As melhores canções de 2011
· 24 Jan 2012 · 01:50 ·

© Sofia Miranda


Canções há muitas. E chegam-nos de todo o lado, cada vez mais. Mp3, Soundcloud, Bandcamp, myspace, Cd, vinil, Youtube, leitor XPTO, rádio, televisão, iPod, e tantas outras expressões que nos habituamos a incluir no léxico musical nos últimos anos por força da modernidade. Quer queríamos quer não, entram-nos pelos ouvidos dentro, são verdadeiras ditadoras de espaço e de tempo, consomem energia e ar, dão-nos oxigénio. Pois chegou aquela altura do ano em que separamos o trigo do joio, colocamos os pontos nos is. Olhamos para o ano que passou e decidimos fazer o balanço – nunca definitivo, nunca fechado – do que representou 2011 em termos de canções. E demo-nos ao trabalho de explicar porquê. Sem hierarquias, sem somas e ordens: se encontrarem repetições é porque deve valer mesmo a pena. Com sorte ainda acabam com uma playlist para durar a semana inteira, ou três dias, ou uma mão cheia de horas. Consoante o vício e a necessidade.

André Gomes · Bruno Silva · Hugo Rocha Pereira · Nuno Catarino · Nuno Leal · Nuno Proença · Paulo Cecílio · Rafael Santos · Rodrigo Nogueira · Simão Martins · Tiago Dias



André Gomes

 

1

SBTRKT
Trials of the Past

Aaron Jerome sabe-a toda: inventa um baixo gigantesco, empurra uma batida ribanceira abaixo e, como se tudo isto não bastasse, recrutou a voz de Sampha – cheia de soul, cheia de alma – e espalhou pozinhos de magia em cima. Pelo meio, encontrou um refrão de arrepiar. O resto é puro charme, pura classe. Chamem-lhe pós-dubstep ou o que quiserem, mas SBTRKT é sinónimo de grandes canções. Certinho certinho: 2011 teria sido bem mais triste se “Trials of the Past” não tivesse visto a luz do dia.

2

M83
Midnight City

Ah, abençoados sintetizadores celebrizados no final dos anos 70 e culpados, desde então, por tantas paixões assolapadas (algumas delas claramente no domínio da pura irracionalidade). Anthony Gonzalez sabe o seu potencial, sabe como fazer cair vozes de mel numa camada inicial de formosos sintetizadores, sabe como criar canções que se colam ao cérebro. Sabe ainda dar uso ao saxofone (2011 está cheio de bons motivos para adorar o dito cujo) e por tudo isto e mais alguma coisa conseguiu uma das canções que melhor define 2011 no espaço e no tempo.

3

The Weeknd
House Of Balloons / Glass Table Girls

Melhor do que uma grande canção de Weeknd, só mesmo duas canções. “House Of Balloons / Glass Table Girls” são duas faces de mesma moeda: e a moeda é uma coisa que uns chamam pós-dubstep e outros uma espécie de rnb vindo directamente do futuro. Independentemente disso, “House Of Balloons / Glass Table Girls” é uma grande canção. Ou duas. A dividir essas duas faces, uma passagem impossível e improvável de tirar o fôlego. Resumindo e concluindo, esta é uma experiência quase religiosa: abençoadas vozes, louvadas batidas.

4

Gang Gang Dance

Glass Jar

Quem se vê “Glass Jar” começar mal adivinha o que aí vem: mas assim que os seus quase doze minutos se começam a desenvolver e a mostrar encantos, torna-se fácil perceber que “Glass Jar” não é uma canção qualquer – como não é nada em que os Gang Gang Dance ponham o dedo. “Glass Jar” não é deste mundo: os seus sons, aquele crescendo imenso, aqueles sintetizadores, aquela batida, aquela voz: nada disto pertence a este planeta que conhecemos. Esta é, sem sombra de dúvidas, uma experiência extra-sensorial. Levem bússola: o mais certo é perderem-se.

5

PJ Harvey
The Glorious Land

Sejamos francos: havia uma porrada de canções por onde escolher em Let England Shake, o disco onde Polly Jean Harvey se reinventou de forma brilhante. Mas “The Glorious Land” é, para além das cornetas que nos lembram por momentos que devemos activar a protecção contra pop-ups, uma canção brilhante; uma canção eléctrica que recupera, por mais estranho que possa parecer, a beleza e pureza da folk britânica. A magia estava no ar: ainda bem que PJ Harvey a conseguiu captar numa canção que se arrisca a tornar intemporal.

6

Wild Beasts
Reach a Bit Further

Torna-se complicado falar sobre “Reach a bit Further” sem falar na sua irmã-gémea, “Loop the Loop”. Mas o que se diz sobre uma diz-se sem tirar nem por sobre a outra. Que as suas texturas parecem tecidas por profissionais, que a junção das vozes de Hayden Thorpe e Tom Fleming é o equivalente a ter Zooey Deschanel e Natalie Portman a trocarem carícias em sonhos, e que tudo isto tem o seu quê de irreal.

7

Active Child
“Hanging On"

“Hanging On” é como aquela receita que começamos a por em prática com a esperança que a junção de determinados elementos funcione na perfeição. E de facto acaba por funcionar. Pat Grossi, ao contrário do que o seu nome pode sugerir, não é nada grosseiro na forma como gere os elementos que perfazem a sua música. É até mestre nisso. No disco de estreia que lançou em 2011, “Hanging On” destaca-se solenemente por ser, sem sombra de dúvida, o momento em que Pat Grossi melhor cristalizou a pop que lhe vai na cabeça. Venham mais destas.

8

Bon Iver
Perth

Bon Iver é um falso. Quer fazer crer que tudo isto é muito simples, que erguer canções destas é uma coisa que se faz entre o pequeno-almoço e meter uma máquina de roupa. Mas não é: as guitarras desmentem-no; aquela percussão, primeiro curta e depois exuberante, fazem-lhe crescer o nariz; estas vozes são prova contra si em tribunal. Fazer canções tão grandes com tão pouco, em tempos de austeridade, devia dar-lhe um lugar num ministério qualquer. Não fosse Justin Vernon o Ministro das Canções de Peito Cheio.

9

Destroyer
Downtown

Conhecendo o passado de Dan Bejar, seguramente ninguém estaria à espera disto. Mas ao mesmo tempo, ouvindo uma canção como “Downtown”, fica-se com a ideia que o Sr. Destroyer seria capaz de fazer canções nem que amanhã se mudasse para a Argentina para se dedicar ao tango ou para a Nigéria entregar-se nos braços do afrobeat. E fá-lo com a naturalidade de poucos. “Downtown” é um bocado como ires ao Japão: já que gastas tanto dinheiro no bilhete de avião em vez de ficares lá 2 ficas 15 dias.

10

Kurt Vile
Baby's Arms

Smoke Ring For My Halo está carregado de bons motivos para confirmar e celebrar Kurt Vile como um dos escritores de canções revelação de 2011. Mas há uma estrela que brilha mais intensamente do que todas as outras: chama-se “Baby’s Arms” e é tão devota à simplicidade que parece ilusão. Melhor: não parece verdade. Guitarra, vozes e resquícios de uma memória que pode ser partilhada por todos. É impressão minha ou esta canção dá vontade de um gajo ser uma pessoa melhor? Mandem e-mail.


Bruno Silva

 

1

Meek Mill ft. Young Chris
"House Party"

Apesar de se ter tornado uma presença obnóxia quando decide rappar, há que louvar o Rick Ross (para além da belíssima barba) pelo digging que tem realizado no seu Maybach Music Group. Se ter pegado na Teedra Moses já era demonstrativo de um enorme bom senso (e relativa justiça), mais intrigante foi a entrada do Meek Mill para os quadros da editora. Um street rapper de Filadélfia com pouco para mostrar e que depois de dois singles com o chefe (“Tupac Back” e “Ima Boss”) lançou uma mixtape basicamente superior a merecer alguma atenção sem encarreirar pelas produções do Lex Luger. Apesar do título, “House Party” evoca algo de estranhamente ameaçador naquela linha de sintetizador, como que a dizer que a festa pode correr mal, apesar de um balanço rítmico inescapável. Com a presença do Young Chris a cimentar a linhagem aos State Property que assombram da melhor maneira o rapper de 24 anos, “House Party” é demonstrativa da urgência do Meek Mill na entrega, e a melhor malha de rap de 2011. A escolha para canção do ano é só porque foi a que ouvi mais vezes ao longo do ano. E isso terá de valer alguma coisa, certo?

2

Purpl Pop
"The Way (The Living Graham Bond Dub Edit)"

Quando a ouvimos pela primeira vez num set dos Ill Blu, fazia todo o sentido supor que se tratava de mais um banger absoluto do duo londrino - com o nome de “Get Freaky With You” - numa carreira já pejada deles (em 2011 houve a colossal “Monsta” por exemplo). Ficámos um pouco desiludidos quando se descobriu que afinal era uma remix da “The Way” de Purpl Pop por um tal de The Living Graham Bond que, e apesar de um péssimo nome a trazer à memória coisas como os Bentley Rythm Ace, até mostrava algum potencial em temas como “Werk”. Nada que chegasse próximo do brilhantismo desta remix, que numa versão inicial até preservava algumas vozes completamente desnecessárias do original. Felizmente, e para a posteridade, ficou o tal dubplate : monstro rítmico imparável, alimentado a chicotadas basilares vagamente dancehall que se vai desembaraçando nesse frenesim de batidas sem nunca se deter. Percussão em choque frontal alinhada num baixo aggro e pontuada por um inteligente uso de vozes (aquele ”GET FREAKY WITH YOU!” provocante é acutilante), “The Way” é inesgotável na sua capacidade de inflamar qualquer pista. O termo brutal! foi criado para coisas destas.

