América do Avesso III
· 16 Abr 2007 · 08:00 ·
© Teresa Ribeiro


Magik Markers A Panegyric to the Things I Do Not Understand (…)
2006
Gulcher

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http://www.magikmarkers.com
http://gulcher.gemm.com

O presente disco obriga-me a uma comparação de que provavelmente não me orgulharei muito quando tiver família formada ou usar bengala como terceira perna. Mas é inevitável e aqui vai: o bizarro veículo noise japonês Gerogerigegege está para a masturbação como as Magik Markers deste A Panegyric to the Things I Do Not Understand (...) para a menstruação. E nem assim é só porque as duas funções corporais rimam ou provocam desconforto em sensibilidades mais pudicas – existem de facto pontos em comum na aproximação que descrevem ambos os nomes em direcção aos respectivos temas que movem as suas peculiares visões da “músicaâ€.

“Música†relativizada pelas aspas, porque no muito obscuro caso de Gerogerigegege essa serve apenas para formar contraste entre o easy-listening e os sons brutalmente explícitos captados ao mentor Juntaro Yamanouchi enquanto este – literalmente - se masturba compulsivamente (como bom merecedor do título de Senzuri Champion). Quando o puro noise substitui o lugar da “músicaâ€, junta-se o corrosivo ao desagradável e a submissão a um sete polegadas de Gerogerigegege basta para a provocação de náuseas ou brio fétichista, conforme o prato de cada um.

De modo que a comparação entre as Magik Markers e Gerogerigegege só pode ser feita de forma elogiosa quando se sabe da redundância e irrelevância poseur que sobrepovoa o cenário do rock mais ruidoso feito a partir da deriva de guitarras e secção rítmica trôpega, formato assumido pelo trio de Hartford, no estado de Connecticut, antes da saída de Leah Quimby.A Panegyric to the Things I Do Not Understand (…) (o título é abreviado), oportunidade única de conhecer o trio aplicado em longa-duração propriamente dito, parte notoriamente afectado por sintomas que facilmente se identificariam ao temperamento pré-menstrual: o estrilho que emitem as guitarras no seu atrito projecta-se em feedback ostensivamente irritadiço, sobre o qual todo os restantes apontamentos – metais nervosamente manuseados e violentação física das cordas – caiem como salpicos que associaríamos à técnica da pintura de Pollock. Na primeira rapsódia, que engloba passagens numa mesma face “Californiaâ€, a combustão triangular abranda para que se escutem uns mais ameninados la la las e um assobio de dedos cruzados atrás das costas. Porém, a ansiedade volta em força na face “Paris†com a junção de trémulas litanias entoadas em modo de sinuoso rito catártico. A ideia sobrante aponta A Panegyric to the Things I Do Not Understand (…) como uma espécie de caça às bruxas levada a cabo pelas próprias bruxas. Esta maça vermelha encontra-se envenenada por um muito demente e tóxico recheio.

The Chinese Stars Listen to Your Left Brain
2007
Three One G

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http://www.thechinesestars.com
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Proporciona um tremendo gozo assistir ao ping-pong que levam a cabo as bandas britânicas e norte-americanas na persistente demanda pelo mais vicioso álbum rock incidente nos movimentos das guitarras. O proliferar de riffs reciclados através de ligeira adulteração continua a destacar bandas até ao horário nobre da MTV2 e cada vez mais parece tardar a extinção desta maldita dinastia que começou nos Franz Ferdinand ou equivalentes contemporâneos. Mais triste é encontrar os Modest Mouse envolvidos nesse campeonato com o mais recente We Were Dead Before the Ship Even Sank, mas não é esse o disco que se debate por aqui (e, com isso, evite-se que quaisquer lágrimas borrem estas linhas). “Bored With This Planetâ€, que serve como pit box energética ao segundo disco dos Chinese Stars, Listen to Your Left Brain, conta com um desses riffs imediatamente entranháveis que provocam reacções químicas imediatas entre as cordas da guitarra e músculos dos membros inferiores, assim que consumados os primeiros contactos de familiarização entre ambos.

Não se chega a perceber, contudo, se a intenção dos Chinese Stars é puramente lúdica ou subversivamente trocista, porque a ladear o riff lá está um teclado obtusamente kitsch e um cowbell obrigado a marcar presença pelo simples facto de ser adereço inseparável da coolness actual (tal como a vende a MTV2). Exceptuado o exercício de intuitos enigmáticos, os Chinese Stars valem-se de argumentos que não desonram em nada a paternalidade dos muito mais interessantes e extintos em pico de forma Arab On Radar: lá se encontra a voz de Eric Paul (membro comum aos dois colectivos citados) transformada em táctica assumida de sedução, o braço de ferro tresloucado entre componentes rock e outras mais sinteticamente electrónicas (tal como mediado pela memória presente dos Devo), a pontaria no timing estabelecido para cada faixa num disco que triunfa ou morre pela duração (neste caso, convenientemente curta). Versam-se uma infinidade de testemunhos acerca da crueldade das mais fatais jovens americanas de natureza felina e sente-se omnipresente a ambição de Jedi maléfico em combinar riffs cortantes com potenciais singles que nunca serão editados. Vale a pena escutar a metade esquerda desta massa cinzenta.

The Death of a Party The Rise and Fall of Scarlet City
2007
Double Negative

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http://www.thedeathofaparty.com
http://www.doublenegativerecords.com

Vezes há em que basta a comparência em disco de instrumentos à partida estranhos ao formato rock para aditar o pós ao termo hardcore, fazendo tal concordância acreditar que a tal inclusão resulta automaticamente em progresso e sofisticação (hemoglobinas essenciais à sobrevivência do hardcore). A verdade é que um banda fiel ao screamo (hardcore vocalizado de modo ríspido) não deixa de o ser só porque alguém amealhou trocos suficientes para trazer consigo um moog ou um sintetizador para o palco, tal como os Mars Volta não são superiores ao que um dia foram os At the Drive-in pelo simples facto de nos seus discos incluírem uma muito mais abrangente parafernália instrumental. Quantidade não é qualidade e um currículo eficaz pode até ser aquele que conta com menor número de alíneas.

Posto isto, pode-se dizer sobre o primeiro longa-duração destes The Death of a Party que não evitarão o paralelo directo com os Blood Brothers só porque arrastam até aos seus temas os sons do piano, theremin e mandolim (que oferece um perfume muito veneziano a uma “Scarlet City Millionaire’s Club†que a seu favor tem um compasso bem medido pelo suspense). Na verdade, quando parecem forçadas as inclusões de instrumentos avessos ao tradicional fluir hardcore é como se a excentricidade nunca chegasse a estimular a imaginação – arma que fez dos Blood Brothers os porta estandartes deste género híbrido. Os Death of a Party nunca ultrapassam a condição de versão light dos gurus que já haviam percorrido o trilho que só agora o colectivo de São Francisco palmilha em “Emerald Crownsâ€, com a reincidência no piano de bar em navio prestes a afundar. O restante álbum faz os possíveis por gerir o que de impressionante possam reservar essas passagens mais dissonantes e outras mais in your face que se perdem entre um mar de semelhanças mantidas com uma infinidade de objectos do estilo. The Rise and Fall of Scarlet City, um pouco como evidencia o seu título, ascende por via de peculiaridades resgatadas a suor alheio e estatela-se em mediocridade pela falta de originalidade.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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