mixtapes r&b
· 28 Nov 2011 · 23:58 ·
Apesar da ideia generalizada de que o R&B continua a ser um género comercialmente infalível, a realidade nos topes mais relevantes tem vindo a desmontar esse mito sem a necessidade de recorrer a grandes análises. Exceptuando as sofríveis investidas pela Eurodance como decretada pelo David Guetta ou Black Eyed Peas, e coisas igualmente detestáveis como a “We Found Love” da Rihanna (Calvin Harris, porquê?) ou “In My Head” do Jason Derulo, têm sido desastres absolutos como a Adele, Bruno Mars ou LMFAO a ecoarem um pouco por todo o lado. Com uma conjectura periclitante, onde “Motivation” ou “Love On Top” surgem como belos intrusos num miasma aborrecido, acaba por se instaurar uma contenção de custos no que diz respeito à exploração do potencial comercial de alguém artisticamente relevante. Como tal, e enquanto a espera pelo contrato milionário se vai perpetuando, a opção pela mixtape de download gratuito tem-se revelado um meio cada vez mais necessário e digno para gerar o necessário buzz.

© Angela Costa

Obedecendo a padrões de exigência cada vez mais altos e potenciada por sites como o Datpiff, a mixtape começa a assumir-se, sem quaisquer concessões editoriais, como a via para documentar todo um processo criativo que, de outra forma ficaria remetido aos leaks rasteiros ou a demos invisíveis. Curiosamente, e num ano em que poucos foram os álbuns do género com genuíno interesse (4, King of Hearts, Break of Dawn e que mais?), foram mesmo algumas mixtapes que mais fizeram por manter o género num nível qualitativo elevado. Dispostos de forma mais ou menos cronológica, estão aqui exemplos fidedignos de que o interesse não mora com outsiders em estado de graça crítico. Entre novatos e nomes de créditos firmados, seis peças fundamentais que fizeram de 2011 um ano um pouco menos negro :

 

 

Diddy Dirty Money –
LoveLove Vs. HateLove


Com data de lançamento estratégica para o dia de S. Valentim, LoveLove Vs. HateLove procurava capitalizar Last Train to Paris até ao máximo, aproveitando todo o suposto romantismo em torno da data como justificação aparente para a sua existência. O que tendo em conta todas as razões de marketing subjacentes, acaba por nem se revelar assim tão descabido e é uma alternativa legítima à euforia natalícia de coisas como Snowflakes da Toni Braxton. Partindo desse conceito, LoveLove Vs. HateLove vai intercalando algumas versões mais mellow (i.e. aquele ponto de equilíbrio entre macio, brando, aveludado, etc.) de malhas como “Ass on the Floor” ou “Yeah Yeah You Would” com temas das sessões de Last Train to Paris que não chegaram ao disco. Funcionando como uma adenda desse mesmo, mas dispensando as maiores ambições conceptuais, incide nos mesmos sintetizadores fosforescentes e nos néons difusos, adoptando uma maior placidez como via para uma catarse emocional que sem grandes acessos xaroposos vai unificando o projecto sob o tal signo do amor. Pelo meio, e dispensando coisas como aquela “Intro” pavorosa ao piano, algumas inevitáveis narrações entediantes do Diddy e a desnecessária presença do Lil Wayne, são as Dirty Money a abrilhantarem a tensão subliminar de “Sade” ou a alienação estática de “Utopia”, num todo coerente que se vai alimentado de slow jams tão elegantes quanto enevoadas sem descer a um fosso mais tépido.


 

 

