Matando dois coelhos de uma só cajadada #5: A indieferença
· 22 Fev 2006 · 08:00 ·

A verdade – questão: o que é a verdade? - é que a indieferença não é nada má. Não é uma doença, é bem melhor do que muitas outras coisas, não raras vezes produz grandes canções e quase nunca produz grandes discos, ficando-se por produzir bons discos. É por isso que é indieferente. Não é mau, é bom, mas não é grande. OK, é giro, é bom, é vagamente interessante, mas no final do dia não queremos aquilo. É este o caso, por exemplo, dos últimos dois discos de, respectivamente, Mobius Band (The Loving Sounds of Static) e American Analog Set (Set Free).
Agora que, basicamente, o indie-rock já desbravou quase tudo o que tinha a desbravar, é difícil surpreender, e ainda mais difícil fazê-lo por via das canções. Estes artistas indieferentes já se conformaram com isso, e a sua única preocupação é escrever canções, sempre com diferentes graus de sucesso. Se, por um lado, conseguem fazer discos coesos, nunca conseguem ter canções que transcendam os discos, que, mesmo dentro de um disco mais fraco, se evidenciem como brutais ou perfeitas. Porque, temos de admiti-lo, nem os American Analog Set nem os Mobius Band irão escrever a canção perfeita. Pelo meio, deixam apenas canções boas para trás, e discos que podem ser ouvidos do princípio ao fim sem grande preocupação, bem feitos, simpáticos, que não deixam ninguém muito desiludido.

THE AMERICAN ANALOG SET
SET FREE (Morr/Flur), 2005

Basicamente, Set Free soa exactamente àquilo que os American Analog Set normalmente soam: ao mesmo. Acaba por ser virtualmente indistinguível de todos os seus outros álbuns. Só resta saber se isso é bom ou é mau. Não é nenhum deles, é indieferente. É isso. Vozes suaves, teclados, bateria, baixo e uma guitarra acústica não se impõem em â€Born on the Cuspâ€, a primeira canção. Claro, nota-se que há alguma preocupação com a escrita de canções, mas também se nota que os tipos não querem chegar a lado nenhum. Querem apenas existir, não ser demasiado bons, mas também não ser maus. Não são preguiçosos, há bons momentos, não há nada de mau aqui, é tudo extremamente apreciável e tal. As letras são banais, até “Cool Kids Keep Together†pega num cliché indie-adolescente da malta fixe e da malta não-fixe, algo que já foi definitivamente feito muito melhor pelos Descendents nos anos 80 e até pelos Screeching Weasel nos anos 90, tudo dentro do pop-punk. E não faz mal nenhum, quando há melodias bonitas nos metalofones, quando há guitarras suaves e todo um ambiente extremamente delicado e doce. Os American Analog Set não doem, não moem, mas também não chateiam. Set Free é, à falta de melhor palavra, simpático. E nada mais. Alegramo-nos vagamente por ele existir, mas não daríamos pela sua falta se não existisse.

MOBIUS BAND
THE LOVING SOUNDS OF STATIC (Ghostly International/Flur), 2005

O título deste disco é enganador, pois só em raros momentos é que aparecem os tais amorosos sons estáticos, bem controladinhos e politicamente correctos. Antes disso não há absolutamente nada que nos faça pensar nisso. Não, não é um disco de soundscapes ou de barulho electronicamente gerado, ninguém quer ser o Fennesz nem nada parecido. Tal como os American Analog Set, estes tipos existem no meio da estrada, há boas canções, como um todo o disco funciona, não é uma perda de tempo, mas no final de contas não é a nossa primeira escolha para nos aconchegar. São quase como os Postal Service em formato banda completa (bom, são um trio, não são assim tão completos), só que sem as canções fortes a ajudar. Batidas electrónicas às quais se sucedem baterias orgânicas, guitarras normalíssimas, teclados simpáticos, canções banais, tudo calculado ao milímetro, como tanta coisa que já ouvimos antes. Há, aqui e ali, como em “Radio Coupâ€, momentos de franco mau gosto, como o som do teclado (também em “Close The Doorâ€), no meio de referências a Mick Jagger atingido nas costas por uma bala. Há algo que soa quase como um acordeão em “Twilightâ€, numa canção sobre empregos maus do qual o protagonista quer sair, com uma melodia demasiado familiar (problema do disco todo) e lugares-comuns sobre ficar mais velho (“I Just Turned 18†também) e fumar droga, com uma batida electrónica e, no meio, a batida que o produtor Phil Spector usou para “Be My Baby†das Ronettes (e depois os Jesus & Mary Chain usaram para “Just Like Honeyâ€), com alguma distorção no fim (quase os tais sons estáticos amorosos, mas é tudo tão controladinho que se torna aborrecido, como acontece em algumas faixas do disco). Apesar disso, a faixa-título é bem porreira, com um riff simples de guitarra, alguma rapidez, distorção no final de cada estrofe, tema simpático para dançar ou para abanar a cabeça de um lado para o outro, com um refrão mais lento que não é, de todo, a parte mais catchy da canção. A maior pena do disco é, de facto, a última faixa, “Doo Wopâ€, não conter nada desse estilo musical.
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net

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