NOS Primavera Sound 2018
Porto
7-9 Jun 2018
Partimos para mais uma edição do NOS Primavera Sound com pelo menos uma das certezas: as guitarras perderam espaço para o hip-hop o nos palcos principais e a chuva chegaria mais tarde ou mais cedo (poderia demorar mas chegaria). Se a primeira é uma boa notícia, sobretudo por fazer frente à grande maioria dos festivais, e sem querer fazer aqui uma guerra entre um género e outro, a segunda, como havia de se provar mais à frente, era péssima.

Comecemos pelo mais importante: dizer que Thundercat "roubou" o festival (estas coisas soam muito melhor em inglês, certo?). Apesar dos problemas técnicos (e foram bastantes - aqueles primeiros cinco minutos foram assustadores), e apesar do volume excessivo que vinha do palco onde o grande Four Tet estava a apresentar o seu live, Stephen Lee Brune foi um monstro. Aquela fusão algo alienígena de R&B, soul e funk, misturada com aquele virtuosismo absurdo na guitarra (aquilo poderia não funcionar noutro lado mas ali é sublime), é irresistível.

Depois Nick Cave and the Bad Seeds, que regressou ao local do crime para um concerto em registo perto de Best Of pleno de intensidade. Quase sempre debaixo de chuva, passamos por "Do You Love Me?", "Tupelo" e "Jubily Street" numa sequência demolidora, a fabulosa "The Weeping Song" ou "Stagger Lee" como se fosse a primeira vez. E com a emoção das primeiras vezes. Com "Push The Sky Away" o público foi convidado a subir ao palco para que a comunhão fosse plena. Não foi perfeito (menos chuva e menos guarda-chuvas (quem terá pensado que distribuir os ditos no recinto fosse uma boa ideia?) teria sido bom), mas andou perto disso.

Depois os brasileiros Metá Metá, que foram uma verdadeira centrifugadora de tudo o que a música brasileira tem de mais incrível. Com alguma da mais prodigiosa nata brasileira da actualidade, e liderados pela impressionante Juçara Marçal na voz, os Metá Metá experimentaram, fizeram dançar, mandaram recados mais ou menos políticos e deram um enorme concerto. Que voltem muito rápido.

Em dois registos bem diferentes, Kelela assumiu-se como voz de destaque do R&B mais alternativo com uma performance que pareceu surpreender artista e público (Kelela Mizanekristos disse a certa altura: "If i wasn't brown I would be blushing"), e os Grizzly Bear não surpreenderam ninguém - no bom sentido, claro está - com a belíssima colheita de canções pop melancólicas (tirar "Two Weeks" dá cabeça é um trabalhão desgraçado). Foi um dos momentos mais confortáveis, familiares e melodiosos de todo o festival.

Num momento de escolha difícil (e foram muitas neste festival), decidimos dar uma oportunidade às Superorganism e à sua pop expandex geek com direiro a coreografias e coiso e tal. Os singles do grupo baseado em Londres eram prometedores e a mise en scene da coisa foi divertida e colorida. Por falar em cor, num dos raros momento de sol incondicional, as Breeders subiram a palco para uma hora de revisão da matéria dada, um bailinho lento e sexy de guitarras mais ou menos afinadas. Passados todos estes anos, como resistir a "Cannonball"?

No Palco Seat, enfiado entre duas bancadas que foram a grande novidade deste NPS, com um recinto renovado, percebemos - tal como suspeitávamos - que Father John Misty faz hoje em dia mais sentido em palco do que em disco até porque se pode ver ali, ao vivo e a cores, a cara de todo o cinismo e paródia que se absorve das canções de Joshua Michael Tillman.

Agora a parte mais complicada: é inegável a força das performances de Tyler, The Creator e A$AP Rocky, defendendo em palco belíssimos discos, e foi impressionante ver tamanha e tão jovem massa adepta em ambos os momentos, mas não deixa de ser algo decepcionante o formato em que ambos se apresentaram, sem mais ninguém em palco (Tyler tinha os compadres Taco e Jasper bem escondidos no palco, o que tornou tudo ainda mais bizarro), sem colaborações, sem mais alguma coisa. Não se trata de levantar a questão do Play e Pause, mas sim de questionar o formato, a apresentação. Não era preciso fazer como Kendrick Lamar fez (e sabemos que Tyler sabe, basta ver o NPR Music Tiny Desk Concert), não vamos tão longe, mas gostávamos de ter visto mais alguma coisa. Será conservador da nossa parte?

Fizemos boas escolhas, fizemos más escolhas, perdermos muita coisa que gostaríamos de ter visto (assim de repente, Four Tet, Arca, Nils Frahm, Vince Staples, Oso Leone, entre outros) por questões fisiológicas, físicas, meteorológicas ou de outra ordem, mas o balanço é, claro está, positivo. Os festivais são seres eminentemente pessoais e por isso cada qual constrói o seu percurso e a sua experiência.

No último momento do "nosso", já ensopados e com poucas condições para continuar noite fora, fomos espreitar algumas canções soft rock dos War on Drugs apenas para confirmar que aquilo soa tão bem e tão redondinho e tão perfeitinho que é quase impossível não embalar naquela estrada. Pena a chuva. Mas nem isso nos tira do corpo e da mente a ideia que, dê por onde se der, o NOS Primavera Sound continua a ser - e será durante muito tempo - o melhor festival do género a acontecer em território português.
· 24 Jun 2018 · 15:14 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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