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Canções de Verão



Na continuação daquilo que foi feito o ano passado, e para deixar uma montra bem bonita antes de irmos de férias, a equipa do Bodyspace escolheu uma banda sonora possível para o Verão. Reflexo do gosto pessoal de cada um dos meliantes cá da casa, é uma lista à imagem do espírito da silly season, aversa a grandes contextualizações que não o facto de se tratarem, efectivamente, de canções que de algum modo são ressonantes com a chegada dos dias quentes. O Verão é aquilo que se quiser e a diversidade de escolhas é sintomática disso mesmo. Seja isso a praia (que é afinal um estado mental), o one night stand, as noites bem longas, os mergulhos alcoólicos ou aquele passeio singelo que se torna num pesadelo por causa das multidões de gente suada, está aqui todo um manancial de opções para salvar ou acabar com o Verão. Bruno Silva

Fotografia: Sofia Miranda


André Gomes
“Trials of the Past”
SBTRKT

Trials Of The Past” é apenas um dos inúmeros motivos para fazer do disco de estreia de SBTRKT, homónimo e maravilhoso, um disco de Verão para 2011, para os usos e abusos da época, os exageros destes tempos de evasão. Mas é também o melhor de todos. O britânico Aaron Jerome é o chef que toma conta de um gigantesco caldeirão que mistura o dubstep, o techno e a música soul com bom gosto e uma produção de sonho. Com Sampha a assumir o controlo das vozes, “Trials of the Past” mostra-se altamente aditiva no dominar do baixo e da batida, na progressão mágica de todos os elementos, na gestão de espaços. Há sempre algo novo a acontecer: novas texturas, o adensar da batida, novas vozes, novos rasgos de melodia. Tudo com uma naturalidade – e uma qualidade orgânica – que não está ao alcance de todos. Celebremos.

“House Of Balloons / Glass Table Girls”
The Weeknd

Futuro do R&B? Pós-dubstep qualquer coisa? Tudo ao mesmo tempo? O projecto misterioso - cada vez menos, parece, uma vez que já tem nome e existência ao vivo - que responde pelo nome de The Weeknd levantou todas estas questões e muito mais na estreia House of Balloons, apresentada como mixtape. Apesar de ser um disco eminentemente cinzento, está carregadíssimo de sexo, um favorito do Verão. “House Of Balloons / Glass Table Girls” então é uma enorme orgia, de sons e de carnes. Tendo em conta o vício que provoca até se pode acrescentar também “droga” à frase anterior. Para lá da polémica e do ruído, Abel Tesfaye (n. 1990, Toronto, protegido de Drake) mostra aqui talentos que ultrapassam barreiras e géneros. Se é do futuro ou do passado, inclinações à parte, não há ainda certezas: mas isto é um presente do caralho.

"Friendly Fires"
Blue Cassette

Os Friendly Fires fazem música para ser consumida no momento, com uma data de validade algo curta mas suficiente para durar uma estação. E o momento é agora. O deles, o vosso, o nosso. Estes britânicos escrevem canções absolutamente apropriadas para queimar tempo, para apreciar o calor do momento, sem demasiados pensamentos e racionalizações, como a época obriga (ou pede, pelo menos). “Blue Cassette” é uma dessas canções: celebratória, levemente choninhas, perfeita para colocar o braço de fora do carro em viagem ou os fantasmas do passado pela janela fora. Camadas e camadas de melodia, uma enxurrada de sintetizadores apontados ao coração, uma porrada de percussão em cima, voz entre o chico-esperto e o lamechas, produção exuberante e carregada de cores. Para encher os pulmões e consumir sem restrições. Nem que seja só uma paixoneta de Verão.