3

Sangue de Cristo
"Ponta do Mato"

Naquele que foi mais um ano incrível (Lamborghini Funk e uma mix gigante para a FACT) numa escalada brilhante que vem desde há alguns anos a ser cimentada com toda a parcimónia fixe possível por parte dos Photonz, esta colaboração do duo suburbano com o Tiago (Miranda : ex-Loosers, Slight Delay, DJ extraordinaire e mais um monte de coisas relevantes) sob o nome de Sangue de Cristo acabou por ser a coisa mais vital a nascer na música de dança de burgo. Ilustradas com todo o carinho num encarte lindo do Márcio Matos, estão as duas mais fascinantes homenagens de sempre a dois esquecidos paraísos estivais, com “Ponta do Mato” a elevar-se (muito) ligeiramente por uma maior contenção que, tendencialmente, não seria não tão previsível. Classe pura, “Ponta do Mato” é evasão deep a apanhar os destroços de uma vida balear na Trafaria, envolta numa névoa nostálgica vagamente psicadélica. Quase romantizada, sem os excessos barrocos ou xaroposos que tal afirmação possa implicar, é uma visão deslocada no tempo, de um espaço cuja existência ganha aqui toda uma carga simbólica de cartografia em constante expansão.

4

T.O.K. ft. Sleepy Hallowtips
"Heroin Needle"

Sleepy Hallowtips é um nom-de-guerre tão incrível que desejava secretamente algo que lhe fizesse jus só para que houvesse hipótese de falar nele com legitimidade. Até agora nunca tinha havido uma oportunidade tão flagrante como esta “Heroin Needle” com T.O.K.. Habitando no lado mais negro do dancehall (como seria previsível pelo título) “Heroin Needle” é tão suja e perigosa quanto a droga que lhe dá nome, com as estaladas de cordas a potenciar toda uma ameaça que pulsa na percussão e encontra a réplica desejada nas vozes cavernosas dos T.O.K.. Sem sair do poço, o Sleepy responde com um flow incisivo que, por comparação, acaba por deixar que uma ligeira réstia de luz se intrometa sem escapatória. Coisa de revirar os olhos, “Heroin Needle” revela todo o horror que pode ainda subsistir no dancehall, para além da temática algo estafada dos drive by shootings.

5

Hype Williams
"Rise Up"

Malha maior de um 2011 com uma mão-cheia delas, “Rise Up” saiu logo no início do ano numa edição limitadíssima de 50 cópias para reaparecer alguns meses mais tarde no brilhante Kelly Price w8 Gain, Vol. 2 pela Hyperdub. Passado todo este tempo, e com One Nation e a série S.E.A.L. pelo meio, continua a ser a melhor coisa que os Hype Williams já fizeram até hoje. Emanação difusa de uma nostalgia bem hot, “Rise Up” é um colosso de melancolia veraneante, na senda do que já haviam feito nessa pseudo-cover de “Sweetest Taboo” que era “The Throning”. Com a voz distante da Inga Copeland a pairar de modo inteligível sobre a cortina de sintetizadores, “Rise Up” é brilhante no modo quase casual como consegue atingir uma inescapável ressonância emocional de forma a que tudo isso pareça suspenso no tempo.

6

Benoit & Sergio
"Everybody"

Mais reconhecidos pela sua variante melancólica deep de trejeitos synth-pop através de canções como “Walk & Talk” ou “Full Grown Men”, o duo de Benoit & Sergio teve em “Everybody” um desvio declarado dessa óptima proposição sem desvirtuar a sua identidade vincada. De natureza extática, “Everybody” reclama toda a euforia apaziguadora da pista de dança nos seus instintos mais puros. Com as vozes processadas logo ao início a afirmarem que ”everybody needs somebody”, a malha vai crescendo de acordo com todas as orientações do que um banger pode ser (i.e. baixo escorregadio, pianola, sirenes, o 4/4 primordial) para chegar aquele momento inevitável em que todos estarão de braços no ar com a entrada de uma marimba sintetizada a fazer confluir todas as camadas. O hedonismo naquilo que tem de mais comunal, e um chamamento para a pista de dança que se quer total. A antítese do foreveralone.jpg. Está tudo naquele título.

7

Oneohtrix Point Never
"Replica"

Mais do que a tão propalada reapropriação do imaginário popular mais refundido, aquilo que mais diferencia a música de Daniel Lopatin enquanto Oneohtrix Point Never é a sua capacidade de instigar a um certo isolamento sem fazer disso um statement para a simulação coerciva da nostalgia. Simulacro de toda uma melancolia subliminar, “Replica” descarta a maior densidade do passado por uma rarefacção assente num piano suspenso que poderia ser do Erik Satie. Com os sons do Juno-60 a pautarem a alienação, naquele que é o momento mais belo saído de Replica. Tal como já tinha escrito poderá ser o reflexo de “uma infância irremediavelmente perdida, ou qualquer outra concepção parva que meta as manhãs de sábado à frente da televisão” naquilo que tem de mais sugestivo. É ver o belíssimo vídeo que coloca as personagens de Nu! Pagodi em direcção a nenhures para que tudo isso possa fazer sentido.

8

Cooly G
"It's Serious"

Apesar de algumas tentativas em encarreirar a Cooly G num militantismo que a aproximasse ora da Bass Music ora da UK Funky, sempre existiu algo de singular nas malhas dela que, se por um lado lhe conferiam alguma transversalidade nesse processo, por outro faziam dela uma artista insular por comparação. Na trincheira, o baixo raramente teve um papel preponderante (excepto para aí a “Akai”) que a fizesse encarreirar pelo pós-dubstep do mesmo modo que alguém como o Silkie ou malta da Night Slugs. Partindo para a pista de dança, e apesar de coisas como a “Narst” terem sido presença habitual em sets UK Funky, também nunca pareceu existir da parte dela a consciência banger de uns Ill Blu ou Funkystepz. E usa a sua própria voz de um forma bem diferente que a hobo-diva Miss Fire. “It's Serious” é o lado B de uma recomendável “Landscapes” (sensualidade nocturna da “Love Dub” em rotação dinâmica), e ilustra de modo sucinto essa capacidade dela de ser tangencial a grande parte da música made in UK sem assentar arraiais tépidos. De uma profusão rítmica insistente, “It's Serious” é conclusão óbvia daquilo que “Phat Si” insinuava, com achegas ao rolling do Lil Silva numa “Tribal Land” mas de desenho melódico rigoroso. Frenesim pontuado por ecos dubby ao qual a entrada das teclas confere toda uma expressividade emocional que se vai imiscuíndo subtilmente, num escapismo precioso que deixa as maiores expectativas para o álbum que vai sair algures este ano.

9

Fuzzy Logik ft. Myshy
"Playground"

Por muito natural que possa parecer hoje – e o timing foi demasiado cruel para que a UK Funky tenha tido a capacidade de conquistar um espaço comercialmente viável – continua a ser indesculpável que “In the Morning” não tenha tido uma vida saudável nos topes. Exemplo maior de uma canção de um produtor mais dado a instrumentais, “In the Morning” abriu um precedente (aos mais variados níveis, inclusive os fracassos) que teve réplica superior com “Playground”. Canção essencial de um ano mais generoso do que seria de prever nesse campo para o género, “Playground” é reveladora do quanto este mundo cinzentão precisa de mais Fuzzy Logik. Aquela melodia infecciosa no comprimento de onda bem upbeat de “Polyfunk” a deixar logo vincada toda a hotness de uma malha que se celebra a si própria, sem necessitar de grandes artifícios para além de uma voz que transpire toda euforia resplandecente dos teclados e de uma batida tão intrincada quanto galvanizadora. Quem não ouviu isto durante o Verão não pode dizer que o tenha vivido em pleno. Isto é o Verão.

10

Nikkiya
"Wish"

Portanto, não há qualquer dúvida de que “When I Was High” é uma canção absolutamente gigantesca e seria uma escolha mais do que acertada por toda sua obstinação, mas o meu soft spot por baladas vaporosas – como epitomizado pela clássica “Drunk” da Tweet - leva-me a escolher esta “Wish” como melhor canção da óptima SpeakHer. Talvez seja uma necessidade premente de falar um pouco mais na Nikkiya que me levou a escolher isto em detrimento da “Stranger” da Jhené Aiko ou de “Hey” das King. Ou seja simplesmente uma nova chamada de atenção para o R&B além de The Weeknd (batendo no ceguinho), mas “Wish” é adorável em todos os sentidos acertados da palavra. Optando por uma maior vulnerabilidade em detrimento da excentricidade que tem sido a sua faceta mais visível e discutida, “Wish” consegue suster-se numa atmosfera onírica sem adensar a canção para um plano onde as cascatas de efeitos funcionassem como elemento central. Apesar da névoa de efeitos, “Wish” não depende de todo esse placement harmónico para se revelar uma canção distinta, onde a Nikkiya assume todo o desespero resignado da letra com uma respiração quase informal.


Hugo Rocha Pereira

 

1

B Fachada
"Deus, Pátria e Família"

Se toda a gente já teve, tem ou ainda vai ter o momento em que passa de hater a lover do universo musical muito particular de B Fachada, esta terá sido a minha epifania; o momento em que a cena bateu e pensei estar perante um talento e não uma fraude. Algo como: «Eh pá! É melhor parar de gozar com este gajo e passar a escutar o que ele faz». E o que B Fachada canta neste disco de Verão quente tem todos os ingredientes que compõem uma grande canção. Em vinte minutos há galinhas a cacarejar e piano a esvoaçar, voz que canta idiossincrasias pátrias e íntimas sob uma melodia entre o ululante e o libertário. Há, sobretudo, uma canção que acerta no centro dum alvo em movimento, sem floreados nem concessões.

2

PJ Harvey
"Written On The Forehead"

Esta é uma das canções que fizeram de Let England Shake um dos melhores discos de 2011. A toada lânguida de “Written On The Forehead” e as palavras melodiosas mas incendiárias de Polly Jean Harvey são reforçadas pelo sample de “Blood And Fire” – clássico reggae de Niney “The Observer”. O “Let it burn, let it burn, let it burn, burn, burn…” que atravessa a faixa como uma espécie de mantra (vindo da gravação original ou dos lábios de PJ) continua a ecoar nos ouvidos muito depois de a música terminar. É deixar arder, talvez a cura chegue entretanto.