Dawn Richards
Prelude to : A Tell Tale Heart


Quase em simultâneo, uma metade das Dirty Money lança Prelude to : A Tell Tale Heart como forma de “apalpar o terreno” antes de um hipotético álbum. O que tendo em conta algum do backlash aquando da dissolução turbulenta das Danity Kane, até será prudente para cimentar o comeback da Dawn Richards pós-Last Train To Paris que tem vindo a ser preparado sem grandes euforias. Partilhando diversos pontos de contacto com esse álbum a nível de produção, Prelude to : A Tell Tale Heart vai-se sustendo nas mesmas cascatas de sintetizador como meio para diversos settings onde a Dawn Richards assuma o protagonismo. Fiel à sua condição de mixtape, este prelúdio para A Tell Tale Heart consegue ter um identidade dignificante mesmo enquanto indício para algo mais desenvolto, acabando por ser algo vítimizado por um certo desleixe. Para a posteridade, bangers como “Me, Myself and I”, “Biggest Fan” e “Runway” ou a maior subtileza de “I Know” com a Kalenna e, especialmente “Let Love In” superam as limitações de um MP3 de qualidade suspeita por se tratarem, efectivamente, de óptimas canções onde a pirotecnia sónica nunca abafa a persona que lhes dá corpo/voz. Tivesse havido um maior cuidado e rastreio e poderia ser verdadeiramente memorável. Nesta forma, trata-se de um “objecto” tão vestigial quanto fascinante. O que diz muito sobre a sua natureza e deixa as maiores expectativas para o futuro. Se houver uma conjectura para que tal posso acontecer.


 

 

Jhené Aiko
Saling Soul(s)


Sobre Sailing Soul(s) já tinha escrito as seguintes palavras aquando do leak de “Snapped” : Em parte, o fascínio da Jhene Aiko deriva do facto de relembrar como este mundo precisa do segundo álbum da Cassie (consta que gravou recentemente a última malha, mas é melhor não inflacionar expectativas). No entanto, seria injusto remetê-la a algo subpar quando Sailing Soul(s) se trata, efectivamente, de uma das melhores mixtapes do ano. Com a produção sonâmbula de Fisticuffs (entre Southern Hummingbird e Cassie) a servir na perfeição a prestação cândida/resignada da Aiko (daí a comparação), num disco laborioso e coerente com algumas canções enormes como "Stranger", "Hoe" ou "Space Jam". Aprofundando um pouco estas ideias, e reconhecendo a ausência de momentos maus (excepto a presença do Drake na "July", claro), Sailing Soul(s) ainda perdura como um dos objectos mais valiosos de 2011, sem instigar a uma personalidade forçada (caso em questão : Keri Hilson) nem derivar em múltiplas pistas como meio de agarrar o ouvinte dê por onde der. Restam belíssimos instrumentais, e uma voz que sabe fazer deles canções memoráveis, onde a leveza de uma summer jam como "Higher" pactua com uma balada narcótica como "You Vs. Them" na criação de uma linha condutora precisa. Brevemente, terá sequela com Souled Out. Se manter o nível de Sailing Soul(s), e ignorarmos o facto de se tratar de um dos piores puns de sempre, será a constatação do enorme talento da Jhené. Mesmo que uma comparação com a Cassie seja sempre bem vinda.


 

 

Teedra Moses
Luxurious Undergrind


Sem querer entrar pela constatação trágica da ignorância generalizada perante o maravilhoso Complex Simplicity de 2004, não deixa de ser triste acompanhar o quase-silêncio a que uma das mais fascinantes senhoras do espectro R&B se remeteu após esse fracasso comercial. Uma daquelas que faziam verdadeira falta (por onde andarão a Megan Rochell ou a Yummi Bingham?) e que poderá agora relançar a carreira com a entrada nos quadros do Maybach Music Group do Rick Ross. Lançada no dia da indepêndencia dos Estados Unidos, Luxurious Undergrind foi a sua primeira manifestação visível deste novo fôlego através de nove canções que evitam a auto-comiseração ou o statement coercivo (“Jazz Intro” é apenas um apontamento de pseudo-classe com 13 segundos). Imune a qualquer tendência mercantilista mais trendy, Luxurious Undergrind surge num contínuo com a segurança e aprumo das composições de Complex Simplicity. Com as canções a assumirem o papel determinante, relegando a produção a uma sequência discreta mas muito eficaz de arranjos, Luxurious Undergrind não procura reinventar nada, permanecendo numa aura muito particular sem que haja qualquer esforço desnecessário para escapar a um certo classicismo formal onde tudo faz o seu sentido. Mixtape de labor e minúcia apaixonante e apaixonada que deixa no ar a impressão de que The Lioness poderá vir mesmo a ser uma realidade. E de que este Mundo precisa, mesmo, de mais Teedra Moses.


