Tone of a Pitch
· 17 Mar 2004 · 08:00 ·

Do jazz diz-se ter nascido em New Orleans algures no início do século passado, sendo que apenas em 1917 surgiu a primeira edição, através da Original Dixieland Jazz Band. Nesse período houve muitos músicos, muita música por gravar que não teve a oportunidade de se perpetuar e que, como tal, perdeu-se para a Humanidade.
Da Tone of a Pitch (TOAP) sabe-se que nasceu em 2001, numa época em que proliferavam os festivais de jazz e, caricatamente, as editoras fechavam.
Entenda-se o paralelo, sendo que a TOAP pode ser compreendida como a peça que não permitirá que se forme outro vazio, que haja um hiato, que não só iria prejudicar os ouvintes como também os músicos e a sua evolução.
Daí que se tenha dado a junção de André Fernandes e Alex Fernandes e com isso a formação da TOAP. Parece-me evidente que com gravações e edições mais constantes surjam músicos cada vez mais competentes, e ainda mais óbvio que o público seja cada vez mais conhecedor, mais esclarecido e enriquecido. Naturalmente que também o grau de exigência irá subir, formando-se um ciclo vicioso no caminho da evolução.

Uma das vantagens da editora e dos músicos que a representam é a sua total autonomia e independência, evitando dessa forma indesejáveis alterações no processo que inclui gravações, edição e promoção. Será então a TOAP um possível “mecenas” possibilitando a artistas gravações com custos mais reduzidos?
Em conversa, André Fernandes disse-me que "a TOAP proporciona aos músicos uma forma de publicarem o seu trabalho sem restrições artísticas, favorecendo a criação de um catálogo com apenas uma premissa: a qualidade. Com capacidade de gravação, logicamente a editora oferece preços mais acessíveis aos artistas TOAP, mas também oferece bons preços a possibilidade de usufruto do estúdio pelos restantes artistas”.
Para acederem ao universo TOAP, têm como opção o site www.toneofaptich.com, que pretende ser fundamentalmente uma fonte de informação sobre os artistas representados (agenda, biografia, etc.). No entanto, no futuro poderão existir alguns artigos generalistas escritos pelos artistas/colaboradores.
Sugerimos-lhes a entrada neste universo com a perspectiva do Bodyspace dos CD's já editados. MM

Quinteto André Fernandes - O Osso Quinteto André Fernandes O Osso

Gravado num só take, numa tarde como qualquer outra, em descompressão antes de um concerto, O Osso é o primeiro lançamento da Tone of a Pitch, editora de André Fernandes. Se este disco é o resultado de uma vulgar tarde, André Fernandes e os seus comparsas Julian Arguelles, Peter Rende, Bernardo Moreira e Jochen Rueckert vivem variadas aventuras no dia-a-dia, batalham extraterrestres, voam pelos céus a combater o crime, entre outras coisas.

André Fernandes, mentor da Tone Of a Pitch e parte integrante do projecto Spill, é um dos mais interessantes jovens guitarristas portugueses. A sua maneira de tocar é extremamente fluída, refrescante, e, mesmo que se aventure por caminhos não muito usuais, a guitarra de André Fernandes tem um som sempre agradável de se ouvir. E isto transparece ao longo deste disco calmo e relaxado, que é acima de tudo uma boa escuta. Talvez o melhor seja não olhar para ele como um álbum de estúdio, mas sim como música tocada ao vivo, já que, basicamente, é isso mesmo que é. Desta forma, não será um disco perfeito, havendo alguns momentos menos bem captados, como aqueles em que a bateria se sobrepõe ao resto dos instrumentos. Julian Arguelles tem uma linguagem, tanto no saxofone tenor como no saxofone soprano, que complementa bem a guitarra de André Fernandes, enquanto que o Fender Rhodes de Peter Rende vai complementando os dois instrumentos solistas. Tudo isto enquanto Bernardo Moreira, que toca umas bonitas linhas em "Babita" - ainda que o som do contrabaixo não seja o melhor - e Jochen Rueckert mantêm o ritmo. Jochen Rueckert é um bom baterista, que sabe ter força e garra quando o tema o pede, mas também sabe poupar-se nos momentos mais calmos.

André Fernandes mostra o seu talento não só como guitarrista mas também como compositor, conseguindo escrever alguns belíssimos temas, dos quais podemos destacar "Magdit", que começa apenas com o Fender Rhodes e que vai mostrando uma bonita melodia, partilhada pelo saxofonista e pelo guitarrista.

Não é uma obra seminal, nem o tenta ser. É mais uma obra, gravada em mais uma tarde, por músicos que podiam ser músicos quaisquer, mas não o são. São músicos talentosos, jovens, que vão mostrando as suas virtudes ao longo de seis temas, num disco curto, relaxado, sem pressas. É apenas mais um disco, mas tomara muitos discos serem assim. RN

Nelson Cascais Quintet - Ciclope Nelson Cascais Quintet Ciclope

Criado em 2000, o Nelson Cascais Quintet grava Ciclope apenas em Maio de 2001. Nelson Cascais, requisitado contrabaixista, mostra aqui a sua outra face enquanto compositor e líder.
Ciclope é, destes quatro álbuns, aquele que menos se presta à convivência com outros estilos, talvez o mais “puro” e fechado no mundo do jazz. "Redutor", afirmam alguns enquanto os mais puristas aplaudem… No fim, apenas uma forma de expressão.
Com uma secção rítmica sólida, solos energéticos e confiantes brilham com intensidade. É esta a ideia base do disco com o saxofone a cargo de Jesus Santadreu, Avishai Cohen no trompete e Rodrigo Gonçalves e Bruno Pedroso no piano e bateria, respectivamente.
O álbum vive muito da qualidade, criatividade e inovação dos solos, tendo por isso brilho inconstante. Pela positiva há por exemplo “L.W.D”, enquanto “Balada para Sara” fica apenas como mais uma música, sem chamar à atenção ou colar-se ao ouvido. Aquele que poderia ser um disco interessante acaba por pecar e ficar-se pela mediania. MM

