Top 30 2004
· 28 Dez 2004 · 08:00 ·

2004, ah, 2004...ainda nem acabou e já nos parece algo tão longínquo... é algo que já passou, nunca vai voltar. Pertence ao passado. Regressos, consagrações, coisas menos conseguidas, reedições, o Rock in Rio, o Euro 2004, Santana Lopes, muita coisa. Novos artistas, velhos artistas, vários discos. Uns bons, outros menos bons, uns realmente maus, houve de tudo. De tudo para todos. A freak folk, mais propriamente a barba de Devendra Banhart, os piolhos de Devendra Banhart e as orelhas de Joanna Newsom (grrraw), o velhinho rock'n'roll velho/chato/estúpido, a quase morte do electro, o novo metal (não confundir com nu-metal), algumas coisas. Nada de transcendental, e é esse o problema de 2004. Foi um ano assim-assim.

Nesta época é certinho: Natal dos Hospitais, notícias estúpidas na televisão, a Leopoldina com os seus brinquedos e as listas de fim-de-ano. "O que é que eu ouvi?", "O que é que eu não ouvi?", "Será que gostei mesmo disto?". As listas nunca são aquilo que esperávamos quando as começámos a fazer. Nunca. Passamos o ano à procura do "disco do ano". Nunca encontramos. Quando pensamos encontrá-lo, enganamo-nos. Anos depois, arrependemo-nos. É a magia da coisa, só descobrimos a melhor música do ano anos depois, às vezes.

É como a vida. Aliás, as listas são a vida. Ou melhor, representam a vida. Naquele momento, eram aqueles os discos. Foram aqueles os discos. Vamos arrepender-nos, é certo. Mas não faz o remorso parte da vida?

Será que há razão de ser para a listas? Talvez não haja. Mas as listas são divertidas, pelo menos para alguns. Para os que as vêem e descobrem coisas novas, e para os que fazem, sendo o momento em que se finaliza a lista de uma satisfação tremenda. Andar à caça de listas, a fazer listas e a discutir listas é o passatempo preferido dos melómanos no natal. No natal, antes do natal, depois do natal, tudo até ao fim-de-ano.

As listas são injustas. A vida é injusta. Nós somos injustos. É impossível um grupo de pessoas ouvir tudo aquilo que sai durante um ano. Mas não é para isso que servem as listas. As listas dizem o que se achou do ano. Estamos aqui, isto foi o que ouvimos e isto foi aquilo que ficou. O remorso só vem depois. Mas aquele momento de acabar a lista é um momento de satisfação imensa e intensa. E, como já foi dito, o remorso só vem depois.

30
Cocorosie La maison de mon rêve
Touch & Go

A cada ano procedo à eleição do disco que melhor companhia me oferece durante os minutos que antecedem o sono. Os vencedores das edições de 2002 e 2003 foram ( ) dos Sigur Rós e Hold on love das Azure Ray respectivamente. Este ano o Prémio João Pestana vai para La maison de mon rêve das Cocorosie. MA
29
Deadcombo Vol. 1
Sub Pop

Mesmo que o resto de Vol. 1 fosse esterco, só muito maldosamente “Eléctrica Cadente” não teria lugar de destaque num top de melhores temas de 2004. Mas Vol 1. é todo ele mágico. Evoca a noite e a boémia, estateladas em cordas de uma guitarra eléctrica amarga e de um contrabaixo perdido, cruzando-se algures entre as ruas da velha Lisboa e um deserto norte-americano poeirento. Aconselhada a audição a amantes de Paredes, de westerns e de Morphine e a todos os que gostam de uma boa dose de melancolia ao jantar (se o houver). TC
27
Mission of Burma Onoffon
Warp

Os Mission of Burma hão-de ser sempre meio-segredo mal guardado, mesmo que o seu legado bastasse para definir parâmetros ao pós-punk das décadas de 80 e 90. Sem a nada a provar perante amenas expectativas, Onoffon surge quase inesperadamente e prova que a veteranice só trouxe frescura ao som dos missionários. MA
27
Black Dice Creature Comforts
DFA

