Heineken Paredes de Coura 2006
Praia Fluvial do Tabuão
14-17 Ago 2006
17/08

Cat People

Mais uma reciclagem oca e vazia do pós-punk dos anos 80. Desta vez vêm de Espanha e fazem-no de uma forma minimamente competente, se nos esquecermos do sotaque irritante e dos problemas de som. Há uma versão de “I wanna be adored”, dos Stone Roses, que é particularmente insiltuosa e alguns problemas de som.

Shout Out Louds

Pelo nome e pelo lugar de origem - Suécia -, os Shout Out Louds parecem uma banda de rock’n’roll banal e oco que se acha a salvação do mundo. Felizmente, não são nada disso. Há um coro de crianças antes da banda entrar em palco, e, ao primeiro tema, mostram o power-pop solarengo com moog e riffs competentes no qual são exímios. A voz do vocalista é extremamente parecida com a de Robert Smith dos Cure, mas dos Cure só tiraram as partes felizes e não o ambiente soturno e negro e deprimente, mostrando uma agradável surpresa com trompetes sintetizados que não funcionam muito bem mas com melodias bonitas de glockenspiel.

Maduros

Um dia, alguns amigos, veteranos do rock’n’roll português, decidiram juntar-se e gravar uma versão de Clash. Acharam que tinha funcionado bem e juntaram-se mais vezes. Todos músicos profissionais, e todos bons músicos profissionais, esqueceram-se de algo fulcral: da música. Estes quarentões viveram os tempos mais movimentados e desregrados do rock português, as drogas, a loucura, tudo. E puseram Zé Pedro, um mito do rock, o guitarrista dos Xutos & Pontapés, a cantar.
Havia gente que pensava que Tim era um dos piores vocalistas rock de todo o sempre. Nada mais errado, e basta olhar para o lado dele para descobrir isso. A sua voz rouca, de quem é velho, de quem já viveu muito, e, ainda por cima, de quem quer ensinar aos jovens como se vive, é inenarrável. A música, essa, a puxar pelo punk ou pelo hard-rock, é banalíssima, mas também não irrita. O grande problema são as letras. “Aproveita bem o poder da tua juventude”, “O bom que esta vida tem, não sabes, não queres aproveitar” ou “Descobre as tuas capacidades, usa-os para o teu próprio bem” são algumas das pérolas lançadas, pondo todos os festivaleiros a rir bem alto. Ele tem boas intenções, ou parece ter, e diz que a banda só se juntou por amor à música, mas não há nada que se salve ali. A versão de “Call Up”, dos Clash, é competente, se nos esquecermos do sotaque mau em inglês.
Os membros deste “colectivo fabuloso”, todos veteranos do rock, incluem gente respeitável que devia saber melhor. Alexandre Soares, Jorge Coelho, Pedro Gonçalves e o filho do baterista dos Xutos & Pontapés (todos, segundo Zé Pedro, com o apelido “Maduro”) foram todos postos ali. Zé Pedro diz que o público é “resistente ao rock’n’roll”, mas, se é alguma coisa, é forte e resistente aos Maduros. Só assim se explica o facto de as pessoas não se terem ido embora com a chuva, já que era impossível conter o riso cada vez que Zé Pedro abria a boca. È necessário respeitar os veteranos, sim, mas torna-se difícil e penoso se eles continuarem assim.

!!!

Os !!! eram a única banda repetida do ano passado. Ganharam um novo horário, um pouco mais tardio. Musicalmente, não devia haver razões para repetirem. Mas poucas bandas são capazes de tocar basicamente a mesma coisa durante uma hora e pouco e não só mantê-la interessante, mas também ter momentos altos dentro daquilo. “Me & Guiliani Down By The Schoolyard”, single de 2003 que passou para Louden Up Now, de 2004, marcou a mudança dos !!! de uma banda banal e até às vezes muito aborrecida para os reis do dance-punk-funk-porno-groove. E continua a ser a melhor canção deles e continua a resistir a todas as mudanças que lhe fazem ao vivo (a versão tocada mudou da de 2005, com um arranjo diferente), sendo também uma das melhores experiências sonoras que alguém pode sentir nesta década. Quando chega a meio, as guitarras descendentes, que remetem para os Sonic Youth, seguida por uma muralha de guitarras e gritos de Nic Offer, há algo de avassalador ali.
Nic Offer limita-se a dizer palavras de ordem e algumas letras, e de vez em quando balbuciar onomatopeias, em termos sonoros, mas é como animador das massas que funciona melhor. Salta, dança, mexe os braços e as pernas, põe o microfone na boca, e tem os melhores movimentos que alguém na sua posição pode ter. Vai ter com o público, põe a cara em frente às câmaras, faz tudo o que pode e não pode fazer. Num ano, os !!! arranjaram roupa melhor (pareciam hippies que viviam numa comuna no ano passado, este ano parecem ter dinheiro) e canções novas. Não que não soem iguais às outras, o que não é necessariamente mau. Mas há algo que também mudou. O percussionista que no ano passado de vez em quando também cantava num falsete muito fraco manteve a barba e passou a estar mais tempo na dianteira do palco. A banda também ganhou mais fãs e passou-se com os fãs mal-educados e encarados de Cramps e Bauhaus.
Talvez o sucessor de Louden Up Now seja o disco que este devia ter sido: mais conciso, mais avassalador, melhor no seu todo e não apenas em dois ou três temas. Até podem manter as mesmas linhas de baixo e as mesmas batidas durante uma hora. Já se viu que funciona em concerto. Precisam urgentemente de um disco enorme para concretizarem o seu enorme potencial. Para já, ficam com dois concertos absolutamente delirantes, com arranjos novos nos temas que são basicamente iguais entre si mas também muito diferentes.



