RETRO MANÍA / Janeiro 2019
Como crescer com os Animal Collective
· POR Paulo Cecílio · 06 Jan 2019 · 23:21 ·


... E, de repente, os Animal Collective perdiam a sua liberdade. Não a musical: essa estava ainda bem presente em todos os sintetizadores, em todos os efeitos utilizados, em todos os ritmos, em toda a psicadelia, em todo esse ataque sensorial em que consiste Merriweather Post Pavillion, o álbum que, ainda que não os tenha feito sair da bolha de nicho onde sempre estiveram e sempre estarão colocados, pelo menos os deixou nas bocas de muita gente que, em tempos não muito distantes, os renegariam como apenas mais um exercício cacofónico hipster.

Perdiam outra liberdade, talvez mais importante, porque não tem a ver com liberdade artística e sim liberdade pessoal. Perdiam a liberdade inerente à juventude, pois viram-se forçados a crescer, de uma forma mais individual e menos colectiva, fruto da vida e da morte - falecimentos de pais, nascimentos de filhos -, colocando essas amarguras nos versos que ajudavam a compor uma das últimas grandes obras do gigantesco umbrella term que é o indie rock, que entretanto desapareceu para dar lugar a outras experiências electrónicas ou exercícios mais ou menos nostálgicos.

Certo: será difícil vislumbrar aqui qualquer espécie de "rock". Logo em 2009, ficou esta frase, proferida num determinado fórum da Internet: os Animal Collective fizeram um disco house e ninguém sabe. Mas também é difícil vislumbrar qualquer espécie de "house", ou até mesmo de um género específico; sem Deakin, que ficou de fora deste álbum por motivos pessoais, a banda viu-se forçada a olhar para além das guitarras, mas não é como se tenha embrenhado a fundo na ortodoxia electrónica e/ou psicadélica. Preferiu olhar mais além, para um campo onde a rotulagem não fosse possível. Voltamos à questão inicial: é como se tivessem compensado a falta de liberdade pessoal que começaram a sentir com a artística.

Essa liberdade poderá, também, encontrar os seus ecos no próprio título do álbum, em homenagem ao local do Maryland onde, nos anos 60, se apresentaram nomes como Jimi Hendrix, Janis Joplin, The Who ou Grateful Dead - nomes onde essa chama libertária, que também era fruto da época em que se inseriam, estava muito presente. Ou na capa, imutável, impossível de paralisar no tempo como a uma fotografia - e pur si muove. Ou nos versos de "In The Flowers", logo a abrir...

Met a dancer
Who was high in a field
From her movement
Caught my breath on my way home
Couldn't stop that spinning force


...e que procuram essa mesma liberdade que lhes foi, aparentemente, negada. Repete-se a palavra uma e outra vez porque é a forma mais sensata de descrever tudo aquilo que Merriweather Post Pavillion representou no final de uma época que ajudou a formar grande parte dos melómanos de hoje em dia - gente que não olha a barreiras estilísticas ou não tem preferência por uma maneira de fazer música sobre as outras. Gente que, tal como os Animal Collective, se viu forçada a crescer de um dia para o outro, a entrar à bruta no mundo adulto. É a esses que o disco se dirige, que "Also Frightened" (a canção que prova que o futuro não esquece os sorrisos do passado) se dirige, que Panda Bear - o principal mentor deste álbum, pelo menos a nível da temática - se dirige.

E é também a esses que se dirige "Brother Sport", a canção pessoal mais comunitária de sempre: um apelo ao irmão transformado num afável abraço, no murmúrio vai acabar tudo bem.

Antes de Merriweather Post Pavillion houve a digressão dos Animal Collective em 2008 (que passou pelo Lux), onde todas as canções aqui presentes foram testadas ao vivo, fazendo com que o álbum fosse um dos mais aguardados de 2009 - não desiludindo quem o ouviu naquela noite de Natal em que o mesmo caiu na Internet, ou quem o ouviu apenas em Janeiro e de pronto se apressou a comprá-lo, em vinil, pois claro. A maioria das discussões - deixando de lado quem, ainda assim, não se conseguiu interessar pelos Animal Collective - pareceu girar em torno de uma única ideia: era este o melhor álbum de sempre dos norte-americanos, ou apenas o segundo melhor, atrás de Feels, Here Comes The Indian, Sung Tongs ou Strawberry Jam?

Não existe uma resposta certa, claro. E é (também) por isso que Merriweather Post Pavillion conseguiu resistir e posicionar-se como obra fundamental no sentido de compreender os Animal Collective e aquilo que representam musicalmente (ou não), mas também para nos compreendermos a nós mesmos, aceitarmos o período de transição e crescimento que aqui são explícitos: da inocência à realidade, da ideia de mundo à de fim do mundo and back again, do aconchego paterno à paternidade. Em suma, Merriweather Post Pavillion ensinou-nos a envelhecer e a gostar (ainda mais) da vida. E nem foi preciso nacerem-nos cabelos brancos; a velhice também pode vir pintada com imensas cores.

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