As dez melhores canções de sempre neste preciso momento #27 - Óscar Silva (Jibóia)
· 26 Fev 2013 · 22:51 ·
Quando o André me convidou para escolher as dez melhores canções de sempre neste preciso momento não pensei que seria tão difícil, se arranjasse uma forma de afunilar a coisa. Mas assim que me pus a dar a volta ao iTunes e a escrever nomes, referências, músicas que já não ouvia há anos, músicos que "têm de estar presentes" numa escolha destas, e álbuns (como escolher uma música daqueles álbuns que funcionam tão bem como sendo álbuns, mas que com as músicas separadas não têm a mesma força?), percebi logo que isto ia durar. E durou tanto que já nem sei qual foi o critério da escolha. E ficaram tantos de fora que nem quero pensar mais nisso. Por isso, neste preciso momento, as dez melhores canções de sempre são estas. Sem nenhuma ordem em especial.

 
"Arcarsenal", At the Drive-In: Os At the Drive-In são percursores de muita coisa. Mesmo que não o fossem, 
  são a melhor banda a fazer este rock ou o post-qualquer-coisa que lhe queiram chamar. Esta malha é um soco na tromba. Aos 20 segundos já está ganha. O descontrolo. O querer dizer qualquer coisa, o gritar sem medo. O maior feeling, que é o de fazer porque se sente que tem de ser feito. Enormes.
 
"I Want You (She's so Heavy)", The Beatles: Como aqui já se disse anteriormente, escolher uma malha de Beatles para integrar uma compilação, um top, ou o que seja, é um tormento do caraças. De entre as quarenta que podia ter escolhido, neste preciso momento acho que esta ilustra bem o groove destes quatro e a forma genial como nesta altura já davam a volta a temas que podiam ter ficado esquecidos e presos na época do chá-lá-lá. Este crescendo final é assombroso.
 
"Me and The Devil", Gil Scott-Heron: Tal como os de cima, este senhor tem uma obra ímpar, e é fácil escolher dez canções que o comprovam. Difícil é escolher só uma, mas esta música, apesar de ser uma versão de outro grande senhor, é das versões mais bem feitas que conheço, e o facto de a ter gravado com 60 anos (dois anos antes de ter morrido) ainda lhe acrescenta uma aura mais forte. A voz, quando entra, de quase velho-sem-dentes-que-viveu-tanto, com quem adoraríamos um dia ter bebido um bagaço só para o ouvir contar uma história, só para ouvir aquela voz arrepiante à nossa frente.
 
"Construção", Chico Buarque: Difícil não reconhecer que esta música é das melhores coisas jamais feitas. Se houvesse um estilo chamado "samba-progressivo", esta música era a pioneira, o exemplo, a derradeira. A maneira como vai sendo construída, a partir daquela base simples, a voz, as vozes, a letra, as letras que se constroem e desconstroem até uma apoteose final que não dá para ouvir sem ficar com um nó no estômago, com os músculos tensos, com os dentes serrados. Não conheço melhor construção do que esta, que só o Chico, naquela altura, podia fazer.
 
"After Peace, Swim Twice", Dead Combo: Rara é a semana em que este contrabaixo não me surge na cabeça, em variadas situações, normalmente até sem me aperceber de realmente o estar a ouvir, ou a cantarolar. É daquelas que estão no subconsciente. E a guitarra, com tanto ar, tanto silêncio, que só toca mesmo quando é preciso. E, como estes gajos sabem, é preciso tão pouco para fazer um malhão do caralho.
 
"Prayer to God", Shellac: Arrepio na espinha. Vontade de bater em quem sempre quiseste bater. Partir algo. A sobriedade deste gajo a cantar esta merda. O furacão que vai ali dentro. Sinceramente, não sei como consegue cantar uma coisa destas tão sóbrio, sem partir, foder nada. Eu mal a consigo ouvir. Amén.
 
"Hunting Bears", Radiohead: Mais uma banda (que não é só mais uma banda) em que qualquer música que fizeram podia estar nesta compilação. Cresci com eles e são daqueles que ficaram aqui há muito, talvez por achar que são os melhores a fazer o que fazer, a reinventarem-se, ou mais que não seja a tocarem uns com os outros há tanto tempo, e ainda hoje fazerem tanta coisa, discos à pala, concertos especiais, sei lá. Uma referência antiga. Esta malha não tem metade do que normalmente as malhas deles costumam ter. Ainda assim é das coisas mais bonitas que já ouvi.
 
"Afghamistam", Botch: Os Botch são uma porrada brutal. Quer seja pelas letras, pela guitarra, por aquele baixo que não existe, por aquele gajo a gritar. Uma referência também de há muito, quando começei a ouvir coisas mais pesadas. Aqueles riffs, aqueles contratempos, aquele feeling todo é uma coisa que me impressiona e não deixa ficar quieto. Esta música é a prova que são tão densos a fazer coisas mais pesadas como mais calmas. Esta bateria não existe.
 
"Traz Outro Amigo Também", José Afonso: Pode ser o maior cliché, escolher esta canção do José Afonso como sendo uma das dez melhores canções de sempre. Mas só a primeira frase já diz tanto que podia não dizer mais nada. Esta música é um marco para aqueles que, quando têm os amigos à volta de uma mesa se sentem inteiros. Já para não falar no som deste disco, quando ouvido com phones, é das coisas mais cruas e bonitas que conheço.
 
"This Room", The Notwist: Os Notwist são o segredo mais bem guardado. A banda que consigo ouvir menos vezes. Tenho um defeito estúpido: não consigo ouvir com frequência coisas que me dizem muito mais do que só a música. E quando ouço este Neon Golden vêm me à memória tantas viagens em carrinhas por sítios desconhecidos, tantas coisas que se fizeram pela primeira vez, pessoas que conheci, casas por onde passei, amigos que se tornaram ainda maiores quando passas com eles 20 dias fechado na tal carrinha em que os Notwist andavam em loop no ar que era ali respirado. Quando fazer música passou a ser fazer música.


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