3

Panda Bear
"Benfica"

Tomboy termina em apoteose desportiva, com uma faixa dedicada ao Glorioso. Nela canta-se o valor da vitória e ouvem-se os adeptos, puxando pela equipa em uníssono, numa imensa onda que varre as bancadas de lés-a-lés. Sente-se a ambição pela vitória, inscrita nos genes do Clube. Se passasse no Estádio da Luz em dias de jogo, este hino funcionaria certamente como talismã para o Benfica – dando descanso aos UHF, por exemplo – e seria ouvido por dezenas de milhares de almas em êxtase simultâneo. Assim, permanecerá como um tesouro acessível a quem ouvir o registo de estúdio ou se deslocar aos concertos deste ilustre lisboeta, o que lhe reserva um charme mais discreto.

4

James Blake
"Limit To Your Love"

Numa era em que a tecnologia democratiza a criação musical (e a respectiva difusão) multiplicam-se covers/versões de tudo e mais alguma coisa, mas as que merecem uma mera audição já são poucas. Raras mesmo são as pérolas que brilham de tal forma que ofuscam o original. É o que aconteceu com a música que tornou James Blake um dos meninos queridos do ano passado. Ao pegar na balada da canadiana Feist, despindo-a ao essencial – piano, voz e electrónica suave –, criou um clássico contemporâneo. Tal como aconteceu com “Hurt”, de Nine Inch Nails, após a interpretação de Johnny Cash, esta música agora (também) é de James Blake.

5

PAUS
"Malhão"

Existem outras faixas igualmente boas no primeiro longa-duração de PAUS, outras músicas que cruzam como poucas bandas conseguem fazer balanço com intensidade e batida com electricidade. Mas nenhuma delas tem um refrão que dá vontade de repetir ao ouvido duma miúda gira que nos dê trela às tantas da manhã: “Mordi-te antes que / Antes que me mordesses tu / Despi-te com medo que / Com medo que me visses nu” é algo tão belo e afrodisíaco que deveria andar sempre na nossa carteira, ao lado das embalagens “Durex”.

6

Tom Waits
"Hell Broke Luce"

A toada é militar mas Tom Waits é tudo menos ortodoxo – aquilo em que este alquimista da música toca transforma-se em lingotes de ouro clandestino. Neste caso derrete uma batida diabólica que faz lembrar a chegada das tropas inimigas e ergue a barricada sonora com que se defende das bombas disparadas pela guitarra eléctrica. Quase que o podemos visualizar nas trincheiras, de capacete e uniforme – mas com o chapéu e o fato debaixo do braço –, à espera de escapar para junto do piano quando o Inferno conceder uma trégua ao seu exército.

7

Diego Armés
"Entre Dentes"

Neste quadro poético dos afectos e dos encantamentos, um estado de graça flui entre as cordas, o acordeão e a voz, criando uma espécie de pacto secreto selado pelas palavras, enigmáticas mas que dão sentido e força a tudo o resto, saindo da boca de Diego Armés para arrepiarem os ouvintes como uma tarde fria de Outono. Primeiro insinuando-se aos sentidos, numa toada lenta e envolvente, depois embalando os enganos num ritmo que ora avança ora se detém. Uma canção misteriosa numa estreia a solo que não engana.

8

Halloween
"Drunfos"

A Árvore Kriminal está cheia de rimas tão brutais como um ataque terrorista e eficazes como um remate de pé esquerdo do Cardozo; mas nenhuma será tão plástica, tão moldável quanto o «Hoje vou sair, vou rolar / Vou dizer a todas as miúdas “Olá!”». Experimentem adaptá-la a outras situações e perceberão que estes drunfos um dia podem estar disponíveis em saquetas numa qualquer farmácia, de forma perfeitamente legal, sob a forma de genéricos para aliviar as dores de costas. Porque o produto original (a real thing) é de Allen Halloween, e é pouco provável que ele ceda a patente de mão beijada.

9

Buraka Som Sistema
"(We Stay) Up All Night"

Se o “Benfica” do Panda Bear é o hino para a Catedral Sagrada, este é o salmo dos templos profanos de prazer, luxúria e abandono. Para agitar a pista enquanto se lava a vista; transpirar como se tivéssemos corrido quilómetros ao som dum sistema cada vez mais oleado e ao qual sobra inspiração. Se organizarem uma festa e o ambiente estiver a arrefecer, sempre podem experimentar meter esta malha a bombar no máximo. O mais certo é conseguirem o efeito desejado; mas se a cena não ressuscitar, caguem e vão à procura dum sítio onde ainda não esteja tudo morto e acabado.

10

Rebecca Black
"Friday"

Escolhi esta como poderia fechar com a “Morena Kuduro” ou a “Ai, Se Eu Te Pego” – ambas na voz de José Malhoa, claro –, ou qualquer outro êxito sem pés nem cabeça, cuja razão de ser é a paródia. Os minutos de risota proporcionados por músicas que geram videoclips absurdos e justificam como o mais perfeito dos álibis danças bizarras são priceless. E o que não tem preço é muito valioso numa altura em que o custo de vida anda pela hora da morte. Escolhi a “Friday” porque foi esta que o Paulo Cecílio passou nas Festas do Bodyspace, em performances que já pertencem ao imaginário colectivo. p.s. – mas se ele tivesse passado a “Paradise”, ou outra qualquer de Coldplay, não havia abébias para ninguém. Até o mau gosto tem limites.


Nuno Catarino

 

1

Fleet Foxes
"Helplessness Blues"

“I was raised up believing I was somehow unique, like a snowflake distinct among snowflakes, unique in each way you can see”. É esta a história de todos nós, não é? Pelo menos até deixarmos a inocência e descobrirmos a vida e que se calhar não somos assim tão especiais. Especial é esta canção, perfeita nas voltas da melodia, que de pequena pérola folk a partir dos dois minutos e meio se transforma numa grandiosidade épica. É um dos grandes momentos do disco homónimo, um dos grandes do ano.

2

Chico Buarque
"Barafunda"

No seu regresso ao melhor nível, o cantor-compositor-ícone Chico Buarque trouxe uma mão cheia de grandes canções. Nesta música o escritor fala-nos sobre a sua memória baralhada, misturando Garrincha, Cartola, Barbarella e Pelé - “gravei na memória, mas perdi a senha”. O embrulho musical ganha a forma de um samba sofisticado, trabalhado por um acompanhamento instrumental sóbrio mas altamente eficaz.

3

Dirty Beaches
"Lord knows best"

O taiwanês Alex Zhang Hungtai veste-se de Elvis romântico de karaoke, rouba um sample a Françoise Hardy e cria um majestoso novo monumento de falsa nostalgia. Ponto alto do álbum Badlands (e das actuações na Galeria Zé dos Bois e no Milhões de Festa '11), esta “Lord knows best” está impregnada de sedução outonal: “Lord knows best that I don't give a damn about anyone. But you.” E nós sabemos que ele é o rei do karaoke.

4

Márcia com JP Simões
"A pele que há em mim"

Esta canção apareceu pela primeira vez num EP de 2009 editado na Optimus Discos. Entretanto o mundo ficou a conhecer a Márcia e esta regravação, que entrou como bónus na reedição do seu primeiro disco, conta com o contributo de JP Simões. O cantor de Coimbra acrescentou uns pozinhos a um tema que à partida já era óptimo. A Marcia é que sabe, “sob a pele que há em mim tu não sabes nada”.

5

John Maus
"Believer"

Fiquei conquistado desde que li a recensão do Leal ao disco We Must Become the Pitiless Censors of Ourselves: «maravilhoso-maravilhoso-maravilhoso-pedaço de céu “Believer”, hino reverb da intemporalidade, qual retro oitentas qual quê, isto não se reduz a parecer oitentas, isto é oitentas mas dois mil e oitentas, isto é 2011, perdoem a falta de pontos finais mas isto é a tese 12 de Badiou – “Non-imperial art must be as rigorous as a mathematical demonstration, as surprising as an ambush in the night, and as elevated as a star” – e ponto final.» É isso.

6

B Fachada
"Não pratico habilidades"

Ele não pratica habilidades, mas edita dois discos por ano e consegue sempre artilhar meia dúzia de canções memoráveis. 2011 ficou marcado pela canção-disco-manifesto “Deus, Pátria e Família”, mas foi do disco homónimo, saído já no final do ano, que saltaram as canções mais consensuais. Esta é uma delas, onde Fachada se apresenta à companheira: “preguiçoso e mau de piça / sou um bruto a melhorar / enquanto não te fizer justiça / não me sento a descansar”.

7

Tom Waits
"New Year's Eve"

The ruler's back. Tom Waits, um dos grandes (mesmo), regressou aos discos com uma obra ao nível do seu melhor passado. Bad As Me não desiludiu ninguém (ok, tirando aquela capa...) e mantém a qualidade de clássicos como Raindogs, combinando cançonetas rugosas com baladas melosas de colheita vintage. Faixa que encerra o álbum, “New Year's Eve” é uma bendita tearjerker que faz o favor de incluir uma deliciosa citação apropriada à época.

8

Youth Lagoon
"Montana"

Este ano os Beach House não editaram disco, Victoria Legrand e Alex Scally estiveram em época de pousio, mas quase não se deu pela sua falta. Com Year of the Hibernation de Youth Lagoon, assinatura artística de Trevor Powers, ouvimos os mesmos ambientes nostálgicos embrulhados em preciosas canções pop atípicas. “Montana” é um pequeno diamante, com um lento crescendo, que amplifica a emotividade já de si omnipresente. Esta música tem como bónus um dos mais belos “videoclipes” dos últimos anos.

9

About Group
"Don't worry"

Este “super-grupo” tinha tudo para correr bem, juntando Alexis Taylor (dos Hot Chip) com um grupo de malta vinda da experimental e free improv: John Coxon (Spring Heel Jack), Charles Hayward (This Heat) e Pat Thomas (Derek Bailey, Lol Coxhill, etc.). Editaram este ano o seu segundo disco, que passou ao lado de muita gente, onde se encontravam rebuçados como este “Don't Worry”. A voz de Taylor é marcante (e inconfundível) e o tapete instrumental encaixa na perfeição, especialmente por causa daquele saboroso sintetizador omnipresente de Thomas.

