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Out.Fest 2010
Barreiro
5-16/10/2010


O festival de música exploratória do Barreiro teve este ano uma edição especial: um cartaz de luxo, muitos apoios, concertos espalhados por diversos espaços representativos da cidade da margem sul. O ponto alto do festival teria de ser, naturalmente, a actuação da dupla Panda Bear e Oneothrix Point Never na Casa da Cultura (com direito a review autónoma cá na casa) mas, ainda que a épica “Benfica” continue a ecoar, temos de lembrar que o Out.Fest valeu por muito mais que uma noite.

O festival exploratório arrancou num fim de tarde, dia 5 de Outubro, com a actuação a solo do pianista Alexander Von Schlippenbach no Be Jazz Café. O velho alemão lançou-se em explorações no teclado polvilhadas por referências, directas e indirectas, a Thelonious Monk. Perante uma sala lotada o pianista abordou inúmeras peças livres, mas passou também por bem-vindas interpretações reverentes de clássicos de Monk.

Alexander Von Schlippenbach © Vera Marmelo

Depois da passagem de Norberto Lobo pelo Barreiro (no dia 6, não conseguimos ver este concerto), actuou um outro guitarrista. Foi no dia 8, sexta-feira, que o francês Noël Ackchoté levou a sua guitarra ao Convento da Madre Deus da Verderena. Não chegámos a tempo de apanhar a primeira parte, onde Akchoté terá tocado a sua revisão solista de canções bem conhecidas (incluindo da doce Kylie Minogue, como nos adiantou). Já na segunda parte tivemos oportunidade de assistir a uma sessão improv onde o guitarrista explorou diversas abordagens, com ênfase principal no feedback, numa curiosa exploração sónica.

Depois das actuações de Panda Bear e Oneothrix Point Never (dia 9) e Stellar OM Source (dia 12), foi a vez de outro guitarrista actuar no dia 14. O japonês Tetuzi Akiyama, de regresso a Portugal mostrou no Teatro Municipal (local que nos remete para uma viagem no tempo até 1992) os limites extremos da sua guitarra. Alternando entre rendilhados folk e a tensão absoluta de feedback (absolutamente controlado), jogando entre pólos extremos sem intermediação, o “Captain” Tetuzi deixou o público completamente surpreendido: alguns abandonaram mesmo a sala, mas muitos deixaram-se seduzir pela impressionante “massagem” sónica.

Noël Akchoté © Vera Marmelo

Rafael Toral actuou na primeira metade, num trio com Afonso Simões (na bateria) e Riccardo Dillon Wanke (no fender rhodes). Servindo-se diversos amplificadores e dispositivos transformados, Toral contou com o apoio de Simões e Dillon Wanke para desenvolver uma música extremamente comunicante. Afonso Simões e Dillon Wanke mostraram-se muito concentrados a encontrar pontos comuns, Rafael Toral apresentou talvez a mais enérgica actuação que já lhe tivemos a oportunidade de assistir. No dia seguinte, sexta-feira 15, actuaram Emeralds e Kosmicdream.

O festival encerrou com três concertos no Auditório Municipal Augusto Cabrita: AJM Collective, Lol Coxhill e Motion Trio. Apesar das diferentes abordagens, estes três concertos tivemos aproximações claras ao conceito mais típico de “jazz”. O AJM Collective, de Coimbra, abriu a noite com a sua música improvisada, com ligação natural ao jazz, em constante evolução. O grupo de Marcelo dos Reis (guitarra eléctrica), Manuel Ara Gouveia (saxofones), João Camões (violino), José Miguel (contrabaixo), João Apolinário (bateria) e Kátia Sá (imagem em tempo real) deixou boas impressões.

Motion Trio © Vera Marmelo

Seguiu-se o veterano inglês Lol Coxhill, acompanhado com o seu saxofone soprano. Tocou apenas três temas, três breves temas que souberam a pouco. O autor do clássico Ear of the Beholder desfilou fraseados saborosos, mas a actuação acabou por saber a pouco. Valeu pelo terceiro tema, uma inspirada exploração aberta do clássico “Loverman” (“loverman, oh, where can you be?”).

O Out.Fest encerrou com o portentoso Motion Trio de Rodrigo Amado. Gabriel Ferrandini esteve explosivo na bateria, Miguel Mira esteve preciso e dialogante no violoncelo (afinado como contrabaixo) e Rodrigo Amado explorou intensamente os seus saxofones tenor e barítono, numa imensa expressividade. Com uma atmosfera propícia, a música alcançou níveis elevadíssimos de energia. O trio foi obrigado a um encore e encerrou da melhor maneira esta edição grandiosa do Out.Fest. O Barreiro merece que para o ano este grande festival se repita.

Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
20/10/2010