarteto misto (duas elas, dois eles) toque um indie-pop com energia para da(nça)r e vender, ainda havia quem conseguisse ler, deitado sobre o tapete verde, Num País Livre, do Nobel V.S. Naipul. Enfim, desde que vi a conferência-de-imprensa do Futre já pouca coisa me surpreende...

Para dançar também, mas num registo mais hedonista, os ingleses Friendly Fires fizeram abanar muitas ancas (a dona duns certos calçõezinhos vermelhos que o diga), em temas de pulsão electro-disco ou acid jazz, como "Jump in the Pool" ou "Paris", que ao vivo ganham uma força extra. A grande marca deixada pelos Cure também anda por aqui, seja na sonoridade da banda, seja na voz de Ed Macfarlane, que dança com a pinta de quem não se rala em vestir roupa foleira. Fecharam em grande, com "Kiss of Life", durante a qual as projecções da ave de plumagem multicolor que faz a capa do recente Pala se fundiram com o fumo que invadia o palco.

Se na véspera o Deus Iggy Pop dera um daqueles concertos que mostram às bandas imberbes como é que se rocka a sério, hoje foi a vez de Nick Cave fazer o milagre da transformação da poesia em vísceras. Em versão Grinderman, o músico australiano chegou de fato escuro, camisa branca e sem bigode - deve ter pensado que na banda já havia pêlos faciais suficientes - para pregar bem alto "She´s a Heathen Child". O público (entre o qual se encontrava o fadista Camané, que repetiu "Muito bom! Muito bom!") acompanhou o salmo eléctrico de braços no ar e entoou "Worm Tammer", "When My Baby Comes" ou "No Pussy Blues" em jeito de coro litúrgico. As palavras de Nick Cave - todos o sabemos - têm força, e aqui ganharam a potência de um exército que avança sobre posições inimigas. Como quando berra repetidamente "I Just Want To Relax", durante "Kitchenette". E antes de "Love Bomb", tocado no encore, foi a vez do guitarrista (e compositor galardoado) Warren Ellis se imolar em palco e soltar faíscas por todo o lado. Se o que arde cura, saímos dali revigorados de corpo e alma.

Os/as fãs dos irmãos Leto que me perdoem (não é que esteja lá muito preocupado com isso), mas eu preferiria assistir a um concerto do Marco Paulo do que à actuação de 30 Seconds to Mars. Dito isto, Rob Garza deve ter andado a divertir-se pela noite do Bairro Alto, ou pelo menos foi isso o sugerido pelas imagens que passaram no écran antes dos Thievery Corporation entrarem em palco. Mas o seu cúmplice Eric Hilton não o deve ter acompanhado na boémia, tal como não deu sinais de vida no Alive - nota: quem não reparou que este é um sério candidato a trocadilho mais imbecil de sempre é um ovo podre. A banda de Washington anda com um caldeirão sonoro pelo mundo fora, e a mistura de dub, acid jazz e bossa nova transformam-na numa máquina de groove para ambientes lounge. E quem não gosta de ouvir as suas composições açucaradas numa festa frequentada por carinhas larocas que atire a primeira pedra. Como objector de conciência, rendo-me ao melaço dos temas (como "Radio Retaliation", "Amerimacka" ou "The Heart´s a Lonely Hunter") tocados à medida que vocalistas iam entrando e saindo de cena. Desta vez foi a vertente dub a predominar, com a maioria do tempo de antena a cargo do trio de vocalistas rasta. Uma horinha de concerto que deixou água na boca para uma apresentação mais aprofundada do recente Culture of Fear.