10

Matana Roberts
"Libation for Mr. Brown: Bid Em In..."

O disco-manifesto “Coin Coin, Chapter 1: Gens de Coleur Libres” vale pelo seu todo, pela sequência de temas incríveis, que se transformaram num dos mais consensuais álbuns da década – asumidamente vindo do jazz, mas ultrapassando essa fronteira. A saxofonista de Chicago apresenta aqui um tema que começa de forma mais simples - só voz, “a capella”, lançando palavras de forma repetida, numa espécie de cerimónia religiosa. Lá mais para a frente surgem outras vozes que se vão entrelaçando, até o climax acontecer com o acompanhamento instrumental crescente, especialmente os sopros em erupção.


Nuno Leal

 

1

John Maus
"Believer"

A canção “hino para cantar de pé e em conjunto” do ano. O nosso “heróis do bar” muito particular, que dá à ignição e solta as pernas e os braços em maravilhosamente estupidificantes imitações da mal-amada dança e gritaria suada do próprio, o dono da canção: John Maus. O artista nada egoísta que nos emprestou e ainda vai emprestar por este novo ano fora, sempre que quisermos, quatro minutos de delírio auto-motivante para quem estava vivo nos oitentas e anseia — com esta injecção de vida — viver o século XXI inteiro, todo, se possível. É só acreditar.

2

B Fachada
"Deus, Pátria e Família"

A canção “só o nome ia dar logo que falar” do ano. A prova que B Fachada nada precisa de provar. O bem e mal-amado (surpreendentemente, injustamente), consoante cada portuguesa e português como dizem os políticos nos discursos. Nação que pode sentir-se orgulhosa do talento deste cantautor, que pode até introduzir aves de capoeira em delírio electro-acústico para depois provocar-cantar em fachadês e dizer que se foda Portugal (quem nunca o disse?), mas que ironia das ironias, não precisava desta canção enorme, ela mesma um EP, para ficar na história deste país à beira-mar plantado. Porque ironia é toda ela esta canção, sabemo-lo claro, quem escreve e canta assim em português só pode amar este país lindo povoado por alguns profundamente distraídos ou então preconceituosos e ingratos que não entendem, nem querem entender, a consagração de um artista que vai em frente, não volta para trás, nem procura a sombra da bananeira, sobretudo, enfim, alguém que arrisca. Quem o ouve petisca.

3

Destroyer
"Kaputt"

A canção “pessoalmente, o vídeo mais visto e partilhado” do ano. A melodia embebida em charme tipo Roxy Music com Avalonite aguda mas numa nova época, onde entretanto houve um golpe de estado e o poder caiu na estranheza. Mais precisamente na voz alienígena do canadiano Daniel Bejar. E é a originalidade da voz que ainda confere mais magnificência ao vídeo, sonho húmido VHS onde a voz de Bejar dá vida a um adolescente entre deusas e baleias numa epopeia humorística de acne e tentação. Vídeo que dá vida a uma canção que mesmo assim vive sem o vídeo, então não, é para ouvir até ao hi-fi ficar kaputt!!!

4

Real Estate
"It’s Real"

A canção “leitor de CD no carro” do ano só podia ser o regresso em grande dos Real Estate. Assim por alto, contabilizo uns mil quilómetros ao som do disco e desta canção em particular. Um sonho pop tornado real. A canção perfeita. Os The Byrds com a essência do motorika de uns Neu! Um enorme “feeling” de The Feelies em velocidade bem-disposta, saudades de voltar às auto-estradas dos EUA para quem as experimentou ou sonha com elas, que empiricamente bem se ouve, ó se ouve, em zig-zag pelo IC19 ou A1. "Senhor polícia ia em excesso de velocidade? É por causa desta música, ora oiça... oiça... já me entende?"

5

Gang Gang Dance
"Glass Jar"

A canção “parece uma coisa mas depois de seis minutos rebenta e é outra coisa, algo estranhamente dançável mas sem explicação aparente, como se os Funkadelic regressassem da exploração da Via Láctea e aterrassem algures no Extremo Oriente, em cheio numa casa de ópio repleta de escritores ocidentais que não acreditam naquela nave brilhante e elegantemente barulhenta em pleno século XIX, será uma máquina do tempo? — perguntam-se — não sei responder, pelo menos exactamente agora, porque só me apetece dançar, pá são onze minutos, ainda falta muito” do ano.

6

We Trust
"Time Better Not Stop"

A canção “foi-se ouvindo aqui e ali, o que é?, ah são portugueses, a sério?, parece uma nova dos Air, não parece nada!, muito boa, e o álbum quando sai?, um dia destes, muito boa, já está a dar cartas lá fora, ouviste falar do Jay Jay Johanson?, é uma das suas escolhas, olha o álbum saiu, muito bom também, mas o tempo não pára, e esta canção também não, e durante muito tempo sobreviverá no admirável mundo dos encores, a pedido da multidão que a adora, e de repente essa multidão não é só cá, é também lá, sim lá, onde quiserem, porque é uma canção como o mundo, actual, global, apátrida, em inglês porque é a língua oficial do planeta, confiada a nós por uns portugueses, sim, do Porto e de Famalicão para o Universo, porque somos tão bons como os melhores” do ano.

7

Andy Stott
"Cracked"

A canção “oiçam-na com headphones por favor” do ano será uma destas - “Submission”, “Posers” ou “Bad Wires”. A escolha é difícil, mas acho que afinal vou escolher outra, que tal como as outras, provém da mesma origem, e é densa, hiperdensa, ultradensa. “Cracked”. Uma Xerox enraivecida que imprime dub em linhas espartanas de ruído processado a pensar que “se os humanos não gostarem, os robots gostarão”. Mas os corpos humanos gostam (já vi alguns) de roçar-se nisto envolvidos numa releitura neuroferroviária como se pudesse haver um TGV entre Detroit e Berlim, com paragem na industrial ex-Manchester, ex-Madchester, agora Mannschaftchester com um “pro-german mad englishman” ao comando das máquinas descontroladas, como que a dar o sinal de que se o mundo acabar em 2012, acaba a dançar a dança densa.

8

Hype Williams
"Warlord"

A canção “hype mas devidamente fundamentado" do ano. Doses maciças de hyperdub em colisão com camadas shoegazer-friendly, estandarte da bandeira do lo-fi no seu espírito mais nobre: pqp! o comércio, esta vem de dentro, é de uns neurónios para outros, para quem quiser, e um abrir de olhos para o mundo em que vivemos, em que um viciado em CD já não pode ter o prazer de comprar o disco onde esta “canção?” se mescla com outras igualmente dignas. Não, mp3 ou vinil, escolhe, guerra à bolacha.

9

Battles (c/Matias Aguayo)
"Ice Cream"

A canção “ouviu-se um pouco por todo o lado por aí” do ano não é da Lana Del Rey, é esta. A traição dos Battles aos fãs do primeiro álbum, para uns um pisca-pisca desinspirado ao comercial, para outros apenas o piscar de olhos bem acompanhado às pistas de dança que diga-se, funciona como um puro estimulante. Daquelas músicas que davam para tudo, para um grande anúncio de TV, para um grande videoclip (o que até foi o caso). Daquelas que se ouviu por aí e deu sempre prazer, tão mais videogame do que a de Lana, tão susceptível de nos pôr a fantasiar com as Lanas desta vida, cuja beleza plástica por mais que não se queira, tende a derreter-se ainda mais rapidamente com o tempo.

10

Julianna Barwick
"The Magic Place"

A canção “1977-2011: morri e estou no céu” do ano. “Who is Enya?” pergunta com brilhante mau-gosto um cidadão no youtube e a verdade é que electrónica com coros vocais femininos, anjos de sexo feminino, já Virginia Astley tinha explicado como fazer melhor e menos FM, agora Julianna. Não é “Orinoco Flow”, é muito mais. Se é para ser um rio, são todos os rios. Se é para ser o mar azul das Caraíbas, são todos os mares do mundo, até um de metano num longínquo Titã. Voz e voz por cima da voz, Julianna e Julianna por cima de Julianna rumo a um lugar mágico que só apetece voltar rapidamente, tipo, agora, agora mesmo, até


Nuno Proença

 

1

Azealia Banks
"212"

Com as atenções do mundo (demasiado) viradas para as baladas de Nicki Minaj, foi com um pontapé nas dobradiças da porta que Azealia Banks se fez conhecer ao mundo. Apoiada num beat de ritmo quase a pender para o samba, "212" (New York, para quem não sabe) é o sermão de alta velocidade ao qual não nos escapa uma palavra, e que faz temer as consequências de sequer pensarmos em enfrentar esta rapariga. Quando a voz se distorce e grita What you gonna do when I appear / W-w-when I premier / Bitch the end of your lives is near sentimos a ameaça que faria o gajo do tick-tick-tick, that's the sound of your life running out da 5ª temporada do Dexter mandar o relógio de pulso ao mar. O olho da tempestade de 2011!

2

Pop. 1280
"Bodies In The Dunes"

"Sabem a cena de No Country For Old Men em que o Josh Brolin encontra os corpos no deserto? Agora imaginem que era numa praia com ondas a rebentar furiosamente nas rochas. Cenário criado, é hora de fazer a banda-sonora. A guitarra corrói furiosamente as falésias, sob a benção de Lee Ranaldo e Thurston Moore. Aplica-se por cima uma bateria que não hesita em adicionar sons metálicos, fazendo lembrar o excelente "Hidden" dos These New Puritans. O death-krautrock sai das entranhas da Terra, fita-nos de dentes cerrados, voz diabólica e olhos avermelhados. À quarta vez que ouvimos a frase "Bodies in the dunes já estamos perdidos. Estas dunas novaiorquinas são como caixões.

