Sei Miguel All-Stars
Lisboa Bar, Lisboa
24 Nov 2005
O trompetista Sei Miguel é uma personagem inimitável no panorama musical português. Desenvolve o seu trabalho numa área pouco divulgada, sempre envolto numa aura de mistério, e vai construindo o seu percurso musical insinuado por uma certa mitomania – coisa própria das gentes do rock. No entanto, a frequência de aparições recentes têm aumentado a visibilidade deste músico e o consequente desvanecer da tal aura enigmática. Depois de um concerto no passado dia 17, Sei Miguel voltou a apresentar-se com os seus All Stars na cave do Lisboa Bar para mais um espectáculo.

A formação apresentada foi um sexteto, no qual a direcção cabia obviamente a Sei Miguel: é o pocket-trumpet que lança as pistas, desenvolvendo um fraseado assente na linguagem jazz em formato retalhado (o próprio considera-se “músico de jazz”); os restantes músicos seguem-no. Fala Mariam, no trombone, tratou de seguir as pegadas do trompete e foi, talvez, a pessoa mais interessada no diálogo directo com o líder. A guitarra de Manuel Mota, herdeiro de Derek Bailey em grande ascensão, teve uma noite embaciada: apesar de ter tocado quase ininterruptamente durante o concerto todo, não criou mais do que um simples tapete irregular sobre o qual o grupo passeava, por vezes contrapondo as estruturas geradas pelo trompete, mas a maior parte das vezes sem entusiasmo de maior.

César Burago, na percussão, esteve sempre atento e revelou-se em intervenções precisas – sente-se a necessidade (bem-vinda) de elaborar padrões rítmicos constantes. O baixo eléctrico de Pedro Lourenço não se fez notar especialmente, mas quando interveio deixou marcas agradáveis. Rafael Toral, ao comando de um oscilador de eléctrodos (mais parecia um puto de 13 anos a jogar game boy), perdia-se quando o grupo entrava em reunião colectiva, mas nos momentos de maior vazio fazia valer a sua presença, preenchendo os espaços com electricidade trabalhada.

Neste grupo é a linguagem de Miguel que define a música: o grupo tem liberdade para seguir em improvisação (contida), mas é nos instantes em que o trompete discursa que são expostas as linhas orientadoras da música. O facto de termos aqui reunidos músicos de grande valência é uma vantagem clara (a designação “All Stars” não é à toa, Mota e Toral já são referências à escala mundial) e é bem visível na confiança depositada para a improvisação. Concentrados e entrosados, estes músicos são capazes de momentos de grande inspiração, o que aconteceu por alguns instantes na cave do Lisboa Bar. Ao cabo de quarenta minutos (aproximadamente) o grupo despediu-se, deixando no ar a curiosidade com as possibilidades da evolução desta formação para os próximos tempos.
· 24 Nov 2005 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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