Hardcore com ar de porco #3
· 19 Fev 2007 · 08:00 ·
© Teresa Ribeiro

Há que saudar os Mata-Ratos pela provocação universal conseguida com as duas linhas incendiárias que ateiam o início a "Pedra no Sapato”, afronta incluída num destemido Estás aqui, estás ali que só é mesmo superado pelo lendário Rock-radioactivo. Assim rezam as frases introdutórias: Todas umas putas, menos a minha mãe. Todos uns paneleiros, menos o meu pai. São lançadas tendo por fundo um riff mais ou menos óbvio e desembocam num refrão metralhado à boa maneira dos Mata-Ratos. A verdade é que não haverão mais estrondosas ofensas a ser proferidas num potencial hino hardcore pronto a fazer ferver mãos e as faces que esbofeteiam. Com uma atitude semelhante, a label californiana Three One G desde há algum tempo que se especializa na arte de lançar hardcore virulento cuja principal motivação é a desertificação da Califórnia que circunda San Diego. A Three One G será a mais lenta implosão verificada através de discos estupidamente rápidos. Os Holy Molar e Das Oath contribuem com mais dois pregos no selar do tampo que há-de cobrir o caixão ao hardcore tal como o conhecemos.

Holy Molar Cavity Search
2007
Three One G

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http://www.threeoneg.com

Justin Pearson é um homem de múltiplos caprichos e encontra na Three One G um santuário de indulgência para albergar todos esses – não só por ser tido como notoriedade no meio, enquanto vocalista e baixista dos dianteiros Locust, mas também porque foi ele que instalou as fundações da casa que agora marca a lomba aos discos dos seus incontáveis projectos secundários. Com a cegueira própria de quem vive obcecado, os aficionados dos Locust vão acreditando que é pertinente a variância entre a banda matriz e ramificações como os Some Girls, Head Wound City (linces entre a selva de projectos) e estes Holy Molar que, mesmo quando falham pela redundância, conseguem sempre acender as quimeras que fazem brilhar os olhos aos coleccionadores. O EP Cavity Search volta a apresentar todas as características que dele fazem um objecto de enorme potencial fetichista: as dezenas de mudanças de tempo tabelados em ricochete de improvável acompanhamento (essas que os arquivistas adoram dissecar), clássicos à escala do circuito de concertos caseiros que percorrem os Holy Molar, um cartoonesco artwork de gosto dúbio que funde ginecologia e arqueologia. O bónus acrescido descobre-se a umas quantas surpresas surgidas no mais escatológico dos lançamentos assinados pelo Molar que devia ser Sagrado e acaba sempre por ser Profano: inédita grandiosidade cinemática no desenlace de “My Saturday Night Fever Turned Into A Sunday Morning Rash” e a subversão trocista de ritmos techno que, ao ser arremessado para a centrifugadora do hardcore mais fodido, revela como o género europeu é entendido e reinterpretado por quem cresceu ao desabrigo de uma selva de refrões ríspidos e riffs em forma de bala. Existe também um mandolim a acenar a bandeira-xadrez na cara de “Der Werewolf Breath”. Os miúdos necessitam, enfim, de ser confrontados com sons pouco familiares para continuarem a acreditar que o hardcore não estagna enquanto a sofisticação lhe for acrescentando adereços descabidos (ou não). Justin Pearson e a sua pouco aconselhável turba continuam iguais a si mesmos no colmatar dessa vil necessidade.

Das Oath Das Oath
2007
Three One G

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http://www.threeoneg.com

Na curva onde derrapam os Holy Molar, pela excentricidade que os afasta do hardcore curricular, despistam-se os Das Oath por, inversamente, evidenciarem demasiado e indesejável apego à conduta Three One G. Essa que funde estrutura rock em combustão tecnicamente impressionante e berraria capaz de provocar sarna - combinado que resulta muito melhor quando atraiçoado por golpadas transgressoras. Seja através da electrónica apocalíptica pilhada aos Alien Sex Fiend ou com a manipulação inteligente de características mais futuristas (o ponto forte dos Locust). Apesar do revalidar honroso de técnicas old-school (pára-arranca sincronizado, ping-pong súbito entre vozes), uns Das oath de dupla nacionalidade (Nova Iorquina - o erro é propositado - e Holandesa) não deixam de acusar flagrantemente o desgaste da fórmula que invocam para este circo de feras, onde a colisão instrumental demonstra garras bem afiadas e um vocalista duro de roer, Mark McCoy, ocupa o lugar do domador que abusa da garganta como um serial-killer abusa das partes mais afiadas das suas armas brancas. Alheássemo-nos dos feitos alcançados por bandos semelhantes, e os Das Oath deste segundo longa-duração (10 minutos?!) homónimo podiam até ver aclamada a sua fúria kamizake e o preciosismo de artefactos que escavam em alguns momentos majestosos (uma ponta de febre tribal afecta o final do disco). No seu melhor, assemelham-se a uns desencantados Vicious Five ferozmente aplicados em reproduzir a praga caótica dos Gafanhoto ou o inverso (sem que isso signifique que os V5 são uma praga). No seu pior, provocam enorme vontade de escrever de seguida um Hardcore com Ar de Porco que inclua discos que sejam superiores a este.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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