3

Macacos do Chinês
"Lázaro"

O mundo da ópera-hip-hop em Portugal já tinha a vibrante "Dia de Um Dread de 16 Anos" de Halloween. Mas há sempre lugar quando a cantiga é boa, e "Lázaro" conquista esse espaço de pleno direito. Ponto alto de "Vida Louca", "Lázaro" é o relato de uma noite de um tal Samuel, que a noite se transforma no personagem que dá o nome à música. Vai, como diriam os Mão Morta, de bar em bar a aviar. Só que aqui as mulheres lindas de morrer não querem nada com ele, a agressividade cresce, os seguranças e a polícia ameaçam, e o estado é cada vez mais alterado. Skillaz recita a história evitando qualquer preachiness, recitando os versos com segurança e precisão. Quando Lázaro evita a inconsciência e diz que a noite não pode acabar, a música passa para o drum n' bass, como se desafiasse a própria noite a derrotá-lo.

Ouvir

4

A$ap Rocky
"Purple Swag?"

"Há lá cor mais linda", pensa-se enquanto A$AP nos arrasta (é mesmo o termo) para uma festa repleta da famosa purple drank (Wikipediem). Os versos nem são muitos, nem são complicados. Não há muitas preocupações a ter, excepto os estados alterados de consciência, que tornam o mundo mais lento, as mulheres a conquistar, e o bairro em que se vive que se representa (Harlem). Serão estas campainhas e o que parece ser um violoncelo reais ou imaginários? Porque é que A$AP fala com a voz tão grossa nalgumas partes? Será que gravou assim mesmo ou somos nós que já entrámos numa escala horária diferente? Está o hip-hop a encontrar o seu psicadelismo capaz de trepar ao mainstream? Desenvolvimentos mais à frente.

5

Death Grips
"Guillotine"

"Realismo? Não sei se os Death Grips estarão assim tão interessados nesses pormenores. Mas pelo menos fizeram o favor de reproduzir o som de uma guilhotina com propriedade. E quando antecipam a sua queda com "It goes, it goes, it goes, it goes... é melhor que se olhe para cima antes que seja tarde. Não é a música mais carregada de sons do fabuloso "Ex-Military" (álbum do ano daquele que está a escrever isto), mas basta uma nota sintetizada que dá um coice para trás em si própria no meio dos versos furiosos do MC Ride para agitar o nosso corpo como se estivesse a fazer de badalo num sino de igreja. "Guillotine" é o zénite de um disco que é digno sucessor dos dias de glória da Def Jux. Deixe-se o sangue jorrar.

6

Wiz Khalifa Ft. Too $hort
"On My Level"

“Sex, Drugs, Alcohol & Hip-hop”. Algumas das melhores músicas de 2011 caminharam debaixo destes sinais. Wiz Khalifa não foi excepção, e em “On My Level” consegue uma reprodução de uma noite passada em estados alterados que deixaria os Primal Scream com inveja. Khalifa rima compassadamente, no meio de sintetizadores psicadélicos próximo de sinewaves que arrastam tudo um segundo para trás, criando desfasamento entre o que se vê e o que se percepciona. Tudo se condensa num refrão que cerra o nevoeiro encantatório que paira sobre a canção. Too $hort rima sobre – que mais – sexo, mas é do mundo da noite, dos clubes, das mulheres e da visão de Wiz Khalifa que surgem os aditivos principais. Vale tudo menos a realidade. Trompe Le Brain poderiam alguns dizer.

7

Tyler the creator
"Yonkers"

E assim emergiu, vindo do mundo dos Tumblrs e Twitters, a troupe dos Odd Future Wolf Gang Kill Them All. E tanta expectativa trouxe um single pop imbatível? Não. Trouxe Tyler The Creator a fazer o que é, praticamente, um freestyle . Trouxe beats coloridos e bombásticos na onda de uns J.US.T.I.C.E. League ou Lex Luger? Não, trouxe um som monocromático, violento, que aperta o pescoço e tenta torcê-lo. Trouxe uma linha de baixo que vem adensar o mood abatido que Tyler traz. Tem, talvez, a melhor frase de abertura de 2011 (”I’m a fucking walking paradox! No, I’m not!”). E no entanto, tudo acaba por ser tão catchy, mesmo quando se fala em matar B.O.B. e Bruno Mars, ou quando o “refrão” parece uma corda de estendal amplificada a ser rodada.

8

Lana del Rey
"Video Games"

Uma coisa a assinalar sobre Lana Del Rey para além da sua magnífica voz lânguida, é que a senhora tem letras excelentes. Um amante que mais vale ir jogar jogos de vídeo é coisa da melhor pop ou r&b. E outros singles que se seguiram apenas comprovaram esta ideia. Mas foi em “Video Games” que o fenómeno nasceu, e é esta a escolhida para figurar nesta lista. Esvoaçante sem ser imaterial, quente e fresca, árida e verde como a California do vídeo. Lana praticamente não precisa de acompanhamento. Bastam-lhe umas cordas, e de vez em quando um piano e uma harpa. Desconfia-se das quietinhas? Neste caso, desconfie-se das que parece que não têm emoções. Há magma a correr nas veias desta mulher. Apenas sai como uma brisa paralisante.

9

The Strokes
"Under Cover Of Darkness"

Primeira pergunta: Gostei de “Angles”? Sim. Segunda pergunta: O que faz de “Under Cover Of Darkness” um momento tão especial dentro desse idiossincrático disco? Resposta: O facto de ter Julian Casablancas a compor uma melodia vocal ao seu melhor nível, quer nos momentos apressados, quer quando explode no refrão. Aquele baixo e riff depois da primeira frase que só dão vontade de perder todas as inibições. As guitarras frenéticas que nenhuma banda conseguiu reproduzir desde 2001. As letras de gajo que só quer seguir com a sua vida e borrifar-se para os tiquezinhos dos outros. O facto de ser perfeita para casas, carros, discotecas, telhados e filmes de acção. É perfeita, apenas e só.

10

Kendrick Lamar
"Rigamortis"

Tão simples e no entanto tão complexa. “Rigamortis” é um loop de sopros e um beat boom-bap, a lembrar o início dos anos 90, quando Gang Starr ou A Tribe Called Quest caminhavam sobre a Terra (RIP Guru). Mas sobre esse loop há Kendrick Lamar. E este tem uma performace assombrosa, enquanto dispara rimas atrás de rimas durante 3 minutos, dedicadas aos seus inimigos, e aos que copiam outros rappers. Dicção perfeita, quer em tempo normal quer em double time, segurança absoluta na modulação de voz, Kendrick não perdoa. Apenas ri-se dos pobres coitados que não estão ao seu nível. Nós, por nosso turno, divertimo-nos a escutar as letras e os sons uma e outra vez, e a fazer air-drumming. Apontar! FOGO!



Paulo Cecílio

 

1

The Rapture
"How Deep Is Your Love?"

Para ser honesto já me fartei de escrever sobre isto: melhor linha de piano house, malha do caraças para dançar, blábláblábláblá. É uma canção. É uma grande canção. É a melhor canção que ouvi este ano. E não preciso de andar aqui a repetir o que escrevi das outras vezes. Posso é recorrer ao Caps Lock para provar o meu ponto de vista: É UMA CANÇÃO DO CARALHO. Pronto. Venha daí esse 2012.

2

Rebecca Black
"Friday"

Antes de mais, quero salientar que a minha caixa de e-mail está aberta a todas as mensagens de ódio que queiram enviar. De seguida, gostava de referir que, when all is said and done, esta canção não presta. Não, a sério: é musicalmente horrível e não tem ponta por onde se lhe pegue. Porque está então em segundo lugar num top dez de melhores músicas? É simples, e não é por humor hipster, ou um caso de “tão-mau-que-é-bom”: a meu ver, a partir do momento em que uma canção destas se torna tão popular e capaz de gerar emoções tão viscerais como a de desejar a morte da sua autora – que é quem tem menos culpa no cartório e quem mais lucrou com tudo isto -, há que ser tida em conta; para o bem e para o mal, não ouvimos nós música porque a mesma nos desperta determinadas emoções? Não é esse o princípio geral para que o façamos? Mesmo que essas emoções sejam negativas, trocistas, o que seja; se “Friday” o conseguiu como poucas o conseguem (encontram-se milhões de clubes de fãs de outro alvo costumeiro de ódio, o sonso Justin Bieber, mas com Black o desprezo foi quase unânime), há que prestar-lhe respeito – esta foi mesmo das melhores catalisadoras de emoções em 2011. Mas agora vou deixar de lado a explicação racional e parcamente argumentada para escrever, simplesmente, que eu adoro o raio da canção. Adoro o facto de alguém ter achado que isto teria potencial enquanto canção. Adoro o facto de alguém ter dançado esta canção. Adoro o facto de que Rebecca Black tem catorze anos e um par de seios qAdoro o facto de ser, discutivelmente, uma canção que expressa o zeitgeist desta era pop em que os LMFAO são relevantes. E adoro a versão dos Doors.

3

Pega Monstro
"Paredes de Coura"

Por falar em guitarras: há esta. Faz barulho, nem sempre soa bem, e na maior parte dos casos ama-se ou odeia-se, mas que contribuiu para criar um dos hinos absolutos de 2011, não haja dúvidas. Se este rebuçado viral não contaminar o espaço festivaleiro com a sua joie de vivre e substituir os chatos e mastronços OH ELSA e FOUDASSE no parque de campismo é sinal de que Deus não existe e o mundo devia fazer reset. Não, aqui não se teme o selling out: canções há que de tão mágicas merecem ser conhecidas por toda a gente. Tudo obra do duo mais adorável (não vou voltar a escrever isto, soa tão pedófilo) enérgico e vital que surgiu por cá nos últimos anos. Ou: as Pega Monstro – e a Cafetra – vão dominar o mundo.

4

Ducktails
"Art Vandelay"

Outra que surgiu de uma enorme indecisão, porque Arcade Dynamics está pejado de enormes canções. Embora todas elas me tenham feito muito feliz no verão que findou, “Art Vandelay” é aquela que acaba no top porque, lol, como não adorar referências ao Seinfeld? Reformulo: como não adorar o Seinfeld? Tanto por isso como pela sonoridade, que me levam a uma infância onde o dito programa dava em canal aberto e o mundo parecia muito mais vasto e intrigante. Hoje tanto um como o outro estão ao alcance de um modem. Lá se foi a alegria que existe na descoberta. Mas haja a guitarra de Matt Mondanile – muito melhor a solo que nos Real Estate – para haver também alguma esperança no futuro.

