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Thee Oh Sees / No Age
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
27/05/2010


Em apenas quatro dias, a ZDB percorreu os dois extremos da Carta de Smith, aquela que mede o rock norte-americano, com a velha escola (Mission of Burma e Shellac) a fazer história na segunda-feira e a nova escola a mostrar serviço na quinta. Numa double bill de tendência avessa, os Oh Sees e os No Age subiram ao ringue da ZDB para uma espécie de batalha não-oficial do rock californiano. A lua cheia, numa noite de quinta para sexta, dava clara vantagem aos lobisomens (disfarce favorito dos Oh Sees) e, pelo caminho até Lisboa, trazia à lembrança os melhores episódios de Roque Santeiro. Cheirava a rock certeiro.

Influenciados ou não pela lua, os Oh Sees são heróis absolutos no rendimento que obtêm das diferentes velocidades – ou seja, bastardos tão capazes de reacções fulminantes como de sofrer longas mutações, que os deixam sempre onde devem estar. A banda de reacção, portanto, é vista a posar ao lado de um tanso qualquer e dois minutos depois já está em palco a exorcizar a insanidade de John Dwyer (ele é foda), o fantasma de velhos instrumentos (um teclado Wurlitzer tão vintage como a tua avó) e os nuggets americanos, como se todos esses fizessem parte do mesmo diabo rock. A mesma banda, na sua faceta de metamorfo, sabia tão bem amortecer a folk e a country em canções de pura magia (Sucks Blood, meu deus…), como sabe agora ser um atropelo rock condenado a três novos discos por ano. A culpa pode até ser de um baterista (igual ao Henry Rollins) que desarruma os penteados mais Playmobil em apenas duas músicas (“Enemy Destruct” e outra). Porra! Se as canções de Help e Warm Slime fazem mossa em casa e no carro, fomos todos rachados de alto a baixo ali mesmo.

Os No Age, por sua vez, têm a sorte de terem levado nos cornos do porteiro do Jamaica (alcunha: Manuel Pouco Subtil) e o abono best new music daquele site que ninguém lê, mas que toda a gente conhece. De outra forma, a euforia em torno de um rock feito essencialmente de garra (e volume no máximo) poderia não ser a mesma. Isto porque o duo sabe ser exemplarmente estúpido e contagioso (lembra às vezes a atitude primária dos vizinhos californianos D.F.L.), mas, a médio prazo, acaba por esfriar o segundo batalhão na ZDB, enquanto a linha da frente permaneceu em delírio completo. O auge sucede-se quando Randy Randall deixa a guitarra nas mãos dos rendidos para um improviso a 18 mãos (cena quase Glenn Branca) acompanhado pela bateria de Dean Spunt. Antes houve tempo para aquela do vídeo engraçado e uma ou outra nova também. No fim sobra a sensação de que os No Age levaram não uma, mas duas sovas em Lisboa.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
29/05/2010