Songwriters extra
· 02 Set 2006 · 08:00 ·
© Teresa Ribeiro

 

Refree
La Matrona
Acuarela / Popstock!
2005


Chega a atingir pontos absurdos a atracção dos espanhóis por objectos musicais evidentemente genéricos. No palheiro que tantas vezes são as rádios castelhanas, a marca reconhecível de alguém é quase sempre a agulha que se procura. Em que outro país Los Planetas seriam merecedores das honras que, por compromisso, se prestam aos Mogwai? A madrilena Acuarela goza de considerável prestígio entre o meio indie ibérico e muito tem feito por atrair até esta ponta talentos que importa manter por perto (vide Destroyer ou Xiu Xiu). Na verdade, a Acuarela até dispõe de alguma margem de erro. Pena que tal porção seja totalmente ocupada pelo descalabro cometido por Refree neste insípido e banal La Matrona. Em intimidade, Refree responde por Raül Fernandez e conhece os favores instrumentais de uma fatia considerável do jazz da Catalunha – onde se encontra sedeado o mentor do projecto que opta por cantar na língua própria da província do nordeste espanhol . Em disco, Raül Fernandes desespera por colocar de pé um qualquer manifesto de escritor de canções à procura de beleza interior – o disco perde-se em mil clichés que incidem em momentos ternos em que alguém revelou o seu encanto. Uma chatice. Existe piano a rodos, instrumentos suficientes para compor uma orquestra, a sensação de estarmos perante uma versão assexuada de Aimee Mann condenada à banalidade. Durante “Batís”, o compositor ilude-se de que se encontra acompanhado ao piano por Brad Mehldau, mas desconfia-se que o mesmo estivesse ocupado em obter arranjos para versões de Radiohead.- “Batís” é coisa para fazer as delícias de yuppies em plena crise de identidade. Quando à derradeira faixa “L’ Herència” se escuta algumas palavras em inglês, instala-se a sensação de se ter aterrado no paraíso. Exacto, até porque o tortuoso La Matrona termina logo de seguida. Miguel Arsénio

Dominique A.
L’Horizon
OlympicDisc / Wagram
2006


Há que ter cuidado com a displicência com que é encarada a música francesa. À parte fenómenos como os Air ou Yann Tiersen que almejaram garantir entre nós a sua quota de respeito e simpatia, a tendência de menosprezar a “chanson française” pela desconfiança bacoca de que já não surpreende nem traz nada de novo, tem de acabar o quanto antes. Não é altura de virarmos insistentemente as costas às produções do hexágono gaulês, sob pena de passarmos ao lado de discos de sólido potencial. Têm-se assumido exemplos ilustrativos desse baú recheado as criações de, entre outros, Françoiz Breut, Benjamin Biolay ou Dominique Ané. Chegados a este último, devemos com alguma vergonha constatar que o espólio deste compositor tem-se mantido largamente negligenciado entre nós, apesar de L’Horizoni, que agora conhecemos, ser já o seu sétimo registo de originais. Vejamos de que se trata. Ao longo das onze faixas o toque assume sempre contornos minimalistas, marca que o intérprete francês ousou abandonar em registos anteriores e que agora recupera. Não se entenda por minimalista, despojado de arranjos ou acrescentos instrumentais variados. O que descobrimos aqui é o recurso a paisagens sonoras lo-fi que engrandecem este registo sem o sobrecarregar de apontamentos inúteis. É o caso do piano, irresistível em “Antaimoro” ou “Adieu, Alma”. De igual forma, e sem darmos por isso, deixámo-nos levar por clarinetes, trombones, percussões divinas disfarçadas de “minimalismo”, cada vez mais um conceito itinerante na sua ambivalência. De resto, é um daqueles casos em que o conforto na audição cresce gradualmente escuta após escuta, resultando fatalmente no vício. Perdido que está para a França o campeonato que arrastou massas neste Verão, quem diz que a França não está apta a vencer noutros campeonatos? Eugénia Azevedo

Faris Nourallah
Il Suo Cuore de Transístor
Awfulbliss / AnAnAnA

Com a adição de Il Suo Cuore de Transistor à sua desequilibrada discografia, Faris Nourallah garante para si mesmo um lugar entre os escritores de canções que persistem em balouçar o seu talento numa corda bamba que oscila entre o arrebatador e o banal. Encontra-se lado a lado com Cass McCombs ou Malcolm Middleton – ilustres iluminados que descartam pressões ao tornarem insolúveis as charadas que os outros entendem como álbuns. É sabido que Faris Nourallah não viveu a mais normal das juventudes (consulte-se aqui a abordagem ao Best Of Near the Sun para se saber mais sobre isso), mas tal não o obriga a, dez anos mais tarde, persistir em cavar um enorme fosso entre as balizas qualitativas dos discos que compõe. “Black Car” - juro – é tão desavergonhadamente fácil e catchy, no ritmo primário e guitarra envernizada por brilhantina, que podia ser o novo “Carocha do Amor”, estrondoso sucesso de um actualmente apagado Luís Correia Marques. A cepa ganha um aspecto ainda mais obtuso quando “I’ll be the Change” aplica ao seu lamento uma guitarra reggae inserida a martelo. “Chaos” aponta para um flamengo tornado caricatura e revela-se - no seu próprio título - ideal para noites de alcoolémia em Salamanca. Salva-se, ainda assim, atempadamente o autor de um Problematico que o era bem menos do que este recente capítulo. Isto porque “Lifeboat” tem bem definidos os pontos onde atracar as suas interrogações até aí à deriva – num órgão sonâmbulo e na voz de Faris entoada como se evadida do corpo em delírio (esse que a escraviza ao slapstick pouco eficaz). Urge também frisar que, a cada novo disco, Nourallah assina nem que seja apenas um par de grandes canções que o distinguem da restante turba (adite-se a derradeira e estelar “Tell me secrets” a essa selecção). O principal problema – e motivo da frustração – reside na falta de graça que acaba por tornar incómodos os pastiches e exercícios evocativos que abundam em Il Suo Cuore de Transístor, que, embora surgido de corpo inteiro, não perdia nada reduzido à forma de EP. Um robot trôpego torna-se ameaçador quando nos ultrapassa a altura da cintura. Miguel Arsénio


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