Bruno Silva
"Get It Up For Love"
Ned Doheny

Uma obra com o título de Hotel California : Singer-Songwriters and Cocaine Cowboys in the LA Canyons, 1967-1976 é, apesar do negrume subliminar de toda essa movida, uma leitura mais do que adequada para a altura. Elegia ao deboche de um California Dreamin' que deu em pesadelo, o livro de Barney Hoskins é um desfile de míticos como David Crosby, Neil Young ou Joni Mitchell num enredo fascinante com lugar para gajos e gajas igualmente brilhantes que nunca chegaram a um lugar ao sol (desculpem a expressão) mas deixaram um legado que urge reconhecer. O Ned Doheny é uma dessas personagens. Descoberto algum tempo antes numa demanda pessoal por um elo imaginário entre a ressaca loner pós-praia de todos esses potheads que viveram os excessos do sonho e o regresso à boa onda com aquela maturidade que previa já a ascensão do yacht rock ou da balearic beat. Hard Candy é todo esse meio termo lato na sua perfeição, e “Get It Up For Love” uma malha bem conhecida que encarna todo esse espírito com uma certa ingenuidade que se viria a deteriorar numa faux-sofisticação de roupas brancas (e de branca, claro). Começando por sons etéreos de sintetizador que vão flutuando ao longo da canção sobre uma toada bem funky conduzida pela guitarra e por pinceladas de teclado, “Get It Up For Love” chega a um daqueles refrões para cantar com movimento de ombros ligeirinho e voz a dar uma de sexy. Com a ponte a anunciar subtilmente toda a nostalgia que essa vivência epicurista acarreta, agora que o espírito inconformista já deixou de fazer sentido. Quando chegarem os dias frios e chuvosos continuará perfeita e será uma opção infalível para a foda domingueira. Agora, é um escolha tão necessária quanto os vestidinhos de praia.

"Spaceman (Dillon Francis Remix)"
Vaski

Torna-se fácil desacreditar de um “género” cuja premissa base é somente desacelerar o ritmo de malhas de Dutch House até aos tempos do Reggaeton. No fundo, a inversão lógica daquilo que foi o nascer da Dutch House leva toda esta tendência para os campos de um rehash que não faria o mínimo sentido, não fosse tudo isto desprovido de qualquer tendência para o militantismo ou prepotência referencial. No caso do Moonbathon (explicação para o nome na entrevista linkada) estamos num campo ignorante do pós-modernismo, da pós-ironia e de toda uma contextualização intelectualizada, nascido no seio do fenómeno das skipping parties e que cujos interesses convergem sempre na celebração (por muito chessy que possa ser). Do modo mais pueril possível (ou assim o prefiro pensar). Claro que tudo isto poderá sempre encarreirar no “temido” hype (e a sombra oportunista do Diplo já paira por aqui), mas por agora poucas coisas me fariam mover mais as ancas do que apanhar a remix do Dillon Francis para o dubstep bovino desta “Spaceman”, numa discoteca de praia a cheirar a creme hidratante. Tão simples quanto isso, e com plena consciência da sazonalidade e do vazio da cena. Apesar de malhas como a “Masta Blasta”, a remix para a “Take It Back” ou mesmo o clássico “Moonbathon” do Dave Nada serem escolhas mais óbvias, “Spaceman” eleva-se na sua condição de party anthem por toda uma melancolia subliminar patente no néon rafeiro do sintetizador. Transformando uma produção tendencialmente genérica em algo que se revela continuamente no seu âmago com a chegada de novos factores (como o breakdown prematuro que desemboca naquele wooble púrpura). Nocturna e urbana, não é o elogio ao calor mais natural do género, mas um óptimo exemplo de que uma batida pode ser aquilo que o quisermos.

"The Goddess"
Bubble Club

Qualquer coisa que esteja remotamente associada às baleares será uma escolha óbvia em qualquer lista de canções de/para o Verão. 2011 até está a ser um ano bem simpático para o eixo da balearic beat (e derivações, disco ou deep), e uma das grandes responsáveis tem sido a uruguaia International Feel. Poderiam estar aqui “Invisible College” de Gatto Fritto ou “Communicate” de Mythical Beasts sem grandes problemas, mas “The Goddess” é a grande malha da editora. Um fluxo rítmico constante pautado por congas e que evolui às custas de camadas sucessivas de teclado e culmina na entrada de uma voz que recebe o Sol de braços abertos. Isto à alvorada, com os corpos em redor já sucumbidos ao excesso da noite deve ser das melhores coisas do Mundo. Faço conta de o experimentar ainda este ano.




