Uri Caine
Culturgest, Lisboa
28 Out 2005
O pianista americano Uri Caine apresentou-se a solo na passada sexta-feira no grande auditório da Culturgest. O concerto era aguardado com muita expectativa, os bilhetes já se encontravam esgotados há várias semanas – uma das razões terá sido a exemplar política da Culturgest, que apresenta bilhetes para todos os espectáculos ao preço fixo de 5 euros para menores de 30 anos, resistindo à tentação da especulação e garantindo acesso à cultura para os jovens.

Desde 1992, ano em que editou o seu primeiro trabalho, Uri Caine vem afirmando o seu talento e consagrando-se como dos mais notáveis pianistas da actualidade. Quase a chegar aos cinquenta anos, estará provavelmente num dos seus melhores momentos de forma. Combinando a vocação pela música clássica com o jazz mais sofisticado, sem esquecer a tradição judaica, dissolve fronteiras de géneros e é uma voz ímpar. Apesar de ser no jazz que o seu nome é mais falado, mantém em paralelo trabalhos na área da música clássica, prosseguindo continuamente um trabalho de revisitação de vários compositores (Bach, Mahler, Beethoven, Schumann, Wagner), através de trabalhos editados na editora Winter & Winter.

Pela Culturgest passou um pequeno furacão tranquilo (a brincadeirinha com o nome era inevitável). O pianista não dirigiu a palavra ao público, mas tal não era necessário – a comunicação fez-se por intermédio do piano. Caine traçou caudais de sentimento pintados a preto e branco (como as teclas do piano). Tanto na interpretação pessoal de velhos standards jazz como nas variações em torno dos clássicos, investiu sempre personalidade: as melodias, reconhecíveis, eram filtradas e trabalhadas, geralmente em crescendos de emoção, deixando as almas presentes suspensas em cada nota do piano.

Os temas seguiam-se na alternância de velhos clássicos do jazz com a reinvenção de “clássicos da clássica” e, apesar das aparentes fronteiras estéticas, as mãos do pianista faziam a união e o espectáculo ganhava solidez e coerência. Foi um vendaval calmo, não provocou estragos, mas deixou-nos a todos impressionados. No final, a satisfação era evidente. O público não queria ir embora, o músico correspondeu e só se foi embora depois do quarto encore. A noite de sexta-feira foi dourada.
· 28 Out 2005 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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