Companhia dos Sons - Spin Companhia dos Sons Spin

Companhia dos Sons é o primeiro lançamento de total responsabilidade da TOAP (desde a proposta ao artista, passando pela gravação, edição e promoção), daí que possa ser entendido realmente como o primeiro disco da editora, na medida que o resultado final não teve qualquer outro tipo de influência a não ser a dos músicos e da TOAP.
Spin, da Companhia liderada por Nuno Ferreira, é um disco diferente dos anteriores, como que mostrando que a TOAP está aberta a todos tipos de jazz. “A TOAP tem um grau de exigência elevado na selecção dos seus projectos do ponto de vista da qualidade, e não do género. Nos dias que correm o estilo denominado jazz é tão diverso que abrange músicas que poderão soar totalmente diversas. A TOAP escolhe músicos para as suas edições, e a partir daí (dentro de alguns limites) deixa a escolha do conteúdo musical nas mãos do músico”. Neste caso, Nuno Ferreira escolheu um caminho carregado de influências bem díspares, do fado à electrónica e ao hip-hop, sendo o jazz o elo de ligação entre os vários domínios.

“Rumo Sudoeste” é apenas um dos caminhos percorridos, com claras influências árabes/indianas, sendo que o belo som da cítara acentua essa influência. Uma melodia arrastada e mastigada segue-se em “Atlantic Breeze”, brisa quase que parada, estagnada, num passo lento e preguiçoso, até mostrar toda a sua força com o poder de solos belíssimos e extramamente bem enquadrados.

Desta Companhia podemos esperar uma “Espiral de Sons”, sons diversos sobre ritmos variados, tudo numa espiral chamada jazz. Também há ritmos mais quentes, com “Atlantis Revisited” numa toada samba-jazz com o flamenco à mistura, que no mínimo provoca o típico reflexo pavloviano do amante do jazz: o bater com o pé no chão. Sons mais abafados e mais electrónicos também fazem parte do rol, sendo que não poderia faltar o fado, a tristeza típica dos portugueses à mistura com blues. “Sailboat Blues” seriam os blues se tivessem nascido em Portugal.

Sem dúvida um disco original, com um universo amplo, que transpira inovação. Influências diversas - sabendo ir buscar o melhor dos vários estilos -, que com um fio condutor (a secção rítmica) permitem a qualidade das composições. Uma bela companhia para as mais variadas ocasiões. MM

Jorge Reis -  Pueblos Jorge Reis Pueblos

Jorge Reis, saxofonista e fotógrafo (a fotografia da capa deste disco foi tirada por ele), membro do Sexteto de Jazz de Lisboa ao lado de nomes como Mário Laginha, Mário Barreiros ou Tomás Pimentel, que colaborou com vários artistas portugueses como Sérgio Godinho e Jorge Palma, entre muitos outros, traz-nos Pueblos. Pueblos é um registo que é - ou pelo menos tenta ser - de música diferente. Diferente, para todas as pessoas que são diferentes das outras. Não no sentido em que toda a gente é única, mas sim no sentido das pessoas de diferentes culturas, de diferentes meios e diferentes vivências. Jorge Reis tentou assim fazer um álbum diferente de todos os outros. Claro que, nos nossos dias, é sempre difícil fazer um disco diferente, inovador, que soe como nenhum outro. Mesmo que este objectivo não seja totalmente cumprido, Pueblos não deixa de ser um disco interessante, que se distingue.
O quarto lançamento da Tone of a Pitch é feito por quatro amigos, Jorge Reis, André Fernandes, Nelson Cascais e André Sousa Machado, e não só. De João Paulo Esteves da Silva e Tomás Pimentel, que contribuem com duas composições ("Plebeus" e "Vralsa", respectivamente) feitas de encomenda, Jorge Reis diz que o disco também é deles. Mesmo em temas de outros compositores, Jorge Reis mostra-se muito à vontade, seja no saxofone alto ou no saxofone soprano, tal como os outros músicos. Em alguns momentos, como na primeira faixa, André Fernandes deixa a guitarra soar como um teclado, enquanto que na segunda faixa - um dos pontos altos -, numa composição sua, dois acordes vão dando o mote para um belíssimo tema. Nelson Cascais (que em algumas faixas toca com um arco) e André Sousa Machado, como secção rítimica, vão-se adaptando às necessidades dos temas que andam sempre à volta dos ambientes jazzísticos, mesmo que raramente se aproximem do jazz dito mainstream.
Pueblos é um disco com pinta e com garra, uma prova da qualidade do jazz português que graças a editoras como a Tone of a Pitch vai saindo cá para fora. É acessível a toda a gente, mesmo fora do universo do jazz. O tal objectivo de Jorge Reis - de lançar um disco diferente de todos os outros - não foi propriamente atingido neste Pueblos, mas ainda assim acabou por criar um álbum altamente recomendável. Não vai mudar o mundo, não vai mudar a nossa forma de ouvir a música, mas deixar-nos-á decerto muito satisfeitos. RN

Miguel Marques e Rodrigo Nogueira

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