Ao lado dos Animal Collective, os Black Dice são, talvez, a face mais visível do underground borbulhante norte-americano. Creature Comforts é a representação musical do que seriam animais mecânicos (vade retro, Marilyn Manson) numa natureza ilógica e desconhecedora das leis da física. E há uma novidade no universo Black Dice: a voz. PR
26
Deerhoof Milk Man
Kill Rock Stars

Não é Reveille, esse monstro da pop noise, mas é superior a Apple'O. Boa parte de Milk Man traz as mudanças de ritmo frenéticas, a esquizofrenia de Satomi Matsuzaki, entre a criança mimada e a pestinha do recreio, a guitarra mal tocada com orgulho que admiramos em Reveille. Bastava um tema como Giga dance, dança de feira dos horrores, para destacar Milk Man, mas felizmente há mais 10. PR
24
PJ Harvey Uh Huh Her
Island

O álbum que recupera notavelmente a rugosidade dos primeiros tempos e as trevas embriagantes de Is This Desire é decididamente mais interessante quando se afasta dessas imagens de marca e mergulha numa folk ladeada de brumas. Poucos meses depois de o lançar, Polly disse sentir-se insatisfeita com Uh Huh Her. Já fez melhor, mas, na tarefa de criar um álbum-síntese-de-uma-carreira-mais-qualquer-coisa-nova, dificilmente sair-se-ia melhor. TC
24
Blues Explosion Damage
Sanctuary

"Ladies and gentlemen, this is Blues Explosion!". O uivo de Jon Spencer cai sempre bem e diga-se, a bem da verdade, ajuda a recordar, em tempo de Hives, Kings Of Leon e Strokes em cada esquina, quem manda. Plastic Fang era demasiado colado às lições de Jagger e Richards, mas em Damage a fusão de blues punk com hip-hop regressa em grande. PR
21
TV On The Radio Desperate youth, blood thirsty babes
Touch & Go

Uma das agradáveis surpresas de 2004. Desperate youth, blood thirsty babes subverte um encanto quase Disney a um purgatório de boémia e errantes divagações. Escutado ao volante de um carro, descodificará no retrovisor o tal sinal de TV - deformado e desfocado. Agora resta dar continuidade ao que aqui se encetou. MA
21
Joanna Newsom The Milk-Eyed Mender
Drag City

Joanna Newsom tem orelhas de elfo e uma carinha de anjo. Tem 22 anos, toca harpa e tem uma voz facilmente reconhecível e facilmente confundível com uma voz irritante. Escreve belas canções e interpreta-as com uma graça própria que acaba por ser brilhante. RN
21
Brian Wilson SMiLE
Nonesuch

Beatles lançam Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. 30 e muitos anos depois, Brian Wilson lança SMiLE, contra-atacando com um atraso incrível. Será que, sem tanto tempo passado, sem tanta droga consumida e sem tanta alienação, Brian Wilson teria lançado um disco tão bom? Não sabemos. A história da música pop faz-se destes discos. Talvez Pet Sounds seja superior, mas SMiLE está mesmo lá em cima com ele. E os Beatles que se fodam. RN
20
William Shatner Has Been
Shout! Factory

William Shatner já foi. O seu tempo já passou. Tem 70 e poucos anos. Mas aos 70 e poucos anos descobriu o rock. E Ben Folds. Ben Folds era o puto esquisito que já está a entrar nos 40. Juntar-se a um velhadas como Shatner para lançar um dos discos pop mais surpreendentes dos últimos anos é obra. Prova que Folds, ao contrário do que muitos pensavam, não se perdeu. E que o que já foi, como William Shatner, volta a ser. E é. William Shatner, acima de tudo, é. RN
19
Interpol Antics
Matador

Era difícil fazer melhor que Turn On The Bright Lights, álbum que conquistou meio mundo e deixou a outra metade de dedo em riste e lupa melómana à cata de influências. Podem não acreditar, mas Antics soa a Interpol. O que é óptimo - para metade do mundo. PR
15
Xiu Xiu Fabulous Muscles
Universal

