Banda do saco
· 31 Mai 2010 · 01:02 ·

Chaval… Marshmallows que comem pessoas. Alguém preso num quarto imparavelmente invadido por gosma escura que sai das paredes. Uma criatura a deitar fumo pela cabeça. Estes são apenas alguns dos spoilers mamados que têm vindo a ser associados a ODDSAC, o filme de aventurado conteúdo psicadélico, que os Animal Collective preferem entender como novo álbum visual num dos mais ricos e reveladores percursos artísticos dos últimos 10 anos. A recapitulação é desnecessária.




Depois da estreia no Festival de Sundance e de uma série limitada de exibições, ODDSAC chega, no próximo dia 2 de Junho, a Lisboa, mais precisamente ao Auditório da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa para uma sessão única às 22 horas. O filme “fora” será exibido em alta qualidade e com um sistema de som de concerto. Os mais curiosos contarão ainda com a oportunidade de colocar perguntas ao realizador Danny Perez e ao nosso Panda Bear (Noah Lennox) numa sessão de perguntas e respostas (que valerá por si só, se for tão divertida como aquelas que receberam Francis Ford Coppola e Sasha Grey no Estoril).

Entretanto Danny Perez adiantou-se nas respostas e contou-nos um pouco mais sobre a realização de ODDSAC, que, apesar do curto financiamento (75 mil dólares) por parte da Plexifilm, parece satisfazer a ambição dos seus criadores: “É sempre possível angariar mais dinheiro, mas a certa altura há que estabelecer compromissos e limites. Existem certamente ideias minhas que sofreram mutações por uma razão ou por outra. Mas era um projecto ambicioso desde o início, e eu achei que, se tentares chegar à lua, é provável que acabes em cima de uma nuvem. Por isso é bom apontar por alto.”




Sobre ODDSAC diz-se também que preserva uma certa estética amadora e caseirinha (características frequentemente associadas ao cinema e televisão camp, ou seja, cenários pintados à mão e camisas de licra compradas na loja do lado). Quanto a isso Danny Perez esclarece que “o camp é explorado num sentido estilístico. E isso faz com que seja uma componente mais do que um aspecto resultante do nível de produção. O facto de não ter sido filmado em 35 milímetros ou HD talvez ajude a que esses disfarces não sejam tão transparentes.”

Apesar de ainda jovem, Danny Perez já inclui no currículo uma alínea como assistente de produção no estrondoso êxito Homem-Aranha 2 (grande filme de herói e o melhor dos três, digo eu). Foi também da sua responsabilidade a reinterpretação delirante da fábula da lebre e da tartaruga no vídeo gravado para “Who Could Win a Rabbit” (o single eufórico de Sung Tongs, histórico álbum de transição no fluxo Animal Collective). Danny Perez admite que esse primeiro contacto a sério transformou-se em promessa de longo namoro: “muito por causa de termos achado que era divertido e fácil trabalhar em conjunto”, diz ele.




Mas o burburinho de namoro já vinha dos tempos em que Danny Perez era roadie dos Black Dice e criador dos visuais projectados em digressões partilhadas com uma versão primordial e mais cacofónica dos Animal Collective (quando nem sempre eram bem recebidos nas cidades mais refundidas). Danny Perez fala como um incondicional:”Sou um grande fã e assim tenho sido durante estes anos e através de todo o catálogo. A partir daí, creio que eles estavam conscientes dos aspectos que eu mais apreciava e aqueles que me levariam a criar mais visuais. Mas, ao mesmo tempo, eles desenvolveram todos os sons para o ODDSAC enquanto faziam o Strawberry Jam e o Merriweather Post Pavilion. Por isso é como se fosse apenas outra faceta de uma abordagem completamente densa e original. Eles são adaptáveis e colaboradores excitantes ao ponto de irem tão longe como acontece nestas experiências.”

Quem parece não ter sido tão “adaptável” à estranheza de um dos cenários utilizados em ODDSAC foi a mãe de uma das crianças participantes. Ao que tudo indica, o dia de filmagem envolvia uma decoração vagamente satânica e a mamã não consentiu que o seu filho participasse no ritual. Esse que, afinal, era coisa de meninos em comparação com o que acontece no cinema dos muitos milhões. Danny Perez fala por experiência própria:”Acho que os meios convencionais são uma indústria assustadora e obscura. Já trabalhei em anúncios e filmes de diferentes orçamentos ao longo dos anos, e posso garantir que a vibração nas minhas produções é excepcional, na medida em que é descontraída e livre dos absurdos que arruínam muitos dos ambientes “profissionais” em que participei. Egos, horários de loucos, moral em baixo: tudo isto são coisas que não suporto ao trabalhar nos filmes dos outros. Diria que a maioria dos actores passam um bom bocado nas minhas filmagens, ainda que 30% deles nunca mais voltem a ligar.” Fica a suspeita de que a raposa falante d’ O Anti-Cristo (O caos reina!) possa repetir o seu papel em ODDSAC.




A pergunta de nerd fica para o fim e procura saber em que ponto se encontra o DVD da coisa. Danny Perez revela apenas o essencial:“Estamos a preparar uma edição especial com um aspecto único e um livro de imagens retiradas dos vários anos de produção de ODDSAC, o que pode até levar as pessoas a envolverem-se um pouco mais no seu universo. Mas esse trabalho ainda está em desenvolvimento.” Enquanto o DVD não chega, vamos fazendo fila à entrada da Faculdade de Belas Artes com o estômago preparado para o pesadelo que aí vem.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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