Como o gato foi à Folk
· 05 Jun 2006 · 08:00 ·
© Teresa Ribeiro


AMANDINE
THIS IS WHERE OUR HEARTS COLLIDE
FAT CAT / FLUR
2005

É praticamente regra do estabelecimento de maior tradição de cada freguesia ocupar a sua parede mais vistosa com um mosaico em azulejos que aponte saudosamente para o um aspecto supostamente secular da praça ou largo onde se encontra. Quem por lá para, não arriscará mais que uma aproximação dos odores e ruídos próprios desses “tempos douradosâ€. This is Where Our Hearts Collide encontra quatro suecos apostados em emular tão fielmente quanto possível a folk e country norte-americana, com a mesma prudência de quem adivinha o passado no brilho do azulejo.

Embora não chegue a apresentar tiques forçados que o desequilibrem ao ponto da redundância da recentemente lançada compilação folk Cowboys in Scandinavia, só muito sofridamente se arrancam de This is Where Our Hearts Collide argumentos que lhe mereçam a prevalência assinalável entre o incessante rol de lançamentos do género. Falta às canções uma personalização de relevo que abunda a norte das barbas habitualmente suspeitas de Sam Beam ou Will Oldham. Ainda que à partida não se condenaria um disco tradicionalmente folk por nunca exceder a marca que o separa do climax, o debute dos Amandine acusa em demasia uma fase intermédia que entedia por não oferecer a substância lírica que exige, por exemplo, o banjo de “Fathers & Sonsâ€. Chegando mesmo demasiadas vezes o disco a estagnar num plano hormonalmente estático (como se fixo num extremo oposto ao da fuck folk de Adam Green). Cumpre o lugar de excepção a segunda faixa "Halo", que conserva um convincente encanto “get it on†sob manto orquestral (raramente surgido no restante disco). Tudo o resto é nostalgicamente corriqueiro. Ãgua de um mesmo moinho. MIGUEL ARSÉNIO

TOM BROSSEAU
EMPTY HOUSES ARE LONELY
FAT CAT / FLUR
2006

Empty Houses are Lonely é um álbum fácil de resumir: calmo, tranquilo, sem sobressaltos. Por vezes folk em estado puro, com vocalizações a fugir muitas vezes para o falsete (pensaram bem, Jeff Buckley) e constantes inflexões pouco ortodoxas, uma boa dose de fingerpicking e apenas um ou outro elemento “estranho†(leia-se adicional) a intrometer-se nas canções; em duas ocasiões, “Hurt to Try†(a mais eléctrica das canções) e “Dark Garageâ€, o registo é mais pop/rock, em regime de “banda completa†(voz, baixo, guitarra, bateria), naquilo que se pode considerar uma aproximação ao universo mais alt-country de, por exemplo, Micah P. Hinson.

Produzido quase na totalidade pelo mentor e protector Gregory Page, o álbum não é mais do que uma recolha de músicas antigas de Brosseau (algumas delas demos, mais dois temas que nunca haviam sido lançados oficialmente, “Bars†e “Hurt To Tryâ€), maioritariamente do período compreendido entre 2001 e 2003 (anterior ao primeiro registo “mais a sérioâ€, What I Mean to Say Is Goodbye, de 2005). O disco acaba assim por ser representativo dos primeiros tempos do músico (natural do Dakota do Norte) em San Diego, na Califórnia, quando as mudanças de casa eram uma constante, incluindo a passagem por um hotel degradado. Há solidão derramada, um forte lado negro (ouça-se “Fragile Mind†ou “How To Grow A Woman From The Groundâ€) e referências constantes a casas (o título do álbum não é por acaso). Tom Brosseau fala de fragilidade, desencanto, desgostos, mas ainda assim consegue emanar paz de espírito. É sincero, por vezes até demasiado directo.

Possível destaque maior do álbum: “Heart of Mineâ€, bela faixa agridoce, com a presença suave de um violoncelo e uma harmónica a seguir rumos mais arriscados do que o habitual no registo folk. Já “The Broken Ukulele†e “Everybody Knows Empty Houses Are Lonely†possuem uma segunda voz, feminina (que resulta particularmente bem no primeiro caso). São duas das músicas mais despidas e também o registo em que o Brosseau consegue brilhar mais: sendo mais delicado (e nem sendo isso particularmente original), parece vir ao de cima uma alma de songwriter que faz sentir que há ali algo de especial. Empty Houses are Lonely cheira a vinil, a analógico, quase parece anacrónico pensar no disco em formato digital. Nem por acaso, no tema-título, há versos reveladores: “The billboard hasn't been changed in a while, used to be in color, now it's black and whiteâ€. Noutro momento, fica-se a saber que “everyone has a broken ukuleleâ€. Tudo isto é folk simpático, tudo isto é folk profissional, tudo isto é folk sentido. JOÃO PEDRO BARROS

DROWSY
SNOW ON MOSS ON STONE

FAT CAT / FLUR
2006

Da Finlândia tem chegado parte da “música de quarto†(chamemos-lhe assim) mais interessante feita em solo europeu. Mauri Heikkinen, o rapaz de 23 anos que assina como Drowsy, é um desses artistas, mas não se enquadra na propalada comunidade psych onde figuram vultos como Es, Islaja ou Kiila. É folk mas daquela que não viu ponta de agente psicotrópico no processo de feitura nem avança por caminhos desconhecidos - tem os pés fixados na canção e todos os desvios são calculados e doseados.