5

Tyler, the Creator
"Analog"

...mesma razão pela qual não vai “Yonkers”, “Sandwitches” ou “Radicals”. Ah, espera, aqui é porque gosto genuinamente mais desta malha com cabeça no G-Funk. É provável que, liricamente, seja a canção mais mole de Tyler, sendo que a lírica é, assim de repente, a razão principal para toda a gente e mais alguém estar apaixonada por ele. Mas depois ouvimos o beat, simples sem ser simplista, e reparamos que, na verdade, “Analog” é das melhores coisas que ele já cuspiu. Diria mesmo mais: é quando ele se lança ao r&b e à canção pop em detrimento do hip-hop violento que Tyler é verdadeiramente um Criador. Ou não. Queria só uma desculpa para usar este trocadilho imbecil.

6

The Weeknd
"What You Need"

Dizia que ele podia aprender ainda mais umas coisas sobre como transmitir tesão, mas se calhar não precisa. Pelo menos a julgar pelo que me dizem a maior parte das miúdas que o ouvem. “ISTO É TÃO SEXO” é simultaneamente a melhor expressão que encontro para definir a música de Abel Tesfaye e é, ao mesmo tempo, a pior, por não a poder comparar realmente com sexo, por razões óbvias que começam em forever e acabam em alone. Longe de o achar um passado, um presente ou um futuro do r&b, acho-o alguém que sabe escrever uma série de canções – e discos – bastante bons. O resto discuta-o quem sabe ou quem se interessa. E para o top vai “What You Need” e não “House Of Balloons” porque não quero imitar dezenas de outras pessoas embora goste muito da Siouxsie.

7

Peaking Lights
"Tiger Eyes (Laid Back)"

Talvez a maior indecisão deste top, porque tanto “Tiger Eyes” como “All The Sun That Shines” e “Amazing And Wonderful” são temas incríveis do igualmente incrível 936. A escolha recai sobre a primeira porque das três parece-me a mais drogada, a mais dubbástica, a mais “ei, esta merda soa completamente a um verão que inventei na minha cabeça enquanto olhava para o sol a bater no ecoponto”. E como todas as memórias que se inventam, olhamos para ela com um misto de melancolia e felicidade, enquanto rodamos o botão dos graves para o volume máximo e deixamos que a linha de baixo nos invada como o fumo de um potencial charro acompanhante.

8

Unknown Mortal Orchestra
"Ffunny Ffriends"

Não se dança, mas como é uma grande canção tinha naturalmente de aqui estar. E como é uma canção superior a muitas das outras que ouvi tinha de estar no top dez. Não sei se entretanto já o fizeram, mas esta malha tem aquela qualidade pop que lhe permite ser background de anúncio e, no processo, fazer tanto da banda como da marca que os contrate estrelas de quinze minutos. Só que isso seria venderem-se, claro, por isso espero que os UMO nunca sejam abordados para tal e nunca se tornem mainstream ou banda de uma só canção. Há que manter um certo nível hipster. Há que evitar que pessoas que não os merecem os ouçam. Há que evitar que sejam enfiados no mesmo saco dos Coldplay.

9

Aquaparque
"Castiço O Teu Nudismo"

Uma das coisas de que tenho pena é de não gostar dos Aquaparque ao vivo tanto quanto gosto em disco. Mas não é por aí que esta malha – que é na verdade duas coladas numa só, como é apanágio do duo Magina/Abel - perde a sua qualidade dançável (para um gajo que não o faz, este top dez está recheado de bastantes coisas para abanar o corpo). O tom contemplativo com que vai correndo até ao minuto 3:24 só ajuda a antecipar a magia que ocorre depois: um funk deliciosamente sexy e vestido de classe da cabeça aos pés. Tens cumprido com o teu corpo? Tens seduzido alguém com o teu corpo?... O gajo dos Weeknd, que também gosta muito de fazer canções que dêem tesão, podia aprender aqui uma coisa ou outra.

10

Gang Gang Dance
"MindKilla"

Para muito boa gente esta canção há de estar em número um. Percebe-se porquê: é absolutamente louca sem ser insana, vai cavalgando o ritmo sem ser preciso acelerar muito ou travar de repente, é uma malha que pega numa pista de dança, chocalha-a com força, lança-a contra as paredes e depois ri-se dos estragos. Aqui fica em número dez porque eu sou branco, feio, gordo e por conseguinte não gosto de dançar. Mas até eu sei ver o potencial que isto tem para arrasar um batalhão inteiro de miúdas giras numa discoteca ou bar da moda. Numa próxima oportunidade em que vá brincar aos DJs há-de marcar presença com certeza.



Rafael Santos

 

1

Shawn Lee´s Ping Pong Orchestra (ft. Cava)
"Mi Ilusion"

É difícil ficar indiferente à envergadura orquestral deste poderoso exemplo de canção de amor. A envergadura estética do álbum já é difícil de ignorar: funk de todas as formas, cores e feitios; especialmente os feitios que apenas bons caracteres sabem proporcionar aos amigos. Funk como linguagem universal, como modo de vida, como atitude. Este lindíssimo tema é apenas mais um exemplo do que World Of Funk tem para oferecer. Enquanto recupera as linguagens clássicas da soul, com toda aquela força interior que os sentimentos mais puros geram, até à dinâmica do colectivo, que além de saber o que faz com inegável genuinidade, até chegar à inspiração de terceiros que assim descobrem reformadas formas de prazer, novos significados para adjectivos que se conjugam com o verbo amar. Com “Mi Ilusion” não há espaço para redundâncias.

2

Prommer & Barck
"Pictures of The Sea"

Uma vez mais o amor como útil caixa de ferramentas na criação de singularidades sonoras. Expressão inusual que apenas se ajusta na perfeição quando de metáforas nos referimos, imaginando músicos e produtores de montante em busca do escopro e do martelo ideal para o cinzelar até à última lasca a abstracta figura de Vénus. “Pictures of The Sea” é mais uma dessas figuras e os alemães Christian Prommer e Alex Barck os mestres do talhe exótico. E pelo o que aqui se ouve, não será árduo o trabalho de fantasiar como tudo aconteceu algures numas daquelas latitudes quentes e idílicas do Equador, possivelmente numa ilha perdida, de tronco nu com uma tanga ridícula a tapar o pudor, mulheres bonitas como musas e os salpicos das ondas como natural refresco de corpos fervorosos.

3

The Stepkids
"La La"

Não será o refrão mais original, mas é o mais usado há décadas, seja por músicos ou pelo comum mortal que ande na rua de cabeça nas nuvens a trautear o que sobra de uma letra de uma qualquer música que lhe entrou inesperadamente pelos ouvidos adentro. Este “La La” entra de rompante e fica, o desafio que fica por descobrir é a narrativa que vai para além do refrão básico. E isso também não é difícil neste colectivo de Connecticut apostado numa musicalidade pop-soul-rock espiritual e psicadélica que fala com razão de coração na boca. “La La” foi o cartão de visita para um disco homónimo que muitos ainda não descobriram, mas que, quando for, não largarão de forma leviana.

4

Martyn
"Horror Vacui"

Viagem no tempo até ao início dos anos 90 para descobrir que petardos tipo “Horror Vacui” eram paridos a cada esquina nos mais fumarentos bunkers da nova criação electrónica daqueles gloriosos dias. Algures entre o breakbeat ou o hardcore de uma XL Recordings e a obsessão pelo baixo do dubstep, ímpetos techno à mistura, e eis que surge esta bomba capaz de sacudir o chão de qualquer pista, interrompendo sem dó o estado catatónico dos cépticos e o torpor dos canastrões normalmente encostados nas escuras esquinas à espera de um expressivo beat feito à sua medida. Aqui todos se abanam, cada um à sua medida e ao seu jeito. As figuras que alguns farão? É consultar o Facebook dos amigos no dia seguinte.

5

Shabazz Palaces
"Endeavors For Never"

Não é fácil escolher uma no alinhamento de Black Up. Nada fácil, mesmo. Mas a ser feito, esta é uma opção segura e demonstrativa do génio do ex-Digable Planets, Ishmael Butler. Pensar fora da caixa tem destas coisas: é pegar na matéria-prima do hip-hop e depois desmontar, reconstituir, deixar incompleto, saber atirar à parede, tudo em busca de uma nova forma para encaixar a palavra, o poder do verbo. Em todos os temas flui a poesia dos nossos dias, na estranha massa sonora destila-se uma verve urbana negra, pesarosa, claustrofóbica, paranóica. O curioso é haver uma desusada beleza no quadro quando nos afastamos o suficiente e o olhamos com tolerância o que nele está representado. Basta escutar "Endeavors For Never" e ficamos logo com a ideia certa dos deliciosos paradoxos que esta nova música Ishmael Butler é capaz.

6

Ossie
"Set The Tone"

Já no verão passado havia destacado este tema como um dos obrigatórios a ter no leitor no momento de escolher a banda sonora dos dias quentes à beira-mar passados. Era inevitável inclui-lo nesta personalizada lista de grandes canções/ músicas de 2011. Ossie é mais um nome que se juntou à grande família Hyperdub e à já extensa lista de temas que esperam a qualquer momento o deferimento do processo que lhes permita a ascensão à categoria de clássicos do underground. “Set The Tone” tem o groove, a alegria, a energia, pujança; ou seja: possui todos requisitos obrigatórios quando se concorre a tão complexa, exigente e concorrida promoção. Deste lado há alguma confiança que isso venha a acontecer; mas na verdade, apenas o tempo poderá fazer a devida avaliação.