Hugo Rocha Pereira
“Tahitian Moon”
Porno for Pyros

Good God’s Urge teria entrada directa numa lista de coisas a levar para uma ilha deserta; e “Tahitian Moon” seria a música para ouvir em repeat. Na realidade, este disco serviu de banda-sonora perfeita para uma estadia num dos locais com maior carga mística dos Açores. E se todo o alinhamento do segundo (e último) álbum da banda surgida dos escombros de Jane’s Addiction tem alma insular, “Tahitian Moon” continua a ser o tema que melhor evoca esses ambientes. Um misto de vigor solar e de feitiço que ecoa como um ritual enquanto o dia e a noite se sobrepõem. «The sea is a very easy place to disappear / To drift away, to fall asleep, or make your peace surge, ao mesmo tempo, como uma oração pagã e um canto de sereia irresistível na voz de Perry Farrell.

“Sea, Sex and Sun”
Serge Gainsbourg

O Verão é, por excelência a Estação do hedonismo, da busca pelo prazer. Mar, temperaturas elevadas, vestes reduzidas e corpos bronzeados ajudam a despertar os sentidos. Gainsbourg, galã maldito e sedutor de cabeça, tronco e membros, capta todos esses elementos em “Sea, Sex and Sun”. A letra da canção é erótica como poucas («Le soleil au zenith / Me surexcitent / Tes petits seins de Bakélite / Qui s'agitent») e surge intercalada por gemidos que fazem lembrar “Je T’aime… Moi Non Plus”. A música seduz com um ritmo de brisa funky e é marcada pelo diálogo entre a voz rouca de Serge e os coros femininos, que não param de repetir o refrão essencial para qualquer belo dia de praia com as hormonas em ebulição.

“California Sun”
The Ramones

One, Two, Three, Four!! Nesta altura o que importa é ir atrás do Sol e das miúdas – sejam da Califórnia, da Caparica ou de qualquer outro destino mais ou menos exótico. Fazer a trouxa, meter o pé na estrada e zarpar para um sítio afastado da rotina do dia-a-dia. E espremer até à última gota as tardes e noites de ócio e diversão. Com a urgência rítmica e o espírito escapista que os Ramones aplicam nesta versão. Por isso é que “California Sun” está – muito apropriadamente – incluída no álbum Leave Home. É para acelerar o carro no embalo de um par de acordes ou ouvir de cerveja fresquinha na mão; para bater palmas ao compasso da bateria ou cantar em coro com a pandilha. Hey Ho! Let’s Go!! Hey Ho! Let’s Go!!






Nuno Catarino
“No Regard”
Vincent Gallo

Numa altura em que Vincent Gallo regressa às salas de cinema, magnífico em Essential Killing, o actor/realizador/músico/provocador/etc. participa também com uma canção na banda sonora do documentário Wretches & Jabberers. A composição - música e letra - é original de J. Ralph, sendo transformada pela interpretação de Gallo, que investe a canção com a mesma beleza e doçura que fez de When (Warp, 2001) um dos grandes discos desta década - infelizmente insuficientemente valorizado. Candura instrumental, voz melosa e um trompete que fecha a canção de forma perfeita. Banda sonora ideal para os mergulhos melancólicos de fim de tarde na piscina.

“La chica vampira”
Papa Topo

Depois do magnífico sucesso dos rebuçados indie-pop “Oso Panda” e “Lo que me gusta del verano es poder tomar helado”, a dupla de Adrià e Paulita regressa num formato mais rock, com a irrestibilidade do costume. “La chica vampira”, apenas o segundo EP da banda (!), mostra esse lado rock mais assumido, sem perder aquela faceta “teen” e uma aprumadíssima eficácia pop. Desta vez não há pandas nem gelados e a rapariga vampira vai resistir à luz do sol, porque o que nós gostamos no Verão é ouvir os Papa Topo sem parar. Já os vimos no Milhões de Festa, fofos como sempre os havíamos imaginado, mas isso já não nos chega. Para quando um álbum?

