Viagem ao Olimpo
· 15 Abr 2005 · 08:00 ·
No último mês a minha vida andou numa roda-viva. Advogados, mudanças, aquisição de vários produtos necessários à sobrevivência diária e, finalmente, um abençoado computador para me poder dedicar com mais afinco ao que realmente gosto de fazer: escrever. Foram duas mudanças radicais em apenas seis meses. Mas como apregoa o velho ditado popular, “depois da tempestade vem a bonança”. Espero que sim.

Na última quinzena de Março viajei até Patra, uma cidade portuária e universitária no sudoeste da Grécia. Como não poderia deixar de ser, a música acompanha-me para onde quer que vá. E não levo qualquer coisa. Sempre alguns discos obrigatórios e outros recentes a propósito de trabalho. A lista é pequena:

“Twice The Umbling Sun”, Old Jerusalem
“Rocky Grounds, Big Sky”, The Unplayable Sofa Guitar
“Coming Up”, Suede
“This Is Hardcore”, Pulp
“Roseland NYC Live”. Portishead
“The Greatest Hits”, The Cure
“Tindersticks II”, Tindersticks
“Esta voz que me atravessa”, Mafalda Arnauth
“BD Jazz”, Billie Holiday
“The Club”, Loto
“Best of Bowie”, David Bowie
“Doolittle”, Pixies
“Há já muito tempo que nesta latrina o ar se tornou irrespirável”, Mão Morta

Pode-se constatar que todos eles têm uma conotação com estados de espírito próximos da saudade, da nostalgia e da introspecção. A companhia ideal para quem viaja sozinho, não tem ninguém com quem comunicar na língua materna e gosta de caminhar por avenidas movimentadas de auscultadores nos ouvidos.

Sobre as semanas que passei em Patra, defino-as como das melhores que vivi até hoje. Pela cidade em si. O porto. O mar. As ruas que fazem lembrar a baixa de cidades como Porto, Coimbra e Lisboa, porém mais limpas e bem delineadas. Os edifícios bem conservados. As lojas. Os cafés e esplanadas. Os bares e a música. Mas principalmente pela companhia.

As semelhanças com Portugal são bastantes mas numa coisa estão atrasados em relação a nós: os concertos, tanto de bandas nacionais como internacionais, nos festivais e na oferta de espaços. Na Grécia tudo acontece em Atenas e mesmo assim a oferta é pouca. O preço dos bilhetes também não ajuda. Enquanto pagamos, em média 28 euros para ver um concerto no Pavilhão Atlântico, eles desembolsam algo que ronda os 40 euros. A vida é mais cara e isso reflecte-se em toda a indústria musical.

Acerca da música grega tradicional, a palavra que me ocorre é "deliciosa". Sobre a moderna, pouca, que fica aquém das expectativas. Mas a verdade é que se as bandas são em número escasso, em qualidade posso dizer que surpreendem. Necessitava de aprofundar mais a questão e, para isso, teria que passar lá mais umas semanas. Ao vivo vi pouca coisa. Punk, metal e rock alternativo com claras influências dos Balcãs.

Mas o ponto que mais me interessava explorar em terras helénicas era mesmo a expressão que tinha a música portuguesa por aqueles lados. Após pesquisa exaustiva verifiquei que quase nenhuma. Os Moonspell são a referência principal. Os Madredeus ainda dão mostras de vida e, surpreendentemente, há quem conheça e tenha discos dos Heavenwood. A acrescentar aos dois primeiros, nas prateleiras das lojas de discos, álbuns de Amália e Alexandra (sim, é verdade. Fiquei atónito. Nem sabia o que dizer. Mas ele estava lá e peguei no CD com as minhas mãos e era bem real). Muito pouco para quem tanto quer internacionalizar a música portuguesa. Se os discos não chegam às lojas não se pode pensar em tocar lá fora, pelo menos segundo os conceitos habituais. O fado e um ou outro caso, como o dos já mencionados Moonspell ou dos Fonzie, são a excepção. E não contam os espectáculos para as comunidades de portugueses no estrangeiro. Isso é outra história.

No entanto ouve-se música portuguesa na Grécia. Pouca mas ouve-se. E algumas pessoas, como o proprietário do REC (uma espécie de Hard Club em menor dimensão), tiveram acesso a discos e maquetas de bandas portuguesas. Kafka, Loto, Mão Morta e Old Jerusalem parecem gerar consenso. Quem sabe, pelas conversas desenvolvidas, se ainda não se farão umas viagens às terras do Olimpo?

Fazendo uma análise profunda do mercado além fronteiras provavelmente os portugueses sonham com os mercados errados, como o inglês, por exemplo. A palavra "saturação" e excesso de oferta são a principal característica dos mercados mais apetecíveis. Talvez a porta de entrada não esteja nesses mas sim naqueles em que a dimensão musical ainda esteja um pouco atrás da nossa, não só em termos de concertos mas também de estruturas devidamente solidificadas. A reflectir.
Jorge Baldaia

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