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PAUS - Só desta Vez
Lux, Lisboa
16/12/2010


Comecemos pelo fim, como num romance surrealista. Alguns minutos depois de ter acordado, com o espectáculo da véspera ainda bem presente, pensei: «Acho que sonhei que o (Mário) Cesariny estava no piso de cima a deixar a sua marca no placard da Delta Q», sponsor da série de concertos “Só Desta Vez”, em que os PAUS convidam amigos para actuações únicas.

Será que este sonho aconteceu mesmo? Ou fui sugestionado pela carga onírica da performance? Ou pelo facto de me ter cruzado com o Mestre Júlio Pomar, nas escadas de acesso ao 1º andar da discoteca de Santa Apolónia, antes de o show começar?


© Tiago Pereira

Isso acaba por ter pouca importância para quem viu um dos (seus) concertos do ano – a propósito, será que o Bodyspace não arranja um cantinho para se fazer uma adenda aos meus momentos de 2010?
O concerto estava marcado para as 22:30. Uma hora depois, um espirituoso Makoto Yagyu, acompanhado por um balão de whiskey, pede um maço de Camel no bengaleiro; e passada meia hora têm início as hostilidades. Primeiro aparecem os convidados; depois entram em cena os membros de PAUS… e logo parte (em ombros) um membro da assistência, necessitando, talvez, dum balão de oxigénio para respirar a mistura de ritmos orgânicos com electrónica que desfilarão de seguida – de facto, esta combinação resulta num cocktail explosivo e de tirar o fôlego.

A bateria siamesa ora metralha o ar, ora relaxa em momentos de suspense; o baixo mais parece uma guitarra-hipersónica; o scratch de Ride transporta as ondas sonoras para outra dimensão.


© Tiago Pereira

A recta final de “Mudo e Surdo”, cujo refrão é entoado em uníssono pela plateia, é como uma saga inter-galáctica, composta por lasers multi-sonoros. Vêm-me à cabeça os Mars Volta, não tanto por afinidades no género musical praticado, mas pela estrutura dos temas, deambulações muito livres, que criam ambientes de relativa paz antes de se encaminharem para um êxtase eruptivo: como vulcões que despertam da sua fúria semi-adormecida, jorrando lava por todos os lados.

“Gotta Dance”, lê-se na t-shirt (justa, claro!) de Albergaria, e o pessoal faz-lhe a vontade, enquanto o som segue por momentos as pisadas de Psychedelic Sound Waves, de Ride.
Depois, os PAUS voltam a atear a sua fogueira, que arde dos ouvidos para os pés dos presentes. O fogo acelera e alastra, imparável, arrasando tudo o que encontra pelo caminho.
Isto não é um concerto de punk/hardcore, mas o baixista arrisca um crowd surf antes de regressar ao palco e manipular os pedais de joelhos. As teclas ficam momentaneamente esquecidas, enquanto João Pereira transmuta a bateria siamesa em trio de ases.

Fim do concerto. Ou não. Ainda com as luzes acesas começa o encore. Makoto Yagyu vai para a percussão; junta-se-lhe Joaquim Albergaria e a restante matilha, num exercício kudurista bem ao gosto de Dj Riot. Pouco depois de soar a intro de “Smack My Bitch Up”, de Prodigy, Albergaria sai do palco e senta-se a beber uma água. Riot e Ride (dois nomes maiores da electrónica nacional) ficam ao despique, partilhando o palco, num remix do adulterado “Tu Vuò Fa’ L’Americano”, de Renato Carosone.


© Tiago Pereira

Terminado o concerto, ouve-se “Iron Man”, dos Reis Black Sabbath – fecho em beleza para uma noite em que os PAUS lançaram dois jokers bem altos para cima da mesa.

Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net
17/12/2010