“Stardust”
Peter Evans Quintet

Em 1927 Hoagy Carmichael compôs a melodia que serviria de suporte à letra “the melody haunts my reverie”. Em 1931 Louis Armstrong interpretou o tema, injectando um brilhante e revolucionário solo improvisado de trompete que anunciou o futuro do jazz, que funcionou como prenúncio do bebop. Em 2011 o trompetista Peter Evans reinventa o clássico, seguindo na proximidade a linha de Stachmo, com extrema reverência à melodia e, simultaneamente, consciência contemporânea (destaque para o subtil mas reluzente contributo electrónico de Sam Pluta). É o tema que fecha o magnífico disco Ghosts (mais uma obra-prima de um músico que está a revolucionar o jazz e a música contemporânea) e a prova que a luminosidade sobrevive à brisa de Setembro.




Nuno Leal
"Seaside Weekend"
Isabelle Antena

Quando se leva a memória a banhos, mergulha-se inevitavelmente num dos mais esquecidos hinos estivais de sempre, daqueles que aquecem qualquer cenário, seja o triste verão belga, seja o quente Algarve, seja o subtropical Rio de Janeiro. Capaz de derreter até o Pólo Norte, a versão original de "Seaside Weekend" tinha um cunho mais DIY e New Wave, perfeitamente encaixado no som inicial dos Antena, mítica banda francesa que produzida por John Foxx inventou o electro-samba e deu-nos a melhor cover de sempre do clássico "Garota de Ipanema" (perdão Astrid). Duas gringas mulheres que não sabem sambar, duas francesinhas, mudaram a palavra Girl para Boy e criaram um falso submundo tropical que se estendeu de Paris a Bruxelas, onde Isabelle, uma das Antena, se fixou por problemas logísticos e de compreensão. Os belgas, vá-se lá saber porquê, sempre gostaram mais da sua música do que os franceses ou mesmo os ingleses. E pronto, corta a história para uns anos mais tarde, e para esta releitura, quiçá a mais clássica, de "Seaside Weekend". 1986, Stereolab french-brazilian-style uma década antes; chill-out uma década antes; Nicola Conte, Kyoto Jazz Massive, Rainer Truby uma década antes; Gilles Peterson uma década antes. Fãs em todo o mundo onde se contam Koop ou Thievery Corporation. Fãs de uma menina que um dia adolescente foi au-pair dos filhos de Rick Wakeman e assim aprendeu inglês. Mas não o suficiente para dizer "chairs" em vez de "chèrrres". Maravilhoso.

"A Place in the Sun"
Marine Girls

Banda inicial de Tracy Thorn, as Marine Girls deixaram-nos um legado intenso de canções pop perfeitas, circulando em regiões de minimalismo melódico como só antes os Young Marble Giants ou as Raincoats haviam chegado. Vozes celestiais, baixo proeminente, guitarra eléctrica de riffs tão simples que relembram as naifs teens The Shaggs, percussão rara e muito ocasional. Verão inglês de gaivotas a passear no céu-uma-vez-na-vida-não-nublado com acessos de sol e calor intercalados por chuvas súbitas e nevoeiros que vêm do enganador mar cor das Caraíbas que no fundo é gelado, gelado. Melhor ainda, se houver um pontão cheio de luzes, uma roda gigante e algodão doce. Aqui canta Gina Hartman, ao lado de Tracy antes de ganhar dinheiro com os Everything But The Girl, mas os traços de Tracy vivem neste tema como em muitos outros em que é ela que canta. Isto é a maravilhosa música de Tracy no seu período Cherry Red, a Cherry Red no seu maravilhoso período "Pillows and Prayers". E não resisto, de cerejas no topo do bolo percebe a Cherry Red.

"Forever Dolphin Love"
Connan Mockasin

Nova Zelândia tem ares de psicadelismo. É um país tão belo e tão mestiçado culturalmente que dá em destino utópico de psiconautas de todo o mundo. E a terra de The Chills, The Clean, The Bats, The Ruby Suns, traz-nos sem The os que eram antes Connan & the Mockasin e agora apenas Connan Mockasin. E traz-nos este hino de verão lisérgico, promessa de um dos melhores discos de 2011, com o mesmo nome. Carta sinfónica de amor aos golfinhos que agora já reaparecem por aqui no Tejo. Aliás, confesso, se um dia destes à boleia de um cacilheiro vir um golfinho, acho que de imediato ouvirei um espírito santo de orelha a sussurrar-me "forever dolphin love a-ah-aaa-ah-ah" como este louco Connan Hosford. Uma voz perfeita para mergulhar nos lugares-comuns de Syd Barrett ou de Robyn Hitchcock. Lugares-comuns que nunca são vulgares. Experimentem com cuidado. Verão que não.