7

The Greg Foat Group
"Dark Is The Sun (Harpsichord Waltz)"

Num disco em que o inusual e encantador Cravo é o verdadeiro anfitrião da festa Dark Is The Sun organizada belo colectivo liderado por Greg Foat, nada mais se podia esperar senão graciosidade, elegância, simpatia, ecletismo sem snobismo e inspiração. Esta versão Harpsichord Waltz de “Dark Is The Sun” é tudo isso e ainda mais, simplesmente porque se mantém puro a um ideal romântico do jazz e do funk. Belo, muito belo e, muito importante para a saúde colectiva, sem aqueles aditivos supérfluos que enchem a pança mas não alimentam um único músculo.

8

Nicolas Jaar
"Space Is Only Noise If You Can See"

Pop misantropa que provoca sonhos húmidos? Electrónica sóbria repleta de extravagâncias narrativas? “Space Is Only Noise If You Can See” é uma eloquente colecção de falta de nexos em oposição à realidade pragmática ou uma constatação de um pragmatismo que há muito perdeu sentido. Poucos poderão encontrar o pendor filosófico em alguma da música de Jaar mas ela existe em minudências tanto sónicas como na escrita que aparentemente se assume como informal. Todo o disco de estreia possui contrariedades que demoram a entrar e, uma vez dentro da cabeça, se detêm nos labirintos do nosso pensamento. Uma vez descobertos, confortamo-nos com a verdadeira força do exercício de especulação pop surreal do qual este tema é apenas mais um brilhante exemplo.

9

Kode 9 + The Spaceape
"Love Is The Drug"

Numa altura em que já não se sabe muito bem o que é dubstep - se é que já não está morto -, dele remanesce uma designação ampla - bass-music - que para uns nada mais é senão um movimento passageiro mas que para outros congrega novas atitudes criativas em redor da supremacia do baixo com se de um portal para o futuro se tratasse. Kode 9 aproveita a ambiguidade do momento para ir além das memórias do futuro e escavar a gruta da bass-music em busca de novas direcções. Doze foram os resultados que expôs em Black Sun e “Love Is The Drug” pode ser um exemplo perfeitamente viável de um alinhamento rico em designs inteligentes e intrigantes. É assim que Kode 9 convence quando confronta a sua criatividade e sentido de oportunidade com a proficiência na manipulação técnica do seu equipamento; tudo em nome de uma nobre causa dos nossos dias sonoros que também não tardará, quiçá, a ter um pós-qualquer-coisa colado si.

10

The Natural Yogurt Band
"Invisible Ink"

Tema de abertura de um disco que é uma verdadeira pérola jazz/funk de 2011. E nada do que nesse disco se ouve se poderá dizer que é verdadeiramente novo, singular na história da existência de ambos os géneros ou capaz de recrutar novas motivações ou ideias para desenhar o futuro. But who the fuck cares? Nem sempre o futuro necessita de todas as suas atenções apontadas para si. Nada cheira a mofo nestes divertidos e descontraídos temas que abusam das formas clássicas do funk ou do jazz. “Invisible Ink” andou em loop porque sabia a verão mesmo quando a chuva já molhava as ruas, porque se dança entre uma atitude latina de Tommy Guerrero, a mutagénese obsessiva do Yesterday's New Quintet e a expressividade cénica de Lalo Schifrin. Beli!



Rodrigo Nogueira

 

1

Rapture (ft. Cava)
"It Takes Time to a Be a Man"

Não sei o que é ser homem, talvez um dia venha a saber, mas acho que a ficção, as cantigas, os podcasts, e o caraças me ensinaram que isso demora tempo. Que um gajo tem de aprender isto à força, a levar na cabeça, a sofrer, a fazer os outros sofrer, etc., para um dia vir a ser bom. Claro que há quem nunca aprenda, não haja dúvidas disso, mas se der para ser ao som deste loop de piano acho que se torna tudo mais fácil.

2

Nicki Minaj
"Super Bass"

Sabes como é que se vê que uma pessoa não tem coração? Fala do vídeo da miúda inglesa a cantar isto no YouTube e depois na Ellen, com a própria Nicki. Se essa pessoa disser que não curtiu, risca-a da lista das pessoas que sentem. É que ela não merece estar lá. E, porra, é a melhor canção pop de sempre com uma referência ao Slick Rick. "You're slicker than the guy with the thing on his eye"? Estás a gozar?

3

Azari & III
"Manic"

Devo confessar que, por um misto de sono, estupidez, falta de cafeína e de estar perto de uma coluna, ia adormecendo no concerto incrível dos Azari & III no Lux no ano passado. É uma estupidez, porque cheguei a uma idade em que não tenho medo de admitir que adoro dançar e malhas como esta são do caraças, e muito mais que mero house revivalista.

4

Beyoncé
"Countdown"

Atreve-te a fingir que não quiseste saber imenso da Blue Ivy, a filha da Bey e do Jigga. É estúpido estares a negar isso. Todos nos preocupámos imenso. Uma das razões para isso é que o 4 dela é do caraças, e esta é a melhor malha que lá está dentro. É discutível, mas pronto. No dia em que vires uma pista que não é partida ao meio ao som disto, afasta-te, não há-de ser coisa boa.

5

The Throne
"Niggas in Paris"

Será mesmo correcto escrever o título completo desta malha do Jay-Z e do Kanye? A palavra é horrível, de facto, mas se eles lançaram a canção, quem somos nós para não publicá-la? Posto isso, acho que está tudo bem definido na parte final: “you are now watching The Throne”. Monumental, e qualquer canção que comece com um sample do Will Ferrell a descrever a “My Humps” tem o meu voto.

6

The Roots
"Make My ft. Big K.R.I.T. & Dice Raw"

Ouço isto em loop regularmente, ao ponto de não ouvir mais nada durante muito, muito tempo. Não há vergonha nenhuma nisso. O álbum é incrível, mas esta melancólica mas nada preguiçosa canção de rap é basicamente perfeita, e parte da culpa disso é do enorme Big K.R.I.T.

7

Gang Gang Dance
"Mindkilla"

Nenhuma banda faz cantigas tão estranhamente dançáveis e apelativas como os Gang Gang Dance. Batida monstra, camadas de sintetizadores, guitarra, citações de “Hush, Little Baby”, vozes sampladas, breakdown maravilhoso e guitarra nas doses certas, sem querer sempre impor-se. Só de pensar nisto começo a mexer as pernas. E estou sentado.

8

Holy Ghost!
"Jam for Jerry"

O que a morte do Ian Curtis ensinou ao mundo foi que se podia ser triste e melancólico sem ser chato e sem deixar de fazer dançar. É exactamente esse o legado dos New Order, que os Holy Ghost! levam a peito. A ideia é homenagear o Jerry Fuchs, o baterista !!!, Juan Maclean, Maserati, etc., que morreu em 2009, com uma canção disco dos anos 80 de refrão inescapável.

9

Reema Major
"I'm the One"

Podemos falar do cameo do Rick Ross no vídeo? Quando apareceu na internet, dizia “featuring Rick Ross”, mas ele só aparecia a pausar – imenso – no vídeo. E é uma pausa do caraças. Ela só tem 16 anos, mas tem uma garra de Missy Elliott e um beat Timbalândico em modo world a condizer. Malha monstra, e usar assim assobios sem se tornarem irritantes é obra.

10

Wild Flag
"Romance"

Às vezes penso que a Carrie Brownstein é a mulher da minha vida. Ora vejamos: era um terço (e provavelmente a alma) das Sleater-Kinney, escreve canções do caraças, toca guitarra nas horas, de uma maneira sempre interessante, e, como se isso não bastasse, é hilariante (Portlandia é uma pérola). E depois ainda consegue que o gigante Tom Scharpling realize vídeos para a nova banda dela. Adoro-a.


 

Simão Martins

 

1

Lady Gaga
"Government Hooker"

Estaria a ser intelectualmente desonesto se omitisse o vício que nasceu em mim por esta malha de Lady Gaga (e outras, que não enuncio por estima ao meu lugar na redacção). A sua pop, construída em torno de mil sensacionalismos e Alexanders McQueens, assume nesta faixa contornos da melhor electrónica produzida por tipas como Peaches ou Amanda Blank, acabando por resultar numa boa dose de putedo, sobretudo vinda de quem já mostrou ter pouco a esconder - “put your hands on me, John F. Kennedy” foi só o verso mais assanhado de 2011 – e, por isso, nada a temer.

2

Buraka Som Sistema
"Voodoo Love"

Admito que, depois de alguma resistência, me rendi às evidências. Os ritmos praticados pelos Buraka Som Sistema não deixam ninguém indiferente mas, mais importante que isso, quieto. A aclamação chegou de imediato com o primeiro disco e também em Komba não são poucos o momento de puro “hard ass”, como disse um dia Sasha Frere-Jones. Mas é na ponderação da voz de Sara Tavares que nasce um dos grandes temas do alinhamento, “Voodoo Love”, com a colaboração de Terry Lynn. A música “já cansou di tocar”, cá em casa, e eu “já dancei dimais”.

3

Cut Copy
"Blink And You'll Miss A Revolution"

Melhor banda de synth pop da actualidade. Que restem poucas dúvidas relativamente a isto, e que não se hesite quando se coloca Zonoscope numa posição de proa no que aos melhores discos de 2011 diz respeito. E como tudo isto é maravilhoso, escolher a melhor canção do alinhamento foi fácil: qual a que foi mais sujeita ao repeat e a que mais faz o disco encravar em cada reprodução. “Blink And You’ll Miss A Revolution” é uma ode à alegria, que também já faz falta, com uma dose de sintetizadores e ritmos kitsch q.b, e um cowbell de comer e chorar por mais.

4

Oh Land
"Rainbow"

Num ano em que a música foi sobretudo ouvida no Nissan Micra em deslocações para aulas e trabalho, não nego que Oh Land me deixou em situações pouco confortáveis, sobretudo em alturas de intenso congestionamento rodoviário em plena Lisboa, hora de ponta. Em “Rainbow”, os estalidos de dedos são sonoridade de marca, e todo o corpo se balança em múltiplas direcções, voltando ao ponto de origem, para logo se voltar a mover. Estalemos portanto os dedos em “you can make it click, making me pop”, e dancemos. Oh Land, dinamarquesa que junta sonoridades como Fever Ray e Lykke Li, sabe atingir-nos com a sua pop e, quando damos pelos resultados, já é tarde. Já não oiço o disco no carro.