!!! © Luís Bento

The Cramps

Os Cramps são uma banda de rock’n’roll com muitas promiscuidades com filmes de série b e toda uma estética de terror. São lendas vivas, os seus membros têm mais de 50 anos, mas neles não há mais do que sempre a mesma canção, tocada de forma competente e para fazer abanar trintões e quarentões roqueiros com cortes de cabelo feitos para acolher brilhantina.
O “humor” de Lux Interior soa extremamente ridículo, quando fala em usar roupa interior de mulher e diz que Deus odeia os Cramps para justificar a chuva (e quando põe o microfone na boca). È gente que já tem idade para ter juízo, mas insiste em não ter. Em alguns casos, o perpetuar da juventude é bonito e louvável, neste é apenas ridículo e estranho. Riffs no sítio, rock’n’roll básico e versões de quase todas as bandas que soam assim nos Estados Unidos (introduzidas sempre da mesma forma: “Esta é dos *inserir nome de banda*, do *inserir nome de estado norte-americano*”), sempre iguais.
A repetição funciona durante meia-hora, ou pouco mais, sendo o culto à volta dos Cramps completamente injustificável, a julgar por este concerto. Mas têm fãs fiéis e violentos que fazem tudo para estar mais perto da sua banda favorita, empurrando toda a gente que está à frente como se não existisse algo no mundo chamado “boa educação”.

The Cramps © Luís Bento

Bauhaus

A responsabilidade da fundação uma comunidade universal baseada em indumentária assombrosamente pouco original não lhes parece afectar a actividade musical. Os Bauhaus regressaram ao mundo dos vivos e a preto e branco (e os ecrãs gigantes foram mais um instrumento ao serviço do seu espectáculo monumental). “Double Dare” foi o primeiro grande momento, quase a abrir, e a chuva intensifica-se mas a música está mais viva que nunca, voltando a um clímax com “She’s In Parties”. A chuva avança, o temor avança, há direito a uma versão dos Dead Can Dance, “Severance”. Aquele pós-punk distanciado é sempre o mesmo, mas a energia de Peter Murphy parece transformar em algo mais (talvez seja só ilusão, mas eles são grandes ilusionistas). Há uma ameaça de fim e o regresso com “Transmission” dos Joy Division - e a multidão aos pulos já se esqueceu da chuva. Para encerrar o espectáculo os Bauhaus guardam a sua melhor canção, que é curiosamente o seu primeiro single: “Bela Lugosi's Dead". Final de festival grandioso: o tal Lugosi morreu, mas afinal os góticos continuam bem vivos.

Bauhaus © Luís Bento

Entre os concertos

Inexplicavelmente, uma colectânea dos maiores êxitos dos Offspring tocou várias vezes. Também canções de Jack Johnson. Excepções honrosas: um roadie de Morrissey tocou o riff de “Sex Beat” dos Gun Glub antes do concerto e os TV On The Radio passaram após os Yeah Yeah Yeahs.

O Festival Paredes de Coura 2006 benificiou, em contraste com o ano passado, de melhores apoios (melhor cerveja de sempre a preços aceitáveis num festival de verão em Portugal?) e infraestruturas, mas sofreu por uma perda de eclectismo no cartaz - há que dizer que em 2005 houve os Roots, uma banda de hip-hop mainstream, um gesto louvável num festival de rock’n’roll, mesmo que tenha sido uma banda de hip-hop para roquistas (tradução directa do inglês “rockist”) - e pela chuva. Não foi um mau festival, teve muitos pontos fortes - especialmente Broken Social Scene, Morrissey, Gang of Four, Yeah Yeah Yeahs e !!! -, mas também muitos pontos fracos, desde a inanidade inenarrável dos Warren Suicide do palco after-hours à indieferença de bandas como os White Rose Movement, os Madrugada ou os Cat People e de praticamente tudo o resto que se passou no palco afterhours. Talvez seja preciso arriscar mais, variar mais, mantendo os pontos fortes e os maiores chamarizes. Dessa forma, Paredes de Coura tornar-se-á realmente a alternativa que sempre disse ser e, até certo ponto, até é. Fez muito, mas podia fazer mais, e é essa a ideia com que se fica.

· 14 Ago 2006 · 08:00 ·
Rodrigo Nogueira e Nuno Catarino (Bauhaus)
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