Paulo Cecílio
"Analog"
Tyler, The Creator

Será que é porque Tyler é dono de um dos melhores discos de 2011, até agora? Será que é porque "Analog", a malha, contém em si toda uma temática de verão e de passeios junto à água? Será que é porque o beat nos lembra o início da década de 90, quando Dr. Dre era dono e senhor do mundo? Ou será que é porque mesmo que haja um verso que diga You could bring an eighth / I'm not gonna smoke a vontade é de enrolar uma e soprar fumo para o céu azul? É por todas estas razões, e por outras que possivelmente hajam. Mas é mais porque é mesmo uma canção incrível feita por um puto que, também, começa a tomar conta do mundo juntamente com a sua crew. Que nenhum meme parvo nos leve a pensar o contrário.

"Ça Plane Pour Moi"
Plastic Bertrand

Há dias, um duo twee espanhol onde se conta uma menina bastante atraente, com um nome muito bonito e uma idade mágica e propícia a certas e determinadas coisas decidiu tocar esta canção ao vivo. O resultado foi um falhanço miserável, como aliás o é a sua restante discografia. Assim, resgatemos Plastic Bertrand - que até só colocou aqui o nome, visto agora saber-se que nem é sequer ele que canta no original - das garras do oportunismo infantil e devolver a "Ça Plane Pour Moi" as guitarras punk (e o saxofone) que fez dela um hit há mais de trinta anos. Esta não é uma canção de verão per se, mas é uma canção que fala sobre coisas que acontecem no verão. Nomeadamente, apanhar uma bebedeira tremenda e engatar/ser rejeitado por gajas. Ou não?

"So Nice (Summer Samba)"
Astrud Gilberto

Não há verão sem samba. Assim como não há verão sem amor, sem paixões repentinas que nos deixam, mal terminam, com a sensação de irmos acabar sozinhos e/ou rodeados de gatos (vulgo foreveralone.jpg). Assim como não há amor sem a voz doce de Astrud Gilberto a beijar-nos os ouvidos e sem esta versão que fez para "Samba De Verão", aliada ao órgão de Walter Wanderley. Uma versão que é aqui colocada por dois motivos: 1) é precisa uma canção para os últimos dias do verão quando a tristeza toma conta de nós e 2) é precisa uma canção que acompanhe o mojito ao fim de tarde. E "So Nice" consegue a proeza de cair bem em ambas situações. Não que precisasse sequer de razões, porque, afinal de contas, se trata de Astrud Gilberto. Muito respeitinho, 'tá?




Pedro Rios
"Sunshine Baby"
Clout

Descobri esta malha através do edit que Slight Delay (Tiago Miranda) fez. Não importa. O que interessa é a força deste tema, reggae bastardo como só um grupo que tem tanto a ver com reggae como este Verão com calor podia fazer. Andei pelo YouTube a picar de vídeo em vídeo a ver se os Clout tinham mais alguma coisa de jeito. Não encontrei, o que só me dá mais gozo ao ouvir este épico veraneante, um lado B que é ouro (há um apelo qualquer em canções que são um milagre numa discografia). A coisa bamboleia-se (nem é bem funk, nem é bem reggae), as guitarras pingam wah wah, há sopros a voar, miúdas a cantar que se fartam. Não estranha que Tiago e DJ Harvey se tenham perdido de amores por este glorioso acidente de 1979.

"Castiço o teu Nudismo"
Aquaparque

A explicação de André Abel dada ao Ípsilon cai que nem uma luva neste espantoso tema de Pintura Moderna (2011): "Em nem sei se somos mesmo uma banda. Se calhar estamos mais próximos de um duo sertanejo, como Lucas & Mateus, ou um duo tecno, como Burger & Voight". Percebe-se ouvindo: é uma canção que são duas, cada uma dela sustentada num sample repetido até ao infinito (o que faz dos Aquaparque tanto uma banda como produtores). O primeiro mete-nos na selva e aguenta as explorações de teclados de Pedro Magina e a voz sonâmbula de André Abel (estranha-se e entranha-se); o segundo rouba o êxtase de uma qualquer malha disco/funk e põe-nos na pista. Da selva para a pista, com os Aquaparque. O Verão também pode ser isto – ou não?

