Os “insuspeitos†do costume
· 31 Mar 2003 · 09:00 ·
A Associação Venham Mais Cinco vai organizar, no próximo dia 6 de Abril, em Lisboa, Coimbra, Beja e Santa Maria da Feira, uma iniciativa que contará com a participação de cerca de 100 artistas portugueses, distribuídos por quatro palcos e com entrada livre. Ao que tudo indica o objectivo principal é a protecção da música portuguesa, situação que pretendem ver salvaguardada com a aplicação efectiva da Lei da Rádio que, e como todos sabem, “obriga†a que todas as estações contenham um mínimo de 40% de produção nacional nas suas programações.

Assim, desde nomes mais conhecidos e da velha guarda, como Sérgio Godinho, Jorge Palma e Pedro Abrunhosa, a outros menos falados e de sangue fresco, como Zedisaneonlight, Sally Lune e Yellow W Van, o povo vai entrar em contacto com aquilo que se vai fazendo cá por dentro. Luís Represas, e em declarações ao Diário de Notícias (DN), revela que a ideia que se pretende transmitir é “provar que temos público que nos quer ver e ouvirâ€. Acredito que sim e, sinceramente, espero que seja um sucesso. São iniciativas deste género que mudam o rumo das coisas. Não basta falar, é preciso agir. Se a este mega-espectáculo juntarmos a Quinta dos Portugueses ao Vivo, que tem percorrido algumas cidades por esse país fora, podemos concluir que, finalmente, se começa a fazer alguma coisa pela nossa música.

No entanto, não basta oferecer ao público concertos à borla. Sim, porque é disso que se trata. E para os músicos sobreviverem e poderem continuar a compor precisam de ser pagos pelo seu trabalho. Nesse sentido, espero que estejam a ser pensadas estratégias paralelas que incrementem o “gosto†pela aquisição de obras lusitanas e, por outro lado, no “apetite†para a presença contínua em espectáculos ao vivo. Mas pagos. E quando se fala na obtenção de dividendos pelo trabalho realizado, fala-se inevitavelmente em direitos de autor.

Há pouco mais de um mês o Expresso e a SIC denunciaram graves indícios de gestão fraudulenta na Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), a entidade que gere os direitos de autor em Portugal, entre os quais estão incluídos os da música. Podia ler-se que estavam em causa “o não pagamento de verbas devidas à segurança social e IRS, a existência de factura falsas, a utilização sistemática para fins pessoais de cartões de crédito da empresa, o favorecimento de determinados associados, o incumprimento de recomendações constantes de auditorias sucessivas e várias situações de abuso de poderâ€.

O presidente da SPA, Luís Francisco Rebello, e perante as acusações de que era alvo a instituição, alegou que “só por ignorância ou má fé se pode falar numa situação de falência técnica de uma instituição cuja solvabilidade ninguém pôs em causaâ€, citou o Diário Digital. E a maioria dos sócios cooperadores ficou do seu lado, aprovando uma moção de confiança onde apenas 4 votaram contra.

Afinal, e segundo João Gil, dos Ala dos Namorados e ex-membro da Direcção da SPA, em declarações ao DN, a instituição “deve a Luís Francisco Rebello a luta e entrega de uma vida inteira e, graças a essa entrega, a propriedade intelectual é hoje uma realidade inquestionávelâ€, acrescentando ainda que o senhor “é um garante para a SPAâ€. Talvez, mas a verdade é que as contas da SPA de 2002 confirmam a situação de falência técnica.

Uma notícia publicada no Expresso, na edição de 22 de Março, adianta que, e segundo o parecer dos Revisores Oficiais de Contas, a “SPA fechou 2002 com um resultado líquido negativo de mais de quatro milhões de euros e capitais próprios negativos de três milhões e 800 mil eurosâ€. Se tivermos em consideração que em 2001 os valores líquidos negativos eram de “apenas†600 mil euros, e que os capitais próprios atingiam valores positivos na ordem dos nove milhões de euros, então estamos perante uma situação catastrófica. Como é que é possível em apenas um ano atingir uma situação financeira destas dimensões? Talvez a entrega e dedicação de Luís Francisco Rebello, e de alguns dos seus pares, tenha sido exagerada ao ponto de, e em nome dos autores portugueses, se ter descuidado no aspecto financeiro. E talvez por isso o João Gil se tenha demitido. Surge então uma questão pertinente: como é que de um ano para o outro se atingem resultados desta envergadura? Ficamos à espera de uma resposta, se é que algum dia a teremos.

Mas que se enganem aqueles que pensam que só na SPA existem “movimentações†pouco claras. Segundo a edição de 29 de Março do Público, os subsídios do Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE) estão a ser colocados em causa. Ou seja, o jornal adianta que quatro dos cinco membros do Júri são “suspeitos de terem seleccionado projectos em que participamâ€. Serão prestados esclarecimentos e corre-se o risco de se ver o concurso anulado. Ao que tudo indica as suspeitas foram levantadas por um candidato. No mesmo artigo podem ler-se as alegações de um dos visados, António Lourenço, que afirma que “a única coisa que posso dizer é que não estou envolvido directamente em nenhum projectoâ€. Indirectamente ficaremos à espera do desenrolar deste caso.

Tudo isto apenas para deixar uma mensagem de reflexão: se muitas das instituições competentes simplesmente não funcionam, estão desorganizadas, e em constante clima de suspeita, como é que se pretende que a indústria musical em Portugal evolua? Não temos estruturas e gerem-se mal as que existem. E enquanto assim for, não se iludam, a música portuguesa vai continuar igual e com os mesmos problemas de sempre.
Jorge Baldaia

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