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The Cinematic Orchestra
Teatro Sá da Bandeira, Porto
03/04/2009


Assim que “Burn Out” impôs as suas paisagens jazzisticas luxuriantes, um Teatro Sá da Bandeira muito bem composto quis mergulhar na tela dos Cinematic Orchestra sem reservas e restrições. O local dificilmente poderia ser melhor na cidade do Porto (e em qualquer outro local, diga-se), que tão bem terá acolhido os britânicos aquando do Porto Capital Europeia da Cultura 2001. O luxo do teatro portuense tratou de certa forma de reflectir as composições dos Cinematic Orchestra que percorreram um pouco a carreira do colectivo britânico, com as desigualdades que esta oferece. Os dois primeiros discos, Motion e Every Day, são quase intocáveis mas Ma Fleur, mais próximo do formato canção do que nunca, é claramente um disco menor, menos produtivo.

Mas com uma rendição de inspiradíssima de “Burn Out” o concerto dificilmente podia começar melhor; percussão e contrabaixo em sintonia, o saxofone de Tom Chant usufruiu da liberdade suficiente para desalinhar e desarrumar (elogio) “Burn Out” até perto da perfeição. Com Jason Swinscoe na direcção musical – chamemos-lhe assim – os Cinematic Orchestra provaram ser ao vivo aquilo que suspeitávamos: uma banda texturalmente perfeita, elevada em termos sonoros, com a classe que lhe conhecemos nos discos. A electrónica existe apenas na quantidade suficiente para ser notada, e quando o jazz tem hipóteses de mostrar todos os dentes os Cinematic Orchestra são um veículo imparável. A escolha para a voz, nesta noite, fez aumentar as saudades de Fontella Bass ou de uma qualquer escolha mais apropriada para as canções do colectivo britânico: faltou soul, faltou rasgo.

“The man with a movie camera”, com a sua circularidade hipnótica, arrancou entusiasmo extra a uma plateia plenamente receptiva das explorações dos Cinematic Orchestra. Instrumentalmente perfeito, o colectivo britânico não se limitou a importar as canções dos discos para o palco: houve sempre espaço para a surpresa, lugar para a improvisação. As narrativas estiveram sempre abertas, permeáveis, disponíveis para um rasgo de inspiração extra vindo do saxofone ou da bateria. Foi assim em todo o concerto, e foi assim com uma impressionante “Ode to the big sea”, já em encore, que essa permeabilidade se tornou mais evidente. O jazz pisou terreno fértil, o horizonte alargou-se e quando assim acontece com os Cinematic Orchestra o céu é o limite.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
05/04/2009