Tops 2005
· 30 Dez 2005 · 08:00 ·

Este é o cantinho que o Bodyspace reservou para os discos portugueses, para os ‘tugas, como lhes chamam por aí. No Top Geral, aqueles que alcançaram votos e o direito para isso, digladiaram-se com os discos vindos de fora, e aqui lutam entre si. De 2005, guardaremos a memória de um ano forte para a música portuguesa em todas as suas variantes: no jazz, no fado, no rock (mais ou menos experimental, menos ou mais directo e confrontacional), na pop e no hip-hop, e naqueles discos que teimam em impedir que lhes atiremos com uma categorização para cima. Alguns são discos de estreia, outros são confirmações, outros ainda consagrações. Alguns não estávamos à espera, alguns esperamos uma porrada de tempo para os ouvir, e outros nem os vimos chegar. A oferta foi tão grande que um Top 20 não espantaria ninguém. Antes, faria justiça aos que ficam de fora. De seguida, apresenta-se o Top 10 de discos portugueses de 2005:

10
Frango Sittin’ San
Test Tube
Jorge Martins tem motivos para se sentir orgulhoso: milita em duas das mais excitantes formações que o rock português viu nasceu nos últimos anos. Se nos Fish & Sheep, o ruído engole tudo, nos barreirenses Frango ele é utilizado como textura nas longas peças improvisadas que o quarteto apresenta em disco ou ao vivo. “Sitting San” são os Frango em regime esparso e aéreo, com pontos de contacto com os Jackie-O Motherfucker e os momentos menos previsíveis dos Mogwai (ouça-se “Rusty allen”). “Whole hit bloomer”, CD-R também editado este ano, é outro trabalho dos Frango bastante recomendável. P.R.
9
Bernardo Sassetti Trio2 Ascent
Clean Feed
Bernardo Sassetti não é um pianista de jazz tradicional. Não é de todo um puro improvisador, mas compensa com uma formação clássica de excepção. Nos seus discos anteriores Sassetti desenvolvia uma aproximação à linguagem jazz, mas a utilização deste rótulo para classificar a sua música não será a mais exacta. Em “Ascent” (título que evocará “Ascension” de Coltrane), Sassetti liberta-se dos constrangimentos que os rótulos implicam e com um duplo trio conjuga duas vertentes num território que á a sua casa. Associando ambiências de música clássica (violencelo e vibrafone) ao seu jazz particular (com auxílio da dupla Barretto/Frazão), consegue um equilíbrio perfeito que sedimenta uma obra-prima: magnífica, intemporal, sem fronteiras. N.C.
8
Carlos Bica Single
Bor Land
Carlos Bica, eminente voz do contrabaixo jazz nacional, deixa de lado os projectos paralelos de jazz para arriscar a aventura de um projecto solo. Fruto de uma inesperada (mas muito bem-vinda) ligação à editora Bor Land, Single é um poderoso manifesto onde o contrabaixo é quem mais ordena, ora seguindo por melodias inesperadas, sussurros pop ou pequenos embalos improvisados. Entre o arco e o pizzicato, Bica engenha um disco que, tendo por base apenas um instrumento, é suficientemente corajoso para ficar na história da música portuguesa. N.C.
7
Loosers For-All-The-Round-Suns
Ruby Red
Pioneiros de uma nova cena (já não hesitamos em usar a palavra tabu) musical portuguesa (“namedropping”: Fish & Sheep, CAVEIRA, Gala Drop, Frango, Dance Damage, etc.), com pés na ética DIY e com abordagens oblíquas ao som, coube os Loosers editar o primeiro disco em formato mais oficial (segundo os canônes tradicionais) de entre este grupo de bandas cúmplices. “For-All-The-Round-Suns” é o oficializar do fim do namoro com o pós-punk dançável que marcava “Six Songs EP”. Ainda há pós-punk, com This Heat à cabeça, mas também rock com balanço (“The craft”), percussão ritualista (“Hanging from the inner cadaver”) e Médio Oriente (na sublime e hipnótica “Aboriginal urine down the slope of a tight vagina”). Sem ser o disco definitivo de uma cena que desponta e que excita por ser ainda verde, “For-All-The-Round-Suns” é um documento muito válido de um ano musical português marcado por interessantíssimas aventuras criativas. P.R.
6
Kubik Metamorphosia
Zounds
Depois do muito elogiado Oblique Musique de 2001, Victor Afonso voltou em 2005 a fazer música utilizando para isso o ‘disfarce’ chamado Kubik. Metamorphosia é senhor para conter alguma da música mais desafiadora feita m Portugal em 2005, disco onde se negam estruturas preconcebidas, limites musicais, união em redor de um só género musical e fórmulas. O método é destruir as barreiras. E para isso Victor Afonso até conta com convidados de luxo (Adolfo Luxúria Canibal, Old Jerusalem) que ajudam a fazer de Metamorphosia um disco que atribui importância significativa à voz. Metamorphosia é aquilo que se esperava de Victor Afonso no seguimento do seu disco de estreia: um trabalho que põe o cérebro a trabalhar, não lhe dando qualquer tipo de descanso. E não se admirem se a viagem atribulada vos empurrar para fora da roda. A.G.
5
Rocky Marsiano The Pyramid Sessions
Loop:recordings
D-Mars fez-se com as palavras e depois com as batidas. Partindo de velhos discos de jazz, procedeu à construção do seu próprio universo jazzístico, mostrando como o jazz pode ser feito por um não-músico. Claro que, para isso, teve a ajuda de alguns amigos, como T-One (guitarrista do projecto Mr. Lizard), Rodrigo Amado (saxofonista dos Lisbon Improvisation Players), D-Fine (vocalista) e Nell'Assassin (gira-disquista), mas o mérito é quase todo de D-Mars (como é exemplificado pelos concertos ao vivo do projecto, onde os convidados variam sempre). Em pleno século XXI, alguém pega num sampler MPC 2000 e em discos antigos e cria algo de bom, não necessariamente diferente ou novo (no sentido de novidade ou originalidade), mas algo bom. Aproveitando o facto de o nome ter sido roubado ao pugilista Rocky Marciano, The Pyramid Sessions de Rocky Marsiano é KO no primeiro round. R.N.
4
Complicado Haunted
Bor Land
Haunted é uma assombração de árdua catalogação que se revela a prazo. A motivação que leva os convertidos a renderem-se ao mesmerizar do seu vortex cíclico (na gestão de emoções) é em tudo semelhante à que induz alguém a preservar religiosamente um peluche rafeiro, quando este já nem dispõe da totalidade dos seus membros. Espera-se de Haunted uma revelação progressiva consoante as estações a que é justaposto. Representa este o argumento de Miguel Gomes (a.k.a. Complicado) em defesa de todos os bonecos a pilhas que mereciam uma escuta atenta, mesmo quando o lítio já escasseia. M.A.
3
Cristina Branco Ulisses
Universal
Se não receber nenhum outro prémio, Ulisses terá de assumir mesmo o título de melhor disco do ano na categoria de fado-não-fado. Isto porque aquilo a cantora faz transcende o fado. As canções de Cristina Branco - acompanhada por Custódio Castelo, seu principal compositor, na guitarra portuguesa - estão cada vez mais próximas da luz. "Sete Pedazos de Vento" é disso um dos melhores exemplos, e ao mesmo tempo uma das melhores canções portuguesas do ano que agora finda. Mas há em Ulisses muito mais, há 15 temas que contêm uma beleza muito própria, muito nossa. Foi editado logo no início de 2005 mas é sem dificuldades que o lembramos passados tantos meses. Ulisses é uma viagem pelo amor e pela saudade que urge ser feita a todo custo. A.G.
2