"When I Get Old"
Descendents

"I punched a dude in the face for saying that Milo is ripping off Rivers from Weezer. Some people need educated fists to the grill". Este comentador do YouTube está cheio de razão e o tribunal há-de lhe dar razão. É preciso saber o abecedário do rock antes de começar a balbuciar palavras. Milo é o imortal vocalista dos Descendents (e inspiração para o símbolo definitivo do rock nerd), autores de imaculados hinos pop-punk contra a rejeição das miúdas e o tramado que é crescer. Esta é uma delas: guitarras palm muted a pingar emoção (sim, é possível, seus indies enconados), um refrão pronto para ser assobiado enquanto descemos a rua de skate e uma letra que nos faz verter uma lagrimazita ("What will it be like when i get old/Will i still kiss my girlfriend and try to grab her ass/Will i still hate the cops and have no class"). Agora que sabemos o que é crescer, podemos só dizer que não é bonito. Valham-nos os Descendents.




Rafael Santos
"Set The Tone"
Ossie

Primeira vez que ouvi este tema foi acompanhado do video-clip e, sabe-se lá porquê associei tudo a puro hedonismo, libertinagem; é dançar até tombar, Verão, calor, noitadas, gajas. Pode ser tudo vontade individual de procurar um escape à treta do dia-a-dia. Sinceramente cheguei à fase do ano em que não quero pensar na música, apenas regozijar-me com ela; e este "Set The Tone" faz exactamente o que o título sugere. Ossie estreia-se no catalogo da Hyperdub e estreia-se bem com este EP que começa com esta incrível "malha" - que de momento pode ser considerada de Verão. Estava inicialmente planeado nesta subjectiva mini-lista (tipicamente sazonal de um Bodyspace com vontade de ir "laurear a pevide") o impressionante "La Eterna Felicidad" de Shawn Lee e sua orquestra Ping Pong acompanhado de Bardo Martinez, mas os imprevisíveis amores do Verão levaram-me à promiscuidade e à súbita mudança de vontade. Eu sei que não é muito criterioso de quem normalmente racionaliza a música mas, what th'a hell, a única coisa que pretendo de momento é mesmo ouvir o que me apetece e não ser picuinhas com nomenclaturas e pormenores de produção. Esta é mesmo para curtir.

"Know Where "
Holy Other

E se o tempo abrandasse o suficiente nos momentos mais singulares da nossa existência? Se fosse possível derrubar a ditadura dos ponteiros? O que fariam com esse privilegiado super poder apenas ao dispor dos heróis da ficção-cientifica? Holy Other lá descobriu como desafiar a matemática universal e é um dos super-herois do momento pela magia voluptuosa que distribui pelos menos dotados na manipulação do tempo. O melancólico EP Whit U foi operado nessa solitária, complexa e utópica área do Universo que disponibiliza a uns quantos iluminados da pop a gestão do tempo e do espaço; eis o resultado final capaz de puro deleite nesta realidade, hipnotizando-nos com melodias etéreas e vaporosas, texturas abstractas, ritmos em câmara lenta, vozes fantasmagóricas. Enquanto se escuta, tudo parece estar a uma outra velocidade; oiça-se atentamente "Know Where", tema de abertura do referido EP, que nada mais é senão a contemplação da vida em slow motion, uma contemplação sentida que nos permite uma lenta e atenta observação de todos pormenores da vida, de preferência os mais belos. Inspirador, portanto.