O ódio de tanta gente à música dos Xiu Xiu só pode querer dizer boa coisa. Fabulous Muscles é disco para amar ou odiar, passe o cliché. Pop no fio da navalha, ataques histéricos, a exposição total e obscena de um homem – Jamie Stewart – à frente de um microfone. Não se esperaria que fosse dos Xiu Xiu que surgisse um dos singles rock do ano – “I luv the valley OH”. PR
15
Pluto Bom dia
Polydor/Universal

A história já é antiga: banda acaba, vocalista e guitarrista juntam-se noutra banda. Os Pluto de Manel Cruz e Peixe chegaram em 2004. São uma banda totalmente diferente dos Ornatos Violeta, mais pesada, mas a emoção toda e (quase) tudo aquilo que era bom nos Ornatos está lá. Juntem à receita mais dois bons músicos e só podemos esperar o melhor do rock cantado em português no novo milénio. RN
15
Liars They Were Wrong So We Drowned
Mute

No segundo fôlego de vida, os Liars enterraram os Gang of Four e descobriram os Neubaten e o livro de São Cipriano. Foram-se as guitarras estridentes funk punk, chegou o baixo todo-poderoso para reinar: "We are the army you see through the red haze of blood". Vá, deitem fora as All Star, vistam as galochas e exorcizem o Diabo com Angus Andrew. We're doomed, we're doomed! PR
15
Devendra Banhart Niño Rojo
Young God

O segundo tomo das gravações de Devendra editadas este ano ficou ofuscada pela grandeza e chegada em primeiro lugar de Rejoicing in the Hands. Porém, canções como "Little Yellow spider" (na velha tradição folk de louvor aos animais), "At the hop" ou "We all know" transpiram G-É-N-I-O por todos os poros. Se Devendra o é, não sabemos, mas depois de o ver em Santa Maria da Feira e ouvir em dois álbuns magistrais, apetece arrumar a questão e canonizar já o protegido de Michael Gira. PR
14
Comets on Fire Blue Cathedral
Sub Pop

2004 marca também a subida ao escalão mais mainstream do indie da psicadelia norte-americana - quem diria, há uns anos, que os Comets editariam pela Sub Pop? Menos directo que o homónimo e mais planante que Field Recordings From The Sun, Blue Cathedral é o disco perdido numa trip dos vossos pais, os Sabbath, os Floyd e os Hawkwind com cérebros torrados. PR
12
Dillinger Escape Plan Miss Machine
Relapse

Na altura em que as suas avassaladoras prestações ainda antecediam à performance dos System of a Down, poucos seriam os que adivinhavam nos Dillinger Escape Plan letais pontas-de-lança de um novo metal. Miss Machine não só confirma esse estatuto, como faz dos DEP os messiânicos magos possuidores da fórmula secreta que dá acesso à combustão de brutalidade, frenesim matemático e sombra de melodia, sem que o resultado seja desastroso. MA
12
Air Talkie Walkie
Astralwerks

Sabe-se que uma linha recta é a menor distância possível entre dois pontos. Talkie Walkie é um elo entre o melómano que não torce o nariz à sua condição humana – sim, porque o ser humano é sensível por natureza a coisas simples e despretensiosas como um assobio e uma melodia de guitarra acústica – e o puro deleite auditivo. CC
11
Clã Rosa Carne
EMI

Em Rosa Carne, os Clã excederam-se na elegância, na sensibilidade pop e na poesia escrita por outras mãos, mas interpretada de modo sempre irrepreensível. Estórias apaixonantes de manequins, vacas, beatas de véu ou donas de bordel à distância de um toque em corpos rosa. Para confirmar, escute-se, por exemplo, um segredo já pouco guardado: “Crime Passional”, um dos mais belos e desconfortáveis apontamentos baladeiros do ano, com marca ensanguentada de Adolfo Luxúria Canibal nas palavras. TC
10
Modest Mouse Good News For People Who Love Bad News
Epic

Seria difícil manter o enorme talento de Isaac Brok em segredo por muito mais tempo. A aclamação quase generalizada da crítica face a The Moon & Antartica servira apenas de antecâmara a uns Modest Mouse prestes a arrecadarem merecidos dividendos. Good news for people who loved bad news é a agenda noticiosa que sumariza 10 anos de excelente indie aos ouvidos dos mais desatentos. MA
9
!!! Louden Up Now
Touch And Go