5

Destroyer
"Suicide Demo For Kara Walker"

Em Kaputt, os Destroyer dão uma abada no que toca a fazer canções. Do início ao fim do alinhamento, é difícil extrair um tema que se evidencie, que pareça assim tão melhor que o anterior, uma vez que a abordagem é quase sempre a mesma. Uma calma que já não é dos dias de hoje, evidentemente, leva a canções que enaltecem, além da genialidade de Daniel Bejar, enormes linhas de guitarra (aos 3.50, por favor), de sopros, uma bateria que resgata o melhor que os 80’s nos deram, e um baixo que nos segura durante a viagem. “Suicide Demo For Kara Walker” foi o tema que mais me apaixonou em 2011, e vai continuar a deixar-me pasmado. Assim se arranja uma companhia para a vida...

6

St. Vincent
"Surgeon"

Cheguei a St. Vincent (Annie Clark de seu nome) tardiamente, mas creio ainda ir a tempo. Pelo menos Strange Mercy já bateu, e daí extraí imediatamente, para uma das canções do ano, “Surgeon”, sobretudo por dois motivos: primeiro, a linha de guitarra, no refrão, a fazer lembrar a enorme “Stillness Is The Move”, dos Dirty Projectors, com um toque funk que me fez reconhecer em Annie Clark uma improvável e surpreendente guitarrista; e em segundo lugar, mas não menos incrível, o solo de sintetizador, quase de certeza um Moog, já na recta final, logo a seguir ao aumento da cadência do tema, gritante e em glissando até ao infinito, de ficar boquiaberto.

7

James Blake
"The Wilhelm Scream"

Já muito se escreveu acerca de James Blake e da sua maturidade aparentemente precoce, do seu uso impiedoso do autotune e da soul que há em si. Mas por mais que se escreva sobre Blake, jamais se poderá ilustrar por palavras o que “The Wilhelm Scream” transmite através das compressões e rarefacções da atmosfera que constituem o som. A partir dos dois minutos de magia, quando o clima se adensa, e tudo é abafado pelo ruído e pelo reverb intermináveis, com a melodia em pano de fundo, continuamos a ser embalados pelo sofrimento constante de “I don’t know about my love, I don’t know about my dreams”, até que toda a neblina sonora se abate sobre o descanso na voz do jovem Blake.

8

Friendly Fires
"Hurting"

No meio do imenso ruído que povoa o que anda por aí, pode ter passado despercebido aquele que foi, sem dúvida, um dos enormes singles de 2011. “Hurting”, com videoclip a querer ser engraçado, é mais um malhão dos Friendly Fires, que já nos têm habituado a coisas deste calibre, e têm no disco e no funk uns parceiros para manter. É que a coisa resulta mesmo, Ed Macfarlane em falsetto a mostrar como se comanda uma banda – quem os viu ao vivo que diga – o baixo e a bateria em diálogo constante, com uma assertividade que nos atinge em cheio no estômago, obrigando-nos a ripostar a cada investida. É disto que se faz a dança, meus caros, e os Friendly Fires sabem fazê-lo tão bem.

9

Junior Boys
"Kick The Can"

A dupla canadiana regressou em 2011, depois de em 2009 ter encantado com Begone Dull Care, e a tarefa não era fácil. Pois bem, e que tal acelerar o BPM, em It's All True, lançarmo-nos para a pista de dança e não hesitar em mandar um passo ou outro mais acutilante? É isso que mostra “Kick The Can”, malhão sem precedentes, de uma electrónica irrepreensível, tecno, electroclash e um ligeiro trave a acid house, sem ser demais, e assim ficamos todos bem. Obrigatória em qualquer playlist para deixar o pavimento coberto de suor, sangue e lágrimas.

10

The Strokes
"Machu Pichu"

Há aquelas faixas que batem logo. As que demoram a bater. As que não batem, de todo. “Machu Pichu” foi como o primeiro beijo, que nos deixa de coração nas mãos, nervosos com o sucesso da operação. Quase nos passa ao lado, não fôssemos astutos o suficiente para tornarmos a repeti-lo. E assim sucessivamente. Tantas foram as vezes que este mega single de Casablancas e companhia soou cá em casa que, no final, já quase só há carne viva e herpes. Mas ainda hoje, quando o recordo enquanto escrevo este efémero texto, sabe à primeira vez. Só já sei como o abordar.

Tiago Dias

 

1

PJ Harvey
"The Words That Maketh Murder"

“I've seen and done things I want to forget”, é como um “Aquele Inverno” para os ingleses que tiveram demasiados invernos e continuam a ver-se envolvidos em guerras hediondas em vários pontos do mundo. Sinceramente, do álbum Let England Shake a que mais repeti foi “In The Dark Places”, mas esta é bastante superior. Como ignorar a gigantesca referência, quando os problemas de outros eram as (ir)relevâncias do Verão: “What if I take my problem to the United Nations?”

2

Aquaparque
"Ultra Suave"

Em repetição trinta mil vezes ao longo de todo o ano, a entrada no corpo de outra pessoa, aqui talvez esteja a ver coisas no sensual onde ele não existe, mas talvez esteja lá. A batida, a letra, a vontade. Não sei se faz muito sentido, mas isso não importa nada nem a ninguém. Lembra-me Lisboa, por alguma estranha razão, apesar de eu achar que nunca a ouvi nem lá nem a caminho de lá e sabendo que os rapazes são de bem longe da capital. Pouco importa, também.

3

Fucked Up
"Queen of Hearts"

A dada altura cansei-me deles. Vendidos, dados ao comercial, os Vampire Weekend, etc. O que é certo é que esta esplêndida canção de amor entre o David e a Verónica não deixa de ter o seu charme, de tal forma que já passaram largos, largos meses e ainda não me fartei. Já pouco punk se faz com um cheiro a romance, se é que alguma vez houve em abundância esse remoto subgénero. Assim sendo, é sempre bom quando chega algo de novo capaz de impressionar e de, simultaneamente, mexer com cordas no campo emocional e no campo do mosh.

4

Snowman
"Memory Lost"

Fora da metalada e de alguns desvarios eletrónicos e afins (como Haxan Cloak, por exemplo), Absence foi o álbum mais perturbador que ouvi em 2011 e esta “Memory Lost” incorpora precisamente aquilo que quero dizer nisso que é desconfortável. Ao mesmo tempo, e isso é o que realmente me incomoda, sinto um prazer significativo ao ouvi-la. Puxo-a para mim para que me arrepie, que mais se pode querer?

5

Youth Lagoon
"Montana"

Admito uma queda para aquilo que é americano e concebido na desolação. As paisagens imensas que nunca vi e apenas imagino, os desertos, o verde enegrecido das montanhas sei-lá-eu-onde, o frio nórdico longe dos nórdicos, o isolamento. Esta canção é o contrário de tudo isso. É o oposto do desolado, é o rico e o crescendo, o belo e o pleno, o verde claro dos vales e das cascatas, os lagos cristalinos e o espaço sem preenchimento, o espaço que também não está vazio. Não sei o que ela diz, não quero saber, mas gosto.

6

Liturgy
"Glory Bronze"

Em Renihilation tínhamos a abertura avassaladora de “Pagan Dawn”, no segundo álbum a coisa demora a aquecer, mas ao fim de sete canções atinge um ponto inalcançado até ali na carreira destes rapazes (um deles é filho do compositor Kyle Gann): um ponto de beleza extrema, incomparável ao resto. É violento, é impactante, mas não tem o objetivo de destruir, pelo contrário. Pretende a contemplação.

7

The Weeknd
"Wicked Games"

A sequência lógica à evolução da teoria explicitada no ponto 10. Houve grande hesitação antes de dar início ao que se mostrou ser uma desenfreada escuta de The Weeknd, que se revelou bastante frutuosa. Há bocado talvez não tenha esclarecido de que não falo de actividade selvagem, falo sim de sensualidade. Quer na escolha anterior quer aqui o que é sensual tem primazia, há uma lentidão premeditada de movimentos, uma calma que se sabe que não vai acelerar, um regojizo pleno. Numa palavra, como Lacan: jouissance.

8

Hammers of Misfortune
"The Grain"

2011 foi o ano em que estive a metros de ver uma das bandas mais marcantes da minha encarnação metaleira, os Ludicra. 2011 foi também o ano em que eles acabaram, três meses depois de eu os ter visto em palco. Passo lógico seguinte era ver o que andavam a fazer os membros, em particular o brilhante guitarrista, John Cobbett. Descubro Hammers of Misfortune, que lançaram o monumental 17th Street no qual esta “The Grain” é o brilho de todos os brilhos. Dura mais de sete minutos, mas vale a pena ficar até ao fim. E voltar lá. Só mostra realmente quem é no final.

9

Low Places
"Sleeping In"

A banda de power violence cuja página no Facebook é “realsuffering” e que partilha coisas como Pusha T, The Weeknd, Pharrell Williams, entre outros, merece uma menção até porque figuraram intensamente nas minhas caminhadas casa-trabalho, trabalho-casa, em particular com esta “Sleeping In”. Arranca naquele power violence arrastado normal, tem ali uma movimentação de baixo surpreendente, mas o melhor só ao chegar aos dois minutos quando as coisas se tornam mesmo interessantes. Um ano sem power violence não é um bom ano.

10

Emika
"3 hours"

Há uns dias congeminei a teoria (que reconheço não ser original) de que 2011 teria sido o ano do sexo em termos musicais. Talvez nos termos musicais que se prestaram à minha escuta, não sei se fora de mim a opinião é partilhada. A voz grave desta jovem de origem checa foi uma das razões para ter desenvolvido esta ideia pouco razoável. Escolho “3 hours” como podia escolher mais algumas do álbum homónimo, que tresanda a suor ligeiro e perfumado, coadunado na perfeição com a sonoridade em causa, sem nenhuns excessos.


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