SonicBlast Moledo 2018
Centro Cultural de Moledo, Moledo
10-11 Ago 2018
A auto-estrada até Moledo é feita de curvas e descidas, montes de um caloroso verde que nos dão as boas-vindas ao mais belo território do Portugal continental, esse Minho que nos ferve no sangue e nos alimenta a mente; tal como o faz a música, particularmente o stoner, que quase sempre se alia ao consumo de outros calorosos verdes, sobretudo naturais, mas também há quem experimente os sintéticos... Mas divago. Isto é sobre música, e não sobre o que fazem grupos de galegos em festivais portugueses...

Foram muitos, galegos e não só, os que acorreram a nova edição do SonicBlast, festival que já se firmou definitivamente no circuito português. Piscina, praia, sol, boas bandas e comida e um convívio salutar. A única coisa em que peca é nessa aposta feérica no stoner, o que faz com que três bandas do género depois os ouvidos, ali dentro, já se sintam fatigados. Mas, visto que tem sido sempre esse o seu modus operandi, qualquer alteração futura provocará uma mudança radical no festival, e possivelmente nem para melhor. O ponto é: mais umas poucas bandas longe desse conceito sonoro seriam muito bem-vindas.

O festival arrancou na véspera, com concertos em bares de Moledo, um dos quais recebeu, à tarde, os Heavy Cross Of Flowers, e também quem quer que quisesse beber uns copos. O terraço, absolutamente cheio, do Paredão 476 foi minúsculo para quem quis começar o festival da melhor maneira: com bons riffs e rockalhada. Assim como a piscina pareceu minúscula no dia seguinte; ao chegar a hora dos Astrodome, banda psych-cenas que conta na sua formação com o melhor guitarrista de Ponte de Lima, mal se conseguia ver o palco em caso de atraso ao chegar ao recinto. Só melhorou um bocadinho quando os Electric Octopus começam a debitar uma espécie de funk pesado, que proporcionou vários mergulhos na piscina e levou outros tantos a abandonar o espaço rumo ao recinto principal.

Neste, destacaram-se os Conan, que deram à multidão um barulho sujo e pesadote marcando o final da tarde, em nova demanda por território luso; a bateria, logo em grande plano, deu o mote para o que se seguiria. Há uns gritos fodidos pelo meio, uma canção nova e uma pancadaria sludge sem grandes cedências, que fez as delícias de quem lá estava. A dada altura, os Conan atiraram-se de cabeça a uma canção que descreveram como sendo «da melhor banda de sempre do Reino Unido» mas, como não era Smiths, que se foda.

Os Ufomammut não andariam, pouco depois, muito longe desse registo, erguendo um paredão (não 476) de som no palco principal e fazendo com que gigantescas vagas de electricidade desabassem sobre o que outrora deveria ser uma pacata aldeia. Os Nebula, surgidos a partir de dois ex-Fu Manchu e regressados ao activo no ano passado, só agradariam a quem curte realmente esse stoner californiano de sol e skate na mão. Os demais foram jantar... Até porque em breve assistiriam a um concertaço dos Causa Sui, que entraram em palco sem aviso e injectaram tamanho psicadelismo nas cócleas dos convivas que o resultado só poderia ser o de uma trip fenomenal, polvilhada com mulheres semi-nuas nas projecções. No final a organização deixou-os tocar mais uma. Podiam ter tocado a noite inteira.

Forças recuperadas para o dia final - e sem qualquer desapontamento no olhar mesmo tendo perdido os Mantar -, o primeiro encontro com a piscina é feito ao som dos Greengo, um power duo thrash bastante interessante que até fez pessoal moshar dentro da piscina. Dos Ruff Majik, destacou-se uma canção parecidíssima a "Negative Creep", dos Nirvana (facto comentado por mais que uma pessoa), e os Purple Hill Witch provavelmente prestam mais atenção às suas roupinhas de ganga que ao hard rock banalíssimo que fazem.

Os gregos Naxatras, já no palco principal, foram uma das grandes surpresas do festival: rock psicadélico pesado que muito bem soube àquela hora, com o motor instalado num baixista cheio de pinta que se mostrou surpreendido, também ele, pelo público que a eles assistia. Trouxeram consigo um álbum novo, III, e conquistaram quase toda a gente. Assim como os Atomic Bitchwax mas, no caso destes, difícil seria não conquistarem ninguém; são representantes máximos do stoner mais festivo e foram dando conselhos aos presentes, como «vivam um bocado!».

De regresso ao SonicBlast depois de terem sido obrigados a cancelar a sua actuação em 2017, os Kadavar acabaram por não aquecer nem arrefecer, mesmo que se tenham dito bastante felizes por nos ver (quase que aposto que dizem isso a todas). De um curto teste passou-se ao concerto propriamente dito, que em termos sonoros não foi assim tão diferente daquilo a que se tinha assistido até então. Foi preciso chegar uma banda como os Earthless para que assim fosse. E porquê? Porque os Earthless são os Brahimi do stoner, uma banda capaz de debitar riffs rodopiantes e deslizantes, sem passar para o lado ou esquecer uma finta. Alicerçados em Isaiah Mitchell, a única pessoa neste mundo que a nível de guitarrada se aproxima de Deus (ler: Jason Pierce), os Earthless fizeram como no Milhões e mostraram que nisto dos festivais há aprendizes e depois há bandas a sério. Nem foi preciso flutuar: bastou sentarmo-nos, escutar, absorver e olhar para dentro. Há, de facto, algo maior que aquilo que os olhos vêem, e os Earthless provam-no - ao vivo, são mais que um concerto, são uma aula de meditação transcendental com cheiro a gasolina e a incenso, e ainda fazem um encore para que a noite não acabe nunca. Génios, génios, génios.
· 04 Set 2018 · 09:44 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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