Quem não pode sai de baixo. O fluxo de Louden up now só cessa com o raiar do sol. De Sidney a Los Angeles, do Club Kitten à discoteca improvisada na garagem da vizinha, do cruzeiro ao TGV. A orgia rítmica esgalhada pelos !!! é perigosamente contagiante, mas capaz de fechar o mundo na palma da sua intensidade. Se nem sequer o pezinho bater no chão, é favor consultar um especialista. MA
8
Kings of Convenience Riot on an Empty Street
Astralwerks

Os Kings of Convenience são Erlend Oye e o outro gajo. Esqueçam o outro gajo, ele é só a voz principal e ninguém sabe o nome dele. Sabe-se, sim, que os KoC são Simon & Garfunkel para o século XXI e temas como "Homesick", "Misread", "Know How", entre outros, são dos temas do ano. E também temos Leslie Feist à mistura. Há um tema chamado "I'd Rather Dance With You". A menina dança? RN
7
Beastie Boys To The 5 Boroughs
Capitol

O ansiado regresso dos três fantásticos de Brooklyn fica para os livros como um dos flagrantes mal-amados deste ano. Se a homenagem à cidade que os viu nascer era perceptível, houve quem não se deixasse contagiar ao ponto de integrar a nação sob o signo de "three Mc's and one DJ". E, tal como fica aqui provado, ao old-school basta isso. MA
6
Morrissey You Are the Quarry
Attack

5 anos e uma casa em Los Angeles construída por Clark Gable para uma da suas amantes depois, Morrissey regressa. O miserabilistas ficam felizes, e nós também. Temas como "Irish Blood, English Heart", "The first of the gang to die", "Let me kiss you" e "The World is full of crashing bores" mostram como aos 45 anos pode ser-se velho e soar fresco e refrescante como sempre. RN
5
Mão Morta Nus
Cobra/BLITZ

Nunca os Mão Morta arrepiaram tanto como em “Morgue”, nunca foram tão longe como em “Gumes”, nunca tínhamos balançado a anca como em “Estilo”. E isto 20 anos depois. Há novos caminhos para os Mão Morta e, sobretudo, uma vontade de não parar que surpreende o ouvinte de música portuguesa. Um dos discos do ano, mais do que um dos discos portugueses do ano. PR
4
Devendra Banhart Rejoicing in the Hands
Young God

Devendra Banhart não deve tomar banho, cortar o cabelo e fazer a barba há vários anos. Também tem ar de quem mora na rua. Se mora numa bruta vivenda em Cascais e toma banho todos os dias, não sabemos. Tem uma voz tremendamente esquisita e uma forma peculiar de tocar guitarra. Isto pode ser confundido com não saber nem cantar nem tocar, mas não deve. Deve ser confundido com arte, que é o que é. RN
3
Franz Ferdinand Franz Ferdinand
Domino

E a quem é que importa que isto já tenha sido feito 45 vezes nos últimos 20 anos? A nós não – quer dizer, um ou dois de nós sofrem ataques de sarna devido à coolness de Alex Kapranos e a este rock que fica a meio caminho da pista de dança. Eu cá acho que há hypes que vêm por bem. CC
2
Sonic Youth Sonic Nurse
Geffen

Os velhotes a quem mais devemos dentro do indie-rock e suas periferias continuam por cima. Talvez mais mansos, é certo, mas capazes de gerar maremotos como “New Hampshire” e no instante seguinte nos deixar derretidos com a beleza que sai de guitarras como as de “I Love You Golden Blue”. CC
1
Animal Collective Sung Tongs
Fat Cat

Sung Tongs é uma Caixa de Pandora aberta com um pé-de-cabra. Dela emanam misticismos vários, folk maior que a vida e hinos primordiais. A dimensão do disco é tal que não seria de estranhar se uma nova seita religiosa o elevasse a Sagrado. O ano teria de passar pelo Animal Collective, nem que fosse pelo mais brilhante dos menos prováveis singles do ano: "Who Could Win a Rabbit". MA

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