Devido aos problemas técnicos já referidos, os manos Chemical Ed e Tom subiram ao palco já passava bem das duas da manhå. Fecharam a noite com os big beats electrónicos que compõem a sua discografia, como "Hey Boy, Hey Girl" ou "Do It Again". Tudo embrulhado numa parafernália de lasers e projecções (de cavalos-autómatos a borboletas, passando por um palhaço que podia ter saído do filme de terror Clownhouse) que transformou o passeio marítimo de Algés numa discoteca a céu aberto, onde os mais resistentes continuavam a espremer esta terceira jornada até à última gota. A saga electro haveria ainda de prosseguir para muitos deles, após a injecção dos Chemical Brothers.
Hugo Rocha Pereira



A verdade é que os Fleet Foxes hão-de ter levado quase tanta gente ao Alive como os 30 Seconds To Mars. Ok, não, mas dado que os fãs destes últimos não valem puto enquanto pessoas, a maior moldura humana foi sem dúvida a que esteve no secundário a apreciar os belíssimos jogos vocais dos barbudos de Seattle, o que se percebeu quando Robin Pecknold entra em palco para o soundcheck e de imediato recebe uma enorme ovação. Ainda temi que pudessem vir a sofrer da síndrome James Blake de ter de aturar o ruído de fundo, mas nada a apontar. Perfeito do início ao fim. Debruçando-se tanto sobre o mais recente Helplessness Blues como sobre o disco homónimo de estreia em 2008 (e até aos EPs), os Fleet Foxes apresentaram uma hora e pouco de excelentes canções. Como "Sim Sala Bim", a belíssima "Mykonos" e "Your Protector", apresentada de uma forma absolutamente enérgica. Se isso não é por si só suficiente para cortar a respiração, "White Winter Hymnal" surge em todo o seu esplendor para colocar pessoas a cantar. E ainda houve tempo para "Ragged Wood", para a sublime "He Doesn´t Know Why" e para um final em grande com "Helplessness Blues" (I was raised up believing I was somehow unique / Like a snowflake distinct among snowflakes, unique in each way you can see / And now after some thinking, I´d say I´d rather be / A functioning cog in some great machinery serving something beyond me: um verso destes não merece menos que aclamação). E há ainda a possibilidade de cá voltarem. E nós lá estaremos outra vez.

Há decisões na vida que nenhum melómano deveria ter que fazer: ficar para ver Nick Cave e os seus Grinderman a arrasar no palco secundário, ou sair meia hora depois do início para apanhar uma das bandas que mais marcaram na adolescência? A escolha é difícil, e voltou a cair - já que no ano passado troquei Devendra Banhart pelos Moonspell (gozem à vontade) na opção nostálgica. Felizmente que compensou. Os Atari Teenage Riot, mesmo tendo tocado apenas meia hora, regressados ao activo com um álbum em grande (Is This Hyperreal?), e com Alec Empire e a bonita Nic Endo agora acompanhados pelo MC CX KiDTRONiK, mostraram aos putos que encheram a tenda de forma considerável como se mistura gabber com punk e como se faz a puta da festa anárquica completa com os slogans da praxe. Putos que muito provavelmente nem sequer sabiam quem eram os ATR - à minha frente tinha um com uma t-shirt enfeitada com toda a espécie de logótipos dos grandes monstros da internet, como o Youtube e o Google, e no palco Empire usava uma onde se lia keep the internet free from government control, o que me parece assim de repente um choque incrível de gerações. Só do novo álbum se ouviu ATR, o que é obviamente uma desilusão para os fãs mais acérrimos, igualmente desapontados com o novo símbolo da banda (volta, estrela vermelha dos Baader-Meinhof) e com a ligação a um idiota como Steve Aoki, que no final aparece para ajudar à prestação de "Codebreaker" e recebe a maior ovação do concerto, o que é uma ignomínia tremenda. Fica a música. E o cyberpunk a rigor que mostrou estar bastante satisfeito com "Black Flags". Are you ready to testify?

