Festival Best.Off
Casa da Música, Porto
8-10 Dez 2005

10/11

Para o último dos quatro dias de festival estava reservada uma noite que prometia prolongar-se pela madrugada dentro, mas poucos imaginariam que a Casa da Música se transformasse naquilo que se transformou: na festa do ano. Foram três blocos de concertos e actuações de DJs que foram acontecendo simultaneamente na Sala 2, Foyer Sul e Corredor Nascente mas a festa fez-se um pouco por toda a Casa da Música. Havia gente por todo o lado (a organização avançou com um interessante número de 900 pessoas), música por todo o lado (era quase impossível estar na Casa da Música sem a ouvir), uma quantidade assinalável de substancias menos licitas e uma situação que não passou despercebida: os músicos quando não estavam a actuar misturavam-se com os espectadores, repetidas vezes. A presença de bombeiros no local quase que anunciava o estado de loucura e excesso: tudo foi permitido. E porque as ofertas eram muitas e ao mesmo tempo (um pouco como acontece nos grandes festivais estrangeiros), havia que fazer escolhas e o melhor era andar de plano de horários na mão ou estar de olho nos ecrãs espalhados um pouco por todo o lado que mostravam informações acerca das actuações.

E porque escolhas eram necessárias, foi na actuação de Felix Kubin que as atenções recaíram primeiramente. E o alemão é uma figuraça que não pode passar despercebida, quer musicalmente quer pelo seu aspecto, de fatinho preto, branco e com um tons de vermelho aqui e ali e sapato pinguim. O músico anunciou desde logo que se iriam estabelecer comunicações com outros planetas e partiu para uma actuação onde trabalhou sintetizadores, órgãos velhos e maquinaria variada para criar composições musculadas, electrónica com forte travo a experimentação que provocou doses consideráveis de dança na plateia. Tudo a um passo da demência que veio em forma de canções sobre sonhos e o pato Donald ou mais concretamente em 3 novas canções de uma série apelidada pelo próprio Felix Kubin de Idiot Music (parte 1, 2 e 3) – e foi mais ou menos por aí que confessou estar preso nos 7 polegadas, por não ser um homem de álbuns. Cortou no imaginário maquinal e robótico ao apresentar a sua canção mais melódica (“There is a garden”) mas pouco depois voltou ao seu estado normal para uma cover de “Robot” dos japoneses Plastics. Aproveitou uma projecção para, no backstage, se preparar para a próxima canção e apareceu em palco sem casaco, com sangue na boca e, viu-se mais tarde, a manejar uma faca simulando esfaqueamentos vários. O último tema (já em encore) contou com a projecção de mais um vídeo que roçou o surrealismo e a bizarria. Um pouco como toda a música de Felix Kubin, que elevou logo ali bem alta a fasquia da noite.

E como o próprio Félix Kubin tinha anunciado, era tempo de rumar ao foyer sul para assistir a uma sempre imprevisível actuação de Max Tundra, responsável pelo electronicamente excêntrico Mastered by the Guy at the Exchange. Mais do que os malabarismos de dança de Ben Jacobs (que se manifestaram imensas vezes durante a sua actuação), o que primeiro chamou à atenção foi a gritante falta de qualidade do som (o foyer sul não mostrou ser de forma alguma um bom local para actuações do género). Mesmo assim foi interessante ver Ben Jacobs assassinar versões de canções de outras décadas ou perceber que uma actuação de Max Tundra é o equivalente a termos 15 mini orquestras a tocarem ao mesmo tempo, uma para cada lado (Ben Jacobs chegou até a tocar uma guitarra algures no concerto). Até porque nas suas mãos, uma canção anunciada como sendo uma “love song” pode facilmente tornar-se motivo de deboche e extravagancia . Max Tundra merecia claramente melhor sala, provavelmente em nome próprio numa sala 2 da mesma Casa da Música ou num espaço como, por exemplo, o Passos Manuel.

Depois do concerto de Max Tundra foi tempo de mais uma voltinha para encontrar no corredor nascente a finlandesa Heidi Kilpelainen (toda vestida de preto e com uns sacos pretos na mão) a navegar num mar electrónica onde navegavam também três bailarinas silenciosas com membranas brancas que se agitavam aqui e ali. O projecto em causa é HK 119, eleito por Björk como a artista do ano. Curiosamente entende-se bem melhor a admiração de Alison Goldfrapp (outra das apoiantes da finlandesa), especialmente no que respeito diz a sonoridades. O espectáculo é visualmente forte mas pouco mais do que isso. Mais uma voltinha para espreitar por momentos curtos Kalaf (na sala 2) com o seu novo projecto, e ainda outra para um piscar de olhos ao documentário sobre punk que se exibia numa parede algures num cantinho de sofás vermelhos e confortáveis. Interrupção do documentário para rumar de novo ao corredor nascente para uma das actuações mais esperadas da noite, a dos canadianos Les George Leningrad. Impressionaram primeiro pelo aspecto de homens das cavernas (o baterista tinha o corpo todo pintado e apresentava-se de tanga e com uma espécie de caveira presa à cintura e exibia-se na frente do palco mostrando os seus músculos) e depois pela forma como conseguiram empolgar a plateia. Houve dança tresloucada, houve quem emborcasse garrafas de bebidas brancas enquanto o diabo esfrega o olho, houve do lado do palco um pós-punk que se dividiu entre o excitante e o aborrecido (naquele estranho e inquietante ponto intermédio) mas a “casa” estava cheia e assim ficou.

Mais ou menos ao mesmo tempo, os Sa Ra Creative Partners distribuíam na sala 2 sensualidade e sexualidade em doses generosas em forma de hip hop - mas não só. É que também há R&B e funk bem amanhado por uma live band. O som nunca foi muito bom (parecia algo preso no palco e com pouca vontade de se fazer ouvir em toda a sala) mas isso não impediu os norte-americanos de fazerem a festa. Também não se pode duvidar de ninguém que ande metido com os Jurassic 5 e com Common, autor de um dos discos do ano. A sensualidade (muita, muita), essa, era reforçada por três bailarinas pouco vestidas que não raras vezes se aventuravam em poses e coreografias MTV. No final parecia que até a própria banda estava surpresa com a recepção, pois por alturas do encore foram obrigados a improvisar um tema para fechar a noite. Noite essa que seguiria até às tantas da madrugada com a actuação de DJs.

Nem é preciso fazer bem as contas para se perceber que a última noite do Festival Best.Off foi uma noite memorável. Uma noite que se deseja ver repetida vezes sem contas na noite portuense. Um pouco por todo o lado via-se estampado no cenário a satisfação de estar presente num evento desta envergadura. É certo que houve momentos melhor que outros (o prémio nesse capitulo terá de ir obviamente para Felix Kubin) mas no geral foi uma festa incrível, de celebração de liberdade quase sem limites: tanto musicais como de expressão pessoal. Uma noite para o livro de memórias da Casa da Música e da cidade do Porto.

· 08 Dez 2005 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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