The Vicious Five Up on the Walls
Loop
A rebelião e a revolução e a festa andam todas de mãos dadas. Há uma citação, tradicional e supostamente erradamente atribuída a Emma Goldman, que fala da revolução e da dança: "If I can't dance, I don't want to be in your revolution". Mas, nos Vicious Five, a revolução dança-se. Mas, mesmo tendo saído pela Loop:recordings, a revolução não se dança através do Roland TR 808 que o hip-hop usava nos anos 80. Dança-se através do punk rock e do puro rock'n'roll, de uma forma algo revisionista mas com os pés bem assentes no século XXI. Que outra banda nos daria refrões com "hey hey" num tema chamado "Fallacies & Fellatio". A única falha de Up On The Walls, para além da sua brevidade e da falta de eclecticidade vocal de Albergaria, é não conseguir reproduzir os discursos e a pose ao vivo do incendiário frontman. R.N.

1
Old Jerusalem Twice the Humbling Sun
Bor Land
Ano em cheio para Francisco Silva, o músico que dá pelo nome de Old Jerusalem. A nomenclatura biblíca bem podia servir o propósito de anunciar a rendição incondicional da crítica, tal foi o consenso reunido à volta dos seus dois albuns de originais. Após a surpresa que foi acolher April em 2003, o músico regressa este ano com Twice the Humbling Sun para confirmar e cimentar a imagem de songwriter criativo e competente. O resultado está à vista (ou à escuta): onze faixas despojadas de floreados inúteis, mas carregadas de argumentos em abono do epíteto de canções prodigiosas. Dois anos após a estreia, Francisco Silva apura o sentido melódico das suas composições, confere mais maturidade às suas letras, aposta numa produção mais cuidada (sempre a cargo de Paulo Miranda) e concebe a melhor surpresa discográfica nacional de 2005. E.A.

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