A caixinha que mudou o ambient
· 20 Jul 2006 · 08:00 ·

Na verdade, a Buddha Machine enquanto objecto (ou gadget) assenta sobre uma estrutura bem mais simples que as implicações e debate que tem semeado entre os aficionados. Uma caixa semelhante a um pequeno rádio transístor contém em si nove loops diferentes que emitem ininterruptamente uma sequência estilisticamente próxima de uma sonoridade ambiente (nem que seja pela ambiguidade). A peça de hardware tem uma saída para phones, um regulador de volume que também serve de interruptor e funciona com alimentação de corrente ou pilhas. Criaram o tal objecto de fetiche Christiaan Virant e Zhang Jian – mais conhecidos como FM3, dupla que cumpre agora uma digressão apostada em dar a conhecer a entusiastas e curiosos as capacidades e flexibilidade que pode alcançar a pequena maravilha de bolso. As actuações sucedem-se na Galeria Zé dos Bois no dia 22 de Julho e no Passos Manuel no dia seguinte (com direito a jantar temático). O Bodyspace convidou quem sabe a contribuir com uma breve perspectiva acerca da Buddha Machine. As opiniões são tão diversas como o uso que pode ter a caixinha que mudou o ambient.

Miguel Carvalhais (Crónica / @c)


Acho a Buddha Machine um objecto bastante interessante pela forma como propõe reinventar a embalagem para a música digital. A BM é sobretudo um reprodutor de loops que, enquanto ficheiros digitais independentes seriam comercialmente muito pouco ao nada viáveis. O contexto criado pela caixa e pelo dispositivo de amplificação monofónico permite que estes pequenos samples sejam não só reproduzidos num contexto coerente como mediados acusticamente por um sistema que, como todos os sistemas de amplificação, "colore" o som de uma forma bastante idiossincrática.

Acho-a também prenunciadora de um possível (e quanto a mim mais do que certo) futuro para a edição e composição musical: a das composições / dispositivos (hard ou software) não lineares, algo que muito provavelmente passará por plataformas digitais (computadores, media centers, etc)... (aconselha-se leitura de texto mais elaborado sobre este tópico em http://www.virose.pt/vector/x_03/carvalhais.html )

Lawrence English (Room 40)

Devo dizer que a Buddha Machine - o objecto original que pode ser adquirido por toda a Ásia e que primariamente servia à criação de mantras em sessões de oração, tal como a variante produzida pelos FM3 - representa um instrumento fabuloso no auxílio que proporciona à edificação de um espaço de som pessoal ou à geração de som. Características essas que certamente conhecerão desenvolvimento no futuro.

Yoshio Machida (Amorfon)

Nunca assisti à sua performance. Mas enquanto criadores de um produto, os FM3 parecerem-me bem interessantes e têm sido bem sucedidos. A própria colaboração entre alguém da China e um ocidental é por si só evidência de frescura. Fosse no início dos anos 90 e ninguém o faria. Parece-me até que este projecto representa a presente China de acordo com um ponto de vista social.

Matt Roesner (M. Rösner / Pablo Dali)

O facto de possuir um background em Arte Sonora e design industrial leva a que me sinta incrivelmente atraído por um produto como a Buddha Machine. Aprecio a ideia do objecto ter sido produzido em massa, e, mesmo assim, ser altamente coleccionável e quase parecer ter sido manufacturado. A Buddha Machine é antítese da revolução MP3. Os ávidos coleccionadores de CDs ou vinil sempre mostraram desagrado face ao conceito de "sacar" faixas e, assim, descartar a oportunidade de possuir o artwork e embalagem própria. A Buddha Machine força a que a embalagem e forma de um lançamento musical voltem a ser equacionadas em plena euforia da geração MP3.

Ralph Steinbrüchel

A Buddha Machine parece-me um excelente trabalho. Por outro lado, o que não entendo totalmente (e parece-me que os próprios FM3 ficaram igualmente surpreendidos) é o sucesso gigantesco que obtiveram com o objecto. Aprecio muito os diferentes sons e creio que o aspecto "barato e plástico" do emissor de som atribui um toque grotesco e quase ancião aos loops (e afirmo-o como característica positiva e não o contrário.

Conjugar uma série delas num mesmo espaço, com loops diferentes, crias uma excelente atmosfera interminável. Adoro isso e gostava de poder comprar uma série delas. Seria interessante que outros artistas fossem convidados a produzir as suas próprias Buddha Machines e, depois, combinar os resultados numa mesma performance. Acima de tudo, parece-me uma certeira e sincrónica afirmação dirigida à tecnologia actual.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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