David Bowie nasceu em mim
· 11 Jan 2016 · 17:42 ·


Foi cancro. Cancro, porra! Dois dias após ter completado 69 invernos e lançado o premonitório Blackstar com ”Lazarus” lá dentro, primeira das músicas assim o anunciou, “Major Tom” morreu. Perdem-se os adjectivos no dicionário, os dedos ficam roucos e as palavras perdem sentido, Bowie afinal de contas não é imortal. Morreu. Um cancro venceu-o. Ficamos a saber que não é imortal mas será, certamente e para todo o sempre, inesquecível…

Como declaração de interesses, nunca fiz parte dessa legião, nunca o idolatrei, nunca fui um fã apaixonado à espera que saísse mais um álbum dele mas, porra! Bowie morreu! Pois é, incontornável, mesmo para quem não é fã…Das diatribes com Andy Warhol, à pop art, ao guarda-roupa excêntrico de Ziggy Stardust, passando pelo teatro ou o cinema, Bowie chegou, viu e venceu.

Enquanto escrevo estas linhas descubro que o dono do bar onde estou sentado é fã de Bowie, fã daqueles. Diz-me que está triste, que foi com Bowie que começou a tocar guitarra, que foi com Bowie que aprendeu a gostar de música, mas que no meio desse lado de perda está feliz. Felicidade de quem se deliciou a ouvir “China Girl”, “Space Oddity” ou “Heroes”. Descubro-lhe a ele, Rafael, de seu nome, o brilho no olhar quando passa Sir David na memória e aí penso que gostaria de gostar, como só quem dele gostou pode gostar.

© André da Loba

Fala-me dos anos oitenta, da monstruosidade boa que a música dele lhe trazia aos dias, fala-me, ainda, da pop para além da pop, da excentricidade com substância e do lado camaleónico. Camaleão, que pela sua voz, fico a saber vem da cor dos olhos e não da indumentária ou da música. Sim, como disse, nunca fui um grande fã de Bowie…Mas é todo este imaginário, esta versatilidade, todo este mundo no interior de uma só pessoa que me faz olhar para ele, Bowie, com admiração e um profundo respeito. Há pessoas que quando morrem, acabam por nascer para outras…

Sinto-lhe a falta na ausência que a sua perda traça nos rostos de quem o ama. Talvez seja isto que me leva a escrever sobre ele ou porque, simplesmente, às vezes não sabemos que amamos até perdermos. David Robert Jones, nascido a 8 de Janeiro de 1947 em Londres. Músico e bailarino precoce, alvorada de genialidade. Começa aí, na escola, a trilhar uma carreira de mais de meio século, meio século que marcou um século. Por isso, falar de David Bowie é falar na falta de palavras no dicionário, é falar na deficiente organização das enciclopédias, porque uma só “entrada” peca por escassa e armadilha a verdade.

Não escrevi a fundo sobre os álbuns nem sobre as músicas, os quadros, as actuações ou a roupa, deixo isso para os outros, hoje, sou apenas um homem que escreve sobre um homem que viveu e fez viver, nasceu e fez nascer bandas, como a primeira que Rafael, o homem do bar, formou. Ri-se por momentos a maldita doença, vitória parca, porque “Space Oddity “ irá viver para sempre e Ziggy Stardust acabou de partir em tournée…
Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com

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