Às três da manhã, caído de sono das horas em que não o tive na madrugada anterior, e com o corpo dorido em todos os lados após o enorme concerto dos Thievery Corporation (superiores em tudo a Iggy Pop, ou talvez não, talvez eu diga isto só para vos chatear, talvez eu esteja a falar a sério, url:http://4.bp.blogspot.com/_Z5soPd9-HB0/TUpAjXJJiWI/AAAAAAAAAs0/A089viEU6OY/s1600/trollface.jpg text:you will never know...), e saindo do concerto tardio dos Chemical Brothers após ouvir "Hey Boy Hey Girl", que andava a rodar na minha cabeça há alguns dias, queimei o tempo que faltava até ao primeiro comboio com o electro-rock sem grandes consequências - mas também sem grandes males - dos Digitalism, que vieram apresentar o recente I Love You Dude juntamente com as malhas de Idealism que fizeram com que as pessoas gostassem deles em 2007, incluindo a indispensável "Pogo". Um bom concerto a fechar o dia, que ainda conseguiu levar bastante gente à tenda - temia-se que tal não sucedesse quando a dois minutos de começar estavam lá quinze pessoas.
Paulo Cecílio
Três dias e largas dezenas de bandas e DJs depois, eis-nos chegados à derradeira etapa do tour musical que teve lugar no passeio marítimo de Algés: cartaz para todos os gostos, dos adolescentes aos maduros, dos mainstream aos “alternativos” (que hoje são boa parte da maioria…), de quem vai pelo rock e de quem não sai da tenda electrónica. A prudência aconselhar-me-ia a fazer uma selecção criteriosa dos concertos, mas em vez de passar o dia em modo-poupança andei feito barata-tonta de palco em palco.

4º dia

Antes de os Linda Martini comprovarem que o punk/hardcore (normalmente associado a quem não toca um boi e se limita a fazer barulho) tem sido das melhores escolas de música portuguesas, faço tempo no coreto, onde os Homens da Luta dão voz a camaradas de ambos os sexos. Sobre a polémica classificação dada pela Moody´s a Portugal, Jel comenta: «Lixo?! Não somos lixo! Lixo é a minha casa ao domingo à noite! Lixo é a casa-de-banho do Falâncio!».

Não faço ideia em que nível as agências de notação financeira colocariam a prestação de Linda Martini. Mas sei que a considerável legião de admiradores da banda preencheu muito bem o palco Super Bock. E a adesão do público é mais do que merecida. Hélio Morais não precisa duma bateria siamesa para encaixar batimentos cardíacos acelerados nos caminhos percorridos pelos riffs de Pedro Geraldes. “Amor Combate” começa calminha, com as meninas a cantarem «Eu quero estar lá / Quando tu tiveres de olhar para trás», mas depressa crescem espinhos naquela flor. Aguçados, cortantes como a paixão – porque quando não sangra é outra coisa qualquer e «o chão que pisas sou eu» são estilhaços em forma de mantra. Com outro mantra, entoado pelo público – «foder é perto de te amar, se eu não ficar perto» –, termina um dos melhores concertos do festival.

Final de tarde com vista para o rio (a ponte e o Cristo-Rei dum lado, o skyline da Linha de Cascais do outro), e o Alive ganha por momentos uma aura intimista pouco usual no circo que caracteriza um festival de música. É sob este cenário romântico que entram em palco os Kaiser Chiefs, com “Everyday I Love You Less And Less”. Tocam músicas power pop com refrões catchy, como “Ruby” ou “I Predict a Riot”, e o vocalista Ricky Wilson abandona o palco para servir imperiais como se estivesse num pub. Mas Tv on the Radio iam começar no outro lado do recinto, por isso era tempo de me pôr a mexer.

