Tim Hecker
Culturgest, Lisboa
4- Out 2018
Mal entramos no Grande Auditório da Culturgest, a primeira coisa que nos salta à vista, e ao olfacto, é o muito fumo que toma conta da sala. Ao longo de hora e meia, o mesmo não se dissiparia, quiçá para criar a aura de mistério devida, quiçá para que à música se sobrepusessem as tosses que se foram também escutando. Mas o fumo pouco importa; o que nos fascina mesmo é a escuridão que toma conta do concerto, com a presença dos músicos a ser indicada apenas por pequenos focos de luz e um holofote celestial.

Foi assim com Kara-Lis Coverdale, que no negrume, e dez minutos depois da hora marcada, esteve encarregue da primeira parte. A artista canadiana, no seu regresso a Lisboa, mostrou uma música cósmico-ambiente, onde pequenas estrelas iam cintilando, aqui e ali, não visíveis mas sonoras; teríamos, público presente, de ser uma espécie de sonar para as mapear. Porque não existe aqui um elemento de espectáculo: Kara-Lis limita-se a "brincar" com os seus botões e bugigangas. Resta-nos a música, que paira num torpor, alimenta a névoa, com ela acasala.

Também houve um elemento de perigo, quando um ruído ou outro nos despertava mais a sério. E houve surpresa: a dada altura, uma figura entra em palco sem aviso, junta-se a Kara-Lis na escuridão e no som. Era Tim Hecker, sobre quem pouco depois incidiu uma ténue luz azul. Ouvem-se as primeiras salvas de um tambor, seguidas pelo choque de madeira com madeira. O Japão de encontro à electrónica mais experimental e ocidental, pela mão de elementos dos Tokyo Gakuso, ensemble de música gagaku que colaboraram com Hecker em Konoyo, o seu novo álbum.

O palco é invadido pelo vermelho. O ruído é belo. São cinco os músicos que fazem uma oferenda sonora ao Imperador, que em japonês é Tennō - Imperador Celestial. Assim ficariam durante minutos, num concerto que teve tanto de estranho como de extraordinário - sendo que, por vezes, estes adjectivos são uma e a mesma coisa. Perto do final, vislumbramos Hecker sozinho, em palco, para extinguir a última chama, ou mantê-la perpétuamente acesa. Os demais juntar-se-iam a ele por uma última vez, para a vénia que se exige. E para serem aplaudidos de pé. Mereceram.
· 14 Out 2018 · 23:16 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com
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