Se na estreia Growing Green, a voz chegava a fazer lembrar Shane MacGowan (Pogues), em Snow On Moss On Stone, novamente com selo Fat Cat, Mauri já não tenta puxar o catarro. De igual forma, o novo disco é um esforço uno e lógico, mais natural e, arriscamos dizer, sincero. Tem pés e cabeça e não é uma simples colecção de canções como é comum com algumas estreias.

“Hues†é canção à Iron & Wine - guitarra acústica dedilhada, cada palavra dita como um suspiro de quem vê a passagem do tempo à sua frente, cada som um pezinho de lã. Da mesma forma, a drakeiana “Go well†é música para ouvir de cobertor nos pés no Inverno - há “perlimpimpins†de xilofone sem pretensões a agraciar a simplicidade do conjunto.

São, contudo, as poucas faixas mais inquietas que guardam os melhores momentos. “When it’ll be snowing†é onde Mauri arrisca mais ir à pop: guitarra eléctrica em rendilhados de aprendiz, bateria mínima a desenhar escaladas discretas e um refrão que é quase só o título do tema a dialogar com as guitarras. “Treehouse†é igualmente folk/pop gloriosamente frágil, coisa que o finlandês, se for esperto, enviará para as conterrâneas jeitosas.

É pena que outros temas não mantenham o nível. “Off You Go All Authors†junta duas notas de órgão a ar em círculos e Mauri a aspirar ao lugar de Jeff Mangum nos Neutral Milk Hotel - tarefa impossível, pois claro. Em “Plangent suite†há um piano solitário e uma paisagem sonora entediante e “Good old odd gold†é igualmente triste e chata. Como acontece com alguns tímidos, é quando Mauri ultrapassa os limites que criou para o seu cancioneiro que nascem coisas boas.

“Snow On Moss On Stone†corre o risco de ser rapidamente esquecido, face à criatividade que tem marcado a folk actual. Mas é um passo importante para fazer de Drowsy algo mais que um simpático (e em momentos francamente bom) artista folk. PEDRO RIOS

SONGS OF GREEN PHEASANT
SONGS OF GREEN PHEASANT

FAT CAT / FLUR
2005

Paul Simon e Art Garfunkel juntaram-se na cidade de Nova Iorque, que não é propriamente o local mais bucólico de sempre para dois rapazes se juntarem para fazer folk, apesar de Robert Zimmerman (Bob Dylan) ter um dia rumado lá justamente para isso. Em defesa deles, acabaram a viver em Greenwich Village, a parte mais bucólica da cidade.

Duncan Sumpner, a par dos Kings of Convenience o mais interessante herdeiro moderno do duo, escreveu e gravou Songs of Green Pheasant numa cozinha em Sheffield, algo ainda menos bucólico, a não ser que seja uma cozinha medieval. Isso faz de Sumpner, automaticamente, o Simon & Garfunkel de cozinha, o que não é nada mau.

Consta que um dia chegou aos escritórios da FatCat uma demo que só dizia Kayak. Os responsáveis da editora apaixonaram-se por aquelas canções e passaram os dois anos seguintes à procura de Sumpner, o autor daquilo. O resto é um óptimo trabalho de masterização de canções mal gravadas num quatro-pistas e de gravação de mais um tema num estúdio mais ou menos a sério para este Songs of Green Pheasant.

Songs of Green Pheasant surge-nos não como o nome de um projecto, mas como o nome de um disco, não havendo mais nada que identifique o mesmo. Em "I Am Daylights" há um drone de fundo que se mantém durante a canção toda, lá atrás, mas que não tira o protagonismo ao dedilhado muito Simon & Garfunkel da guitarra, e às duas vozes, uma delas com reverb, que cantam "Because I am, I am daylights".

Segue-se "Nightfall", onde Sumpner estica de uma forma deliciosa palavras como "snow" e "know", e onde aos dois minutos entra um belíssimo refrão "No, they can't your soul / no, tell me what is a soul", acompanhado por pandeireta e a própria voz de Sumpner duplica para fazer harmonias de voz. Tudo descamba numa parte instrumental soturna, com batidas tribais e um solo de guitarra eléctrica (que vem, literalmente, do nada) cheia de distorção, com os mesmos acordes de guitarra acústica lá por trás, continuando até ao fim, mesmo quando os outros instrumentos já se apagaram. O resto continua sempre por aí, com destaque para os dedilhados acústicos e para o piano belíssimos de "The Burning Man", os assobios de "Knulp", a maior aproximação ao duo americano, e toda a ideia de "Soldiers Kill Their Sisters".

Songs of Green Pheasant não passa de um professorzeco na sua cozinha a cantar um conjunto de canções que passam sempre por montes de reverb, toda uma ambiência de baixa fidelidade, com guitarra acústica delicada e belíssima, percussão esparsa e teclados e assobios, com outras guitarras ou baixos aqui e ali. Mas é fácil perceber porque é que os rapazes da FatCat se apaixonaram por isto, não há propriamente muita variação (uma batida electrónica mais rápida aparece em "The Wraith of Loving" mas é tudo basicamente o mesmo, de resto) mas todas as canções têm pontos de interesse, melodias bonitas e entram após poucas audições. A produção pobre adequa-se perfeitamente ao ambiente que Sumpner quer mostrar (e ajuda a disfarçar o facto de soar tudo a Simon & Garfunkel). Duncan Sumpner, o Simon & Garfunkel de cozinha, tem neste disco um dos melhores discos de canções do ano passado só descobertos devidamente este ano. RODRIGO NOGUEIRA


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