 

 

Nikkiya
SpeakHer


Aparecida sem um background sustentável per se esta cantora da Georgia, que se deu a conhecer através da óptima “Speak Her Sex” do Yelawolf, é uma espécie de descendente de uma semi-linhagem boho diva dos 90's que nos últimos tempos parecia perdida ou transmutada no colorido da Solange Knowles. Sem se deter num comprimento de onda tão classicista quanto esta, Nikkiya apresenta-se como uma cantora com uma personalidade tendencialmente bizarra, algures entre a Tweet, a Brooke Valentine ou a Janelle Monaé sem grandes trejeitos de grandeza. Coadjuvada por uma simbiose perfeita na produção enviesada do Will Power do camp da SupaHotBeats, as canções de SpeakHer vão desfilando irreverência num technicolor denso que raramente se deixa deslumbrar pela ambição. Sem que seja um esforço muito coerente (o que é natural tratando-se de uma estreia), SpeakHer apenas esmorece quando entra pelo over the top de “Cheater” e “Love Machine” ou pela Eurodance com pilhagem à Crystal Waters de “I Like What You´re Doin'”. O resto é irrepreensível : “When I Get High” transporta a sua celebração lírica para uma canção de contornos igualmente alucinados, enquanto “In the Game” se vai refractando pela batida old school à qual a MC Lyte confere todo uma contextualização temporal. Como contraponto a estes momentos mais excêntricos, “Nobody But Me” é uma balada formal sem medo de expor uma maior vulnerabilidade e “Wish” é uma slow jam gasosa na senda de algo como “Drunk”. Tendo em conta a confusão que se tem instalado no género, quando se confunde risco com algo como Weeknd, SpeakHer é um documento crucial e único na sua capacidade para atrair todos aqueles que deixaram de acreditar no R&B quando o Timbaland começou a confundir experimentação com estranheza indulgente. Por muito pouco (ou nenhum) interesse que isso tenha.


 

 

Trey Songz
Anticipation 2


Até Passion, Pain & Pleasure a figura do Trey Songz (mais visível nos álbuns) sempre foi demasiado caricatural para que se pensasse nele como algo mais do que uma versão subpar do R. Kelly sem um terço da piada (no duplo sentido da palavra). No entanto, e apesar das razões para o cepticismo Anticipation saída em 2009 deixava já antever aquilo que pérolas como “Door Bell” ou “Unfortunate” deixaram claro : o interesse estava quase todo do lado das slow jams e não no factor festa de algo como a “Say Ahh”. Com Passion, Pain & Pleasure a mediar o processo, Anticipation 2 reúne condições para ser alvo de maior atenção do que essa prequela pouco reconhecida. Pejada de platitudes sexuais patentes em títulos tão óbvios como “Still Scratchin' Me Up”, “When We Make Love” ou “French Kiss”, Anticipation 2 palpita de desejo sexual, com a líbido a ter réplica instrumental por entre batidas mid-tempo e sintetizadores incandescentes. Sem que existam momentos verdadeiramente dispensáveis (apesar dos tiques soulful de “Girl At Home” empalidecerem no todo), não deixam de se destacar algumas canções, numa mixtape de propósitos vincados. “Me 4 U Infidelity 2” continua a temática de “Infidelity” com camadas de vozes adulteradas que vão fazendo a cama para versos sobre traição (claro) e uma coda com sample do Boardwalk Empire. “Don't Judge” até poderia ser acusada de misogenia, não fosse a sua obstinação em fazer da mistura sexo + cocaína uma fórmula segura para uma noite imune a julgamentos (está tudo naquele título). Mais para a frente, “French Kiss” é quase escatológica no teor descritivo, com um instrumental que insinua toda a acoplagem com a elegância necessária. Com tantas hormonas a serem despejadas de forma casual/grosseira (dependendo do grau de pudicismo), Anticipation 2 poderia cair num registo de paródia não fosse a própria prestação do Trey assegurar um certo distanciamento emocional de tudo isso, que acaba por se confundir com a textura dos arranjos. O necessário.

Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com

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