A Naifa
Rivoli – Teatro Municipal, Porto
05 Mai 2006
A Naifa é uma banda que tem inscrito no seu código genético as palavras profissionalismo e competência, na linha de outros projectos portugueses que escolhem um rumo e se fazem à vida, com mais ou menos sucesso (e aqui vêm à cabeça nomes díspares como The Gift, Clã ou Mesa). Ao vivo, o empenho destas bandas é garantido, mas espera-se para ver se está lá a paixão. Partindo desta perspectiva, o concerto no Rivoli começou mal para A Naifa, mais parecendo que, para usar a gíria futebolística, não tinham feito o aquecimento. Maria Antónia Mendes (ou Mitó), a vocalista, parecia alheada, e a sua voz também não estava no ponto; Aguardela (baixo) e Varatojo (guitarra portuguesa) davam a ideia de estar em modo piloto automático; Paulo Martins exagerava na força colocada na bateria, isto perante os constantes apelos (através de gestos discretos) de Mitó para controlar a intensidade. A questão da percussão é, de resto, de crucial importância na banda: ao vivo, e sem os pozinhos de produção que a domesticam em disco, ela soa mais crua e quase parece um elemento estranho, metido entre a voz e a guitarra portuguesa, se não for tratada com pinças.

Foi assim que “Da uma da noite às oito de manhã” e “Monotone” foram momentos mais ou menos desperdiçados, que não se traduziram numa grande empatia com o público. Mas o nível começou a subir progressivamente a partir de “Fé”, de maneira quase ininterrupta até ao fim do concerto (até a percussão se foi tornando mais subtil, com a ajuda da inserção de programações em alguns temas). Maria Antónia Mendes tirou o casaco, mostrou um belo vestido preto e desinibiu-se, começando a mostrar toda a sua sensualidade. “Música”, poema de José Luís Peixoto, foi o primeiro grande momento da noite, com direito a um final em suspenso (recurso muito usado pela banda, que apresentou as músicas de uma maneira muito próxima à versão de estúdio). Por esta altura, e olhando para a fase inicial do concerto, era caso para perguntar se o começo em falso teria sido nervosismo ou até mesmo mera encenação da banda.

Pelo palco despido do Rivoli (apenas o jogo de luzes, eficaz mas discreto e algo sombrio, acrescentava um elemento de encenação à presença dos músicos) passaram depois “Antena”, “Quando os nossos corpos se separaram” e “Todo o amor do mundo não foi suficiente”. Nesse momento, já os aplausos eram muito fortes e o público (que enchia uns bons três quartos da plateia do Rivoli) estava conquistado. O alinhamento prosseguiu apenas com a vocalista e Varatojo em palco, num momento de maior intensidade fadista, com “Perigo de explosão” (seguiu-se ainda, no mesmo registo, “Porque me traíste tanto”). Varatojo manteve aliás, durante o concerto, a guitarra portuguesa ligada a um amplificador (arrepiem-se, puristas do fado!), o que lhe permitiu inserir alguns efeitos electrónicos subtis.

“Bairro Velho” e “Hécuba” marcaram um período mais upbeat e em que se notou a influência trip-hopiana d’A Naifa. Aí, já a descontracção em palco era total, Mitó dançava ou cantava de mão na anca e microfone ao alto, Varatojo ria, Aguardela já não se mantinha tão estático. “A verdade apanha-se com enganos”, infectado de folclore português, juntou Aguardela (brilhante linha de baixo) e Mitó em volta do baterista, naquele que foi o auge do concerto, seguido do disco-fado de “Señoritas”. Houve ainda lugar para uma versão do marialva “Alfama”, dos Mler Ife Dada.

Para o primeiro encore ficaram reservados “Meteorológica” e “Calças vermelhas” e, no segundo encore, a apoteose: uma versão de “A Tourada”, de Fernando Tordo, em que as palmas e a dança pedidas por Maria Antónia Mendes tiveram correspondência no público. A banda pouco ou nada tinha falado durante o concerto, mas na saída da sala Varatojo atirou um bem audível “Viva o Porto!”. É justo reconhecer à Naifa pelo menos o mérito de ser uma das bandas da actualidade capazes de mexer na ortodoxia do fado.
· 05 Mai 2006 · 08:00 ·
João Pedro Barros
joaopedrobarros@bodyspace.net
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