Após uma breve passagem pela tenda electrónica, onde DJ Ride assistia à prestação de Gold Panda, começo a ouvir a voz grave de Tunde Adebimpe e o groove denso dos Tv on the Radio. Em “Will Do”, do recente Nine Types of Light, casalinhos abraçam-se e dançam bem juntinhos, mas logo regressam os ritmos tensos com electrónica à mistura. Por entre a soul e o experimentalismo de influência jazzística, a banda não perde a harmonia melódica, e a muralha sonora formada pelas guitarras e os sopros transporta-nos para outra dimensão. As últimas músicas (“Staring at the Sun”, “Repetition” e “Wolf Like Me”) foram somente apoteóticas, a confirmar que este era o super palco do Alive.

Enquanto os Paramore tocavam um rock pachacha, alguns VIPs (em Portugal não é difícil aceder ao klube) já entoavam o hit “Barbra Streisand”, que poderia ser ouvido no encerramento do palco principal. Se tudo corresse como planeado (graças a Deus, correu!), por essa hora já estaria bem longe dali. Antes do concerto da noite, ainda havia tempo para ouvir Diabo na Cruz, convidados à última hora para substituir Dizzee Rascal, que, de acordo com o comunicado da organização, tivera «problemas com o voo». O colectivo de B Fachada, Jorge Cruz e Bernardo Barata conjuga a energia do rock com raízes folk de tal forma que “Dona Ligeirinha” põe casais a dançar o vira em pleno festival urbano. Jorge Cruz diz que vieram nos seus batmobiles para nos dar festa. Nós agradecemos, pois, e festejamos ao som de “Bom Tempo” e “Tão Lindo”.

Perdoem-me não ter visto Diabo na Cruz até ao fim e a atitude fanboy que acompanhará o relato de Jane´s Addiction. Mas andava para ver um concerto deles há quase vinte anos, por isso qualquer tentativa de isenção seria inútil. Assumo-o desde já, e começo por dizer que foi o melhor concerto desta edição do Alive – que todos os outros (especialmente Iggy Pop) me desculpem, mas quem diz a verdade não merece castigo. Antes do concerto começar ainda pensei «Será que a espera valeu a pena?», mas bastou soarem os primeiros acordes de “Mountain Song” para ter uma epifania. Passadas décadas (e muitas tendências musicais), as composições da idade dourada desta banda – que estava na vanguarda alternativa quando esse termo ainda não valia um chavo – não perderam um pingo da sua frescura e originalidade. E pelo Palco Optimus desfilaram malhas que têm um lugar na História, como o transe erótico de “Three Days” (as bailarinas exóticas que desceram do tecto estavam ali por alguma razão), “Been Caught Stealing” – que tem um dos melhores vídeos que já vi –, a épica “Ocean Size” ou “Stop”. Se a arte não é esta capacidade de resistir à passagem do tempo, fecho já o bloco de notas e dedico-me à puericultura. O resto foi assistir a um dos maiores performers de sempre (Perry Farrell, claro, que não largou a sua garrafa de vinho tinto, brincou com as «bonitas raparigas – e rapazes, também – e mostrou de que fibra se faz uma rockstar), a um guitarrista ultra-talentoso como Dave Navarro (caguem nos mexericos, na atitude poseur e na fase RHCP) e a um espectáculo de rara magia. Para o encore guardaram “Jane Says”, uma das mais belas canções de amor (e putas, ok!) que conheço. Señores y señoras, de Los Angeles… Juana´s Addiction!!

Só não fui logo a seguir para casa por duas razões: a) gosto sempre de fumar uma cigarrada depois de mandar uma; b) nunca é demais ouvir Orelha Negra, mesmo que apenas se tenha direito a um cheirinho da super-banda. E só tive direito a dois shots: um medley que incluiu temas como “Adivinha Quem Voltou”, de Da Weasel, ou “Smack My Bitch Up”, dos Prodigy, e o original “A Cura”. Serviu, ainda assim, para testemunhar que a banda de Sam The Kid e João Gomes fica mais vibrante e solta de concerto para concerto, o que lhe permite improvisar durante os temas e passar carradas de energia para o público. Um dia o palco principal do Alive será deles.

Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
11/07/2011