OUT.FEST 2017
Barreiro
5-7 Out 2017
5 Outubro

O barco avança e balança. O dia já escureceu, lembrete de que apesar do tempo quente já é Outono. Um taxista telefona duas, três vezes a colegas ou centrais para descobrir onde raio fica o Museu Industrial da Baía do Tejo, que acolheria a primeira noite do Out.Fest, festival que regressou ao Barreiro para mostrar ao público português, e não só, quanta música cabe no mundo - e não só aquela que passa nas rádios, que tem direito a artigos em blogues, que tem milhões e milhões de escutas no Spotify. Primeira? Não, na verdade esta seria a segunda noite, já que na véspera Jonathan Saldanha se havia aliado ao coro dos Trabalhadores das Autarquias do Barreiro para uma sessão a roçar, contam-nos, a teologia.

Mas se é Deus que se pede, ou pelo menos uma prova mínima da Sua existência, haverá sempre a música de Sei Miguel. Apresentando-se à frente de um quarteto formado, também, por Fala Mariam (trombone), Pedro Castello Lopes (percussão) e Bruno Silva (guitarra eléctrica), o músico apresentou «cinco pecinhas que não escapam ao âmbito do jazz», ele que se mostrou bastante comunicativo com o público mesmo que muitas vezes a sua voz não chegasse a quem estava sentado mais atrás. Expressou algum receio com a forte reverberação que se fazia sentir naquele local, e chegou mesmo a pedir desculpa por um dos temas não ter soado tão perfeito quanto o era na sua cabeça. O som, esse, foi-se encadeando entre si, choque entre protões e neutrões formando um enorme universo jazz. Não é fácil descrever por palavras exactas aquilo a que se assistiu, principalmente sem a bagagem necessária, mas que se sentiram arrepios na espinha, sentiram.

Caterina Barbieri teve algum azar; as primeiras palavras que se escutaram dela foram «my computer just died...», pouco após ter iniciado o seu set, ela que tem disco novo editado este ano pela Important Records: Patterns Of Consciousness. Durante pouco menos de uma hora, a italiana foi explorando uma panóplia de melodias sintetizadas fazendo relembrar a kösmische alemã, arranjando ainda espaço para algum trance e para momentos mais dançáveis, que só não aconteceram porque, aqui, os concertos se vêem sentados. Isto quando a vontade não é a de ir beber uma cerveja.

Ou mesmo algo para além da cerveja: dois copos de vinho, por exemplo. Os mesmos que Charlemagne Palestine ergueu e foi tocando, enquanto disparava cânticos quasi-tibetanos, xamânicos, em busca de alguma coisa - que poderia, ou não, estar escondida na pilha de peluches que colocou em palco, no seu computador portátil ou nas suas vestes hippie-neo-dadaístas. Palestine é, sabe-se, um dos nomes mais sonantes do minimalismo norte-americano, muito por culpa de discos como Strumming Music (1974). Aqui não existiu muito do género; apenas uma curtíssima sessão de vinte bizarros minutos e um fim abrupto após o qual alerta que, caso o público assim o queira, um drone poderá continuar a erguer-se do palco durante «toda a noite» enquanto ele, prevê-se, vai para casa dormir. O programa do festival alertava para o facto de que, aqui, Palestine iria «fazer o que lhe apetecesse». De facto foi o que sucedeu. Assim como nós vamos fazer o que nos apetece e mandá-lo foder por nos ter feito perder tempo.
· 12 Out 2017 · 22:33 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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