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Aquaparque / Calhau!
Kolovrat, Lisboa
18/03/2011


O sótão do Kolovrat 79 é um espaço propício à nostalgia. Espelhos debruçados sobre as paredes, móveis antigos em toda a parte, sofás com alguma poeira, um mero candeeiro de mesa iluminando o local onde actuarão os músicos. Um sótão retirado das nossas memórias de infância; seja as passadas com amigos jogando jogos que, agora na idade adulta, são irrepetíveis e impronunciáveis, seja as inventadas, através dos contos que nos davam a ler e a sorver. Não estranha por isso que a primeira coisa que o público faça seja sentar-se no chão e esperar que lhes contem a história.

Nostalgia essa que convém sobremaneira aos Aquaparque, como já havíamos dito aquando do comentário a Pintura Moderna, o segundo disco que serviu de mote para que a Filho Único os levasse, a eles que também são filhos únicos da pop nacional, a actuar esta noite perante umas boas dúzias de sonhadores. Tal como em disco, o duo salta de uma metade de canção para outra sem perder o fio à meada, interpreta (especialmente Pedro Magina) ora com mel ora com sangue na garganta as frases que dão luz às melodias, torna merecido cada aplauso com que os presentes os brindam entre temas - embora nos pareça que um maior elogio que estes lhes poderiam ter dado teria sido levantarem-se e dançarem. Porque a música puxa à dança, especialmente a segunda metade de "Castiço O Teu Nudismo", que é uma sintetização em forma boogie da palavra/acto sexo, onde André Abel declama com falso ennui: Tens seduzido alguém com o teu corpo?. Para quem ainda não tinha tido contacto com Pintura Moderna, o resultado só pode ser a vontade enorme de o ir ouvir seja por que meios for. Nós ainda não o parámos de fazer.

Antes disso e também para apresentarem um trabalho seu, os Calhau! tiveram uma actuação que ainda não se sabe definir; para dizer a verdade, o primeiro pensamento foi "que raio acabei eu de ver?". Musicalmente falando estão ali na fronteira do ruído, embora não tão abrasivo como se normalmente quer e pontuado por rasgos vocais em formato, parece, stream of consciousness, onde cada palavra desconexa é vomitada e violada em nome da weirdness. Só para quem gosta de cadáveres esquisitos - os restantes irão continuar com o tal pensamento durante algum tempo.

Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
20/03/2011