O maravilhoso incatalogável feminino revelado em dois discos de 2007
· 11 Jun 2007 · 08:00 ·
© Teresa Ribeiro


Islaja Ulual Yyy
2007
Fonal / Flur

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Merja Kokkonen prossegue a sua transformação em algo que vai muito além da folk enviesada e deliciosamente fora de tom que habitava Meritie, o primeiro álbum da finlandesa que é, porventura, a maior exportação da admirável Fonal.

Ulual Yyy guarda ainda muito do conflito entre cacofonia e melodia, estrutura e anarquia dos dois álbuns anteriores, mas dá interessantes passos na evolução musical de Islaja, cada vez menos apenas uma tímida cantora que representava a vaga freak folk em solo finlandês.

Atente-se na pequena maravilha que é "Suru ei" - sopros em levitação, sintetizador a arrastar uma melodia. Björk podia ter levado Islaja para o seu Volta - há aqui a mesma gravidade solene e elegante de metade do último disco da islandesa.

O alargar de fronteiras estéticas está presente em cada faixa. Em "Kutsukaa sydäntä", há um piano que se arrasta sob um corropio de guitarras desafinadas. "Sydänten ahmija" põe o veludo do saxofone de Jukka Räisänen (um dos poucos músicos em mais um disco solitário de Merja) a contrastar com silvos sinistros, um órgão infantil e com a voz da finlandesa. A indecifrabilidade das palavras de Merja dá-lhe pontos extra de charme e estranheza (pelo menos aos ouvidos de quem não compreende finlandês).

Não se julgue que a folk marada desapareceu do vocabulário de Merja ("Muusimaa" são os compatriotas Avarus de uma pessoa só, "Muukalais-Silmä" é um sussurro fúnebre), mas Islaja é cada vez mais um projecto idiossincrático e livre. PEDRO RIOS

Fursaxa Alone in the Dark Woods
2007
ATP Recordings

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Espera-se de uma figura tão naturalmente dada a uma existência ermita como TAra Burke, rebaptizada Fursaxa por acaso de um número de telefone, que consolide continuamente o léxico musical que elaborou para se expressar, sem que esse conheça uma normalização ou lógica imposta por factores externos que serão invariavelmente tóxicos na influência que possam exercer por tão puro corpo. A menos que esses representem colaborações, que Fursaxa aceita de bom grado, revelando até que, quando assim é, o contacto salienta na sua essência capacidades que desconhecia. Mas Fursaxa, enquanto entidade autónoma, é mais do que suficiente para quem tenha a sua frequência espiritual apontada à assimilação de discos que representem uma experiência além da meramente auditiva. À imagem de toda a produção emergida a partir de discos e cd-r vários, e independentemente da dificuldade de digestão de cada um desses, Alone in the Dark Woods constitui adicional capítulo na afirmação da singularidade e potencial curativo do nome Fursaxa, que não o é por imposição ou tendência fabricada por outrem, mais parecendo existir num paralelo magnificamente salubre e próspero porque assim estava escrito.

Comparativamente ao que revelava Lepidoptera e o opus incluído no split partilhado com os Juniper Meadows, constata-se que a permissividade temporal de Alone in the Dark Woods é mais limitada, mas nem por isso menos cedente, na medida em que cada um dos seus treze canais se mantém activo apenas por uma média de dois minutos – tempo mínimo disponibilizado à percepção para que se renda ao fluxo de loops coloridos e ao encadeamento de rituais pagãos resultantes em frocados desabrochares psicadélicos. A posterior busca rumo ao que não consta em disco – a fonte e ponto terminal da seiva Fursaxa – já dependerá da orientação assumida pela porção que se evacuou ao fardo corporal e se afoitou pelo que está para além de um velado portal que, na indescritível “Sheds Her Skin”, adquire circularidade por efeito das vozes fantasmagóricas e de dois acordes repetidos a uma pequena guitarra (será?). Quando se encontra totalmente efectuada a entrega que merece este novo tomo na saga Fursaxa, menos passa a ser mais e o isolamento o mote imaculado para uma nova lenda de Greystoke, com ents florestais no lugar dos macacos. Alone in the Dark Woods apela à ingenuidade e despovoamento cerebral próprio dos tempos mais propícios à assimilação de uma linguagem estranha. Serve, nem que seja, para contrariar o brutal cepticismo de uma campanha publicitária que negava a existência de sereias e unicórnios, apenas para ver essa lacuna ser compensada pelos bens à venda no tal shopping promovido. Por sua vez, a incorruptível alma de Fursaxa não tem preço. MIGUEL ARSÉNIO


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