"Fragments"
Thievery Corporation

A silly season tem destas coisas. Os Thievery Corporation vão e vêm. Álbum sim, álbum não vão me renovando o interesse simplesmente porque - quando estou predisposto a isso - a sua música calha bem nesta altura de breve hibernação dos critérios mais exigentes. Os seus discos são um tipo de blockbuster musical de Verão que se esforçam para serem entretenimento, simples entretenimento, aprazível entretenimento e pouco mais. É a única explicação porque aparecem sempre na mesma altura e sempre com a mesma atitude de indagação em territórios revirados vezes sem conta, até pelas suas próprias mãos. No alinhamento dos seus discos (que nada mais fazem que dar mais do mesmo), aparecem momentos que tocam no sítio certo, que sabem o que estão a fazer, revelando competência (julgada perdida), sentimento puro e um mise-en-scène inspirador. E não impressionando a razão, provocam emoção. Fragments é isso mesmo, uma paixoneta momentânea que sempre que se ouve, torna-se banda sonora para um momento especifico. Não é música capaz de desafiar quando o espírito melómano governa a lógica, mas é música que o coração entende. E isso, por vezes, é o que mais interessa quando se pretende puro amor a gerir a harmonia interior. Haja paz!




Rodrigo Nogueira
"More, More, More"
Andrea True Connection

Não é bem uma cantiga de Verão, mas já foi samplada numa canção soalheira: "Steal My Sunshine", dos Len. Faz-me lembrar dois dos meus pedaços favoritos de ficção, o Last Days of Disco do Whit Stillman, em que se dança ao som da canção original, e o Parks and Recreation, em que a "Steal My Sunshine" é usada pela protagonista para ilustrar o medo de que ela, tal como os Len, seja uma one-hit wonder. É uma canção incrível de disco-sound, com uma produção maravilhosa e uma história fantástica que aprendi no 100 Greatest One-Hit Wonders do VH1, um épico apresentado pelo William Shatner em 2002. Basicamente, a Andrea True era uma estrela porno, e algures no final dos anos 70 foi à Jamaica filmar (anúncios, não pornografia). Pagaram-lhe, mas houve uma crise política na ilha e ninguém podia sair de lá com dinheiro. Por isso, investiu o dinheiro numa sessão de gravação e fez-se história.

"Higher and Higher"
Wet Hot American Summer

O artista desta canção não se chama mesmo "Wet Hot American Summer" (esse é o nome do filme hilariante em que a cantiga aparece), mas é mais fácil escrever isso do que "Craig Wedren e Theodore Shapiro", os responsáveis por ela (o Craig Wedren é mais conhecido como "o gajo dos Shudder to Think"). É um pastiche das canções inspiradoras dos filmes dos anos 80, e funciona na perfeição para ilustrar uma montagem de imagens do Michael Showalter a ser treinado pelo Christopher Meloni do Law & Order (para quê nunca percebi bem). E não só. Muitas vezes ando na rua com isto na cabeça, e ainda por cima o filme – que já é um clássico moderno – faz dez anos este ano. Prestar-lhe homenagem fica sempre bem. Adoro aquilo, apesar de não me identificar minimamente com a cultura americana dos campos de férias (só com o facto daquela gente toda ser hilariante). Ainda para mais, a Amy Poehler faz parte do elenco, o que faz com que seja a segunda canção seguida em que há uma referência a ela (é a tal protagonista do Parks and Recreation).

"Peg"
Steely Dan

Há duas associações que faço a esta cantiga. A primeira é, obviamente, "Eye Know", dos De La Soul, a melhor canção de amor da história do rap que sampla grande parte de "Peg". Além disso, aparece no Yacht Rock, a série online sobre a demanda de um conjunto de pessoas (Michael McDonald, Kenny Loggins, Christopher Cross, Steely Dan, etc.) por "smooth music" (e não só, também era sobre a incredibilidade da barba do McDonald). Se nunca viste, por favor, pára o que estás a fazer e vai ver. Tem os Hall & Oates como antagonistas, gajos fodidos das não menos fodidas ruas de Filadélfia e milhares de cameos de gente fixe. "It's your favorite foreign movie"? "I know I love you better"? Os sopros? A guitarra? A linha de baixo? A voz inconfundível e portentosa do Michael McDonald nos coros? É foleiro, especialmente na parte do solo de guitarra? Claro, mas também é brilhante. Esta merda sabe a sol. Do princípio ao fim. Quando eu penso em sol oiço isto